Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Fantasmas do Passado (Master)

Crítica | Fantasmas do Passado (Master)

O terror como linguagem.

por Felipe Oliveira
2,1K views

Ainda é bem absurdo quando se observa como o terror e seus subgêneros são esnobados em premiações prestigiadas como o Oscar, porém, são em festivais a exemplo do Sundance que podemos perceber a receptividade de produções muitíssimas aguardadas e suas respectivas aquisições, sejam para as telonas ou plataforma de streaming. E este ano, o famoso evento do cinema independente chamou atenção mais uma vez pelos muitos projetos encabeçados por mulheres, talvez na direção, roteiro ou protagonismo, e um dos títulos trouxe o dramático horror social Fantasmas do Passado (2022), com a cineasta Mariama Diallo, experiente em curtas-metragens, fazendo sua estreia diretorial em um longa que com certeza a colocará a frente de empreitadas promissoras com o terror.

Seria muito simples encaixar o filme em comparação com Corra!, A Lenda de Candyman, ou Bad Hair, exemplos recentes do que o cinema tem usado da linguagem do terror para explorar as manifestações do racismo estrutural no cotidiano, mas Diallo seguiu por um caminho bastante interessante para atingir uma identidade própria para seu debut, o que, mesmo que a experiência final perca seu impacto por escolhas que soam anticlímax para a narrativa, há um escopo ousado sendo discutido, e felizmente, ganha ainda mais força graças às performances de Regina Hall e Zoe Renee.

A maneira que Master, no original, dá início, foi essencial para ditar a dinâmica que seria trabalhada através das duas personagens principais. Hall, vive Gail Bishop, uma docente de uma renomada e majoritariamente universidade branca da Nova Inglaterra, recebendo o título como tutora, ou mestre, o que nomeia o filme. Abrindo a produção, acompanhamos a chegada de Gail em sua residência próxima a chamada Ancaster College, e a julgar pelos artifícios mínimos como a porta da entrada emperrada, há uma aura de resistência permeando essa recepção para quem vem a ser a primeira mulher negra a assumir o cargo na escola.

Intercalando esses momentos, Jasmine (Renee) é a mais nova aluna a se juntar aos campus, sendo a oitava discente negra. Se para Gail pequenos incômodos de sujeira na casa se faziam notórios, com Jasmine, a gentileza e timidez com que estava disposta a conhecer a instituição, eram rejeitadas por um desdém que logo injetava desconforto para o que seria o misterioso quarto 302 o qual foi alocada para dividir ao lado de uma colega de quarto branca, Amelia (Talia Ryder). Embora a edição brusca não favoreça tão bem as transições das cenas, é por momentos breves em que o roteiro funciona e Master começa a ganhar força, nessa trama que relata o racismo velado contra duas mulheres prestes a alcançarem um novo capítulo em suas trajetórias.

Mesmo tendo o foco maior na perspectiva de Jasmine, é interessante como o roteiro vai explorando o tratamento insensível e hostil com qual ambas estão sendo recebidas; à medida que as experiências se intensificam e convergem para as revelações de sua mitologia. O que, então, entram os seis capítulos que dividem os desdobramentos do longa, onde cada título corresponde a uma fala de um personagem, sendo o primeiro deles, “Alguém Pode Limpar Isso, Por Favor”. O momento pode ser identificado quando umas das colegas de Jasmine derruba bebida no chão do quarto e pergunta quem poderia limpar, e automaticamente, jogam um pano para a única pessoa negra no cômodo resolver a questão. Mas não muito antes disso, ao adentrar em sua residência, Gail percebeu que a sua casa pertencia a uma família branca de classe alta e que nem mesmo prepararam o local para sua chegada, tendo assim que limpar e não apenas alocar suas coisas. Contudo, ainda que seja possível traçar essas associações, cada uma vivencia diferentes tormentos na grande Ancaster.

