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Crítica | Fate: A Saga Winx – 1ª Temporada

por Iann Jeliel
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Engraçado perceber que na guerra dos streamings, Fate: A Saga Winx se comporta como uma ação preventiva da Netflix a uma resposta presente/futura da concorrência que buscará competir com a febre de seriados incentivada pela empresa, com a serialização de suas grandes marcas. A Disney já começou com The Mandalorian e anunciou mais não sei quantas séries para explorar a rodo o universo de Star Wars. A Warner não está muito atrás e já confirmou que está produzindo séries para as suas grandes franquias. A Netflix, portanto, está tentando de agora criar suas marcas de força para que possa competir, nesse futuro, de igual para igual, mercadologicamente com esses nomes já consolidados. Dá para dizer nesse contexto que é essa adaptação em live-action do desenho ítalo-americano criado por Iginio Straffi se caracteriza como uma grande aposta de criação de franquia do streaming, ainda que como qualquer outra produção no mar mensal de novidades produzidas para preencher catálogo, inicie bastante comedida.

Um comedido bem estratégico, diga-se de passagem. A primeira temporada de Fate: A Saga Winx parece de certo modo até experimental em alguns aspectos de sua identidade. Ela começa partindo de um zero absoluto e não busca estabelecer nada em sua mitologia com concretude. Tudo precisa ser essencialmente descoberto ao longo da jornada, as origens, os poderes e detalhes das funcionalidades do mundo, tudo é um mistério, porque antes de contar é preciso saber se aquilo irá valer a pena para progredir a história naquele ponto, e se não valer, seu descarte eventual progredirá de qualquer forma.  Quando se olha o histórico do showrunner, Brian Young, essa estrutura econômica de trama faz todo o sentido. O roteirista dedicou boa parte de sua carreira escrevendo episódios de The Vampire Diaries, que basicamente sobrevivia porque sempre tinha uma inserção de um novo elemento no universo que antes nunca havia sido falado, mas dava ganchos de continuidade (ou não) para os personagens sempre irem para frente, independentemente se a trama seria ou não utilizada com relevância à história.

Essa estrutura se repete aqui, mas num curioso espectro de temporada fechada, diferente da série dos vampiros, que por ser de TV aberta precisava criar esses ciclos de testes basicamente de episódio a episódio. Portanto, Young já escolhe previamente os testes que quer para testar qual a identidade que marcará o projeto como franquia e os amarra aqui nesse ano um, de modo a parecer uma identidade em construção. E olha, não dá para negar que ele faz um bom trabalho nesse disfarce. Goste ou não, a proposta de Fate: A Saga Winx, apesar de não estabelecer nada de forma fixa, consegue ser muito coerente em todos os seis episódios, além de hábil como venda de franquia para os públicos que inicialmente ela quer conquistar. No caso, aqui é uma junção entre o adolescente millennial, fã do universo de J.K Rowling do início dos anos 2000, o adolescente brega fã de Crepúsculo – e de releituras afins – e o adolescente colegial oitentista revival, socialmente questionador de tudo, de 2015 para cá. E olha só se o universo das Winx não caiu como uma luva para promover essa mistura.

Primeiro que os preceitos base da história do desenho já são bastante inspirados em Harry Potter, desde as noções mais básicas como a escola para treinar bruxos fadas e o sotaque britânico dos personagens até as mais complexas ou mesmo problemáticas da franquia fílmica de J.K Rowling a meu ver, como a noção de tudo na história principal girar em torno do protagonismo exacerbado de Harry Potter Bloom (Abigail Cowen). Segundo que a personalidade de cada uma do grupo ou mesmo de seu respectivo casal, no original, traz material suficiente para suprir tanto os adolescentes bregas, que estão ali mais para ver gente bonita do que pela história e suas representações estereotipadas, como os socialmente atentos, que vão pensar primordialmente em qual comportamento aqueles estereótipos foram adaptados, assim gerando debate, naturais desconstruções narrativas ou mesmo uma identificação mais direta com o presente – como é a inserção de uma personagem gordinha que não tinha antes, ou a mudança geral para as outras não soarem patricinhas demais.

Pode perceber também que não há uma tentativa de modernização de uma identidade acima da outra. É de fato uma mistura que acaba funcionando pelo caráter bem didático do texto em separar os momentos para cada uma atuar, seja os de subversão de estereótipos, os momentos mais bregas – as cenas de festa especialmente, à la Elite – ou os que querem criar um senso de deslumbramento à fantasia – os melhores, por sinal, surpreendeu-me muito a qualidade dos efeitos visuais dada a limitação orçamentária e o gore presente para uma série de fantasia jovem. Acaba que esse didatismo foi uma saída correta para a coerência da mistura, não me incomoda que o roteiro fale diretamente com o público sobre qual mudança está fazendo em determinado estereótipo – tipo a Beatrix que é patricinha, vilã, mas inteligente, gosta de ler sobre história – ou quando traça um guia da narrativa, recapitulando as explicações que foram dadas até o momento e quais respostas ainda faltam, faz parte da intenção da estrutura em gerar um efeito de agrado ou desagrado da característica sobreposta ali como um teste. Meu único problema é quando isso toma o tempo daquilo que a priori deveria ser o foco, mesmo que como disfarce nesses vários testes, que é a construção delas como grupo.

Trecho COM SPOILERS

Cada uma parece estar vivendo em seu mundinho e na sua própria narrativa isoladamente, o que pela estrutura escolhida não traz essencialmente nenhum desenvolvimento prático a nenhuma delas. É apenas uma dramatização em cima do que está sendo descoberto. A relação tóxica de Stella (Hannah van der Westhuysen) já existia, o problema de sentir fortemente as emoções alheias dos outros já estava presente na vida de Musa (Elisha Applebaum), o drama de insegurança psicológica de Terra (Eliot Salt) idem, assim como Bloom não precisava ficar tão obcecada por descobrir seus verdadeiros pais porque ela foi bem cuidada pelos falsos, mas ela precisa ficar obcecada com isso para no caminho descobrir o quanto ela é especial, já que a trama não consegue não depender desse clichê. Detalhe: Aisha (Precious Mustapha) é a única ali que não ganha essa subtrama própria – e olha que até personagens masculinos ganham, como Sky (Danny Griffin). A personagem negra acaba sendo vinculada apenas a uma pedra no sapato de Bloom, mesmo que seja para ajudar. E o curioso é que as duas juntas funcionam, assim como Terra e Musa juntas funcionam, ou o conflito de Stela e Bloom com o triângulo amoroso com Sky (que tudo bem, não é tão bom assim) funciona para dar gatilhos dessa construção em equipe em que a narrativa nunca parece se interessar de verdade.

E o elenco tem química, não foi preciso muitas cenas com todas juntas, seja em atrito ou se ajudando, para dar energia à trama, mesmo que não tenha tido qualquer desenvolvimento para isso. No fim, acaba o último episódio como a única coisa de verdade estabelecida, elas são uma equipe, mas ao mesmo tempo em que isso rendeu os melhores momentos da série, também é seu ponto mais questionável porque não se sente uma organicidade da criação delas como equipe. E não foi por falta de tempo ou mesmo competência porque até duplas divergentes como Beatrix e Bloom têm suas dinâmicas bem construídas, foi realmente uma muleta que acreditava-se surgir naturalmente com a mistura feita de chamativos do público, dentro de uma honesta caracterização. Pelo menos, com isso estabelecido de verdade, fica o caminho aberto para ser explorado com as diversas possibilidades narrativas que foram implementadas na temporada, e tomara que tenha mais orçamento para produzir a fantasia raiz do desenho como foi mostrada na batalha final de Bloom com asas contra os Demogorgons queimados.

Fim dos SPOILERS

Fate: A Saga Winx é uma série promissora. Os testes apontaram ideias muito boas a serem exploradas para o futuro ou mesmo criação de uma franquia, e o entregue no presente é suficientemente competente, enxuto e organizado dentro de parâmetros de conquista massiva ao público-alvo para divertir facilmente aqueles dispostos à proposta.

Fate: A Saga Winx (Fate: The Winx Saga) – 1ª Temporada | EUA – Itália, 2021
Criação: Brian Young
Diretores: Lisa James Larsson, Hannah Quinn, Stephen Woolfenden
Roteiristas: Brian Young, Sarah Hooper, Niceole R. Levy, Iginio Straffi
Elenco: Abigail Cowen, Hannah van der Westhuysen, Precious Mustapha, Eliot Salt, Elisha Applebaum, Danny Griffin, Sadie Soverall, Freddie Thorp, Robert James-Collier, Eve Best, Theo Graham, Alex Macqueen
Duração: 6 episódios – 50 minutos em média cada episódio

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