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Crítica | Fátima

por Fernando Campos
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Qual barreira entre as pessoas é pior? Da língua ou da ideologia? Obviamente, se dois indivíduos não falam o mesmo idioma, eles não podem conversar, contudo, o que Fatima nos ensina é que a barreira ideológica pode ser tão dura quanto a linguística, uma vez que, como conviver com alguém que destoa totalmente da nossa visão de mundo?

O longa conta a história de Fatima (Soria Zeroual), uma mulher cria sozinha as duas filhas: Souad (Kenza Noah Aïche), de 15 anos; e Nesrine (Zita Hanrot), de 18 anos. Ela não fala bem francês, o que frustra sua comunicação com as filhas, mas ainda assim ambas são a razão para que ela siga em frente. Um dia, em seu emprego como empregada doméstica, ela cai de uma escada. Devido a isso, a mãe escreve em árabe tudo o que nunca conseguiu dizer às filhas em francês.

Na primeira cena do filme, vemos juntas no quadro Fatima e Nesrine, mãe e filha, e o diretor Philippe Faucon inteligentemente as coloca em lados oposto da tela, enquanto uma possui o foco e a outra está levemente desfocada. Apesar de breve, o momento é perfeito para preparar o público para o que viria com o decorrer do filme: uma história sobre as divergências entre mãe e filha, além de comprovar a direção precisa de Faucon.

O longa destaca como essas diferenças familiares têm um enorme peso religioso, uma vez que, enquanto Fatima cresceu no Oriente Médio com enorme interferência do islamismo, suas filhas