Talvez, os cortes secos que muitas vezes não conseguem envolver um ritmo narrativo do filme, sejam justificados na maneira crua com a qual Diallo vai introduzindo os exemplos de micro-agressões e racismo contra Gail e Jasmine. Alegoricamente, Master rege uma lenda sobre Margaret Millett, uma mulher condenada à forca acusada de praticar bruxaria, isso, porque, a universidade foi construída nas proximidades das terras de Salém. Em torno disso, uniu-se a descoberta de uma antiga aluna que dormia no quarto 302 e que foi encontrada enforcada, além da falsa lenda que o dormitório é amaldiçoado diante da história de uma garota que tirou a própria vida se jogando da janela por ser atormentada por Millett. É uma sacada óbvia, mas que Diallo utiliza o terror em paralelo com os desdobramentos na Ancaster College que sufoca Jasmine, bem como se manifesta para Gail.

Em quase todas as cenas a fotografia de Charlotte Hornsby, acompanhada de planos médios ou fechados e uma iluminação em vermelho, caracterizam os episódios que Jasmine se vê afunilada, e é curioso como a mesma estética segue as crises de sonambulismo que se misturam com a realidade ou nos momentos que a microagressão são jogadas. Tudo isso sela um tom de homogeneidade que ajuda na imersão, pavor e incômodo que Diallo busca constantemente passar, ainda que a edição e decupagem formem um dos pontos que mais causam uma sensação de estranheza e desligamento para o que está sendo narrado, uma vez que a impressão passada, é de que o impacto foge na transição entre o terror sobrenatural sendo manifestado e quando o filme retoma para o foco principal de trabalhar com o drama.

Se por um lado os desdobramentos com Jasmine e Gail acontecem aparentemente sem muita diferença de tempo, Giallo traz uma terceira personagem que se torna a última peça fundamental para o entendimento de sua história através de Liv (Amber Gray). Enquanto que para Gail, ter uma segunda professora negra na universidade a fortalece, a relação de Liv e Jasmine levanta uma linha de dúvida a seu respeito, fator que finalmente só se revela com o ousado terceiro ato e reflete a abordagem da diretora.

Há certos problemas que irão destoar a experiência e impacto em Fantasmas do Passado, e muito disso fica evidente no ato final como nos diálogos expositivos explicando a boa mitologia construída por meio da ferramenta do terror. Diallo utilizou de elementos do terror psicológico e sobrenatural para aguçar a narrativa, mas sem de fato definir o longa aos subgêneros, mas como formas de contar a história e criar momentos inspirados nessa linguagem que o horror possibilita. Por citação, a cena da dança na festa do campus se assume assustadoramente desconfortável e agressiva apenas com o jogo de iluminação, músicas e planos fechados, diferente de quando Gail se percebe imersa numa alucinação no porão que era o quarto da antiga empregada negra da casa, ou de objetos se transformando em entidade para Jasmine no banheiro; são exemplos de aplicações que soam distantes da intenção de causar espanto.

Mas é no ato final que Master atinge o estilo de Diallo com maestria, quando até mesmo o título ganha outro significado conforme a mitologia se complementa através da compreensão de Gail. Refletindo a América, a prestigiada Ancaster College é só fachada quando por dentro do corpo da instituição nada tem a ver com sua propaganda contra o preconceito, quando a própria universidade se revela enraizada e reproduzindo os fantasmas do racismo, da agressão, hostilidade, acidez e insensibilidade. Na ótima cena com as camadas cedendo diante de Gail, Mariama Diallo firma novamente sua autoria ao deixar o elemento do terror como porta de dúvida de se há um mal vivo ali ou reencarnando para assombrar um lugar que predomina o racismo.

Fantasmas do Passado pode dividir bastante com o seu resultado que embora nem sempre acerte como o esperado quando se trata do terror, mas há de se reconhecer o argumento sólido e a maneira audaciosa de atingir efeitos diferentes com sua abordagem ainda que pareça anticlímax no final. 

Fantasmas do Passado (Master – EUA, 2022)
Direção: Mariama Diallo
Roteiro: Mariama Diallo
Elenco: Regina Hall, Zoe Renee, Julia Nightingale, Talia Ryder, Ella Hunt, Will Hochman, Amber Gray, Talia Balsam, Kara Young
Duração: 98 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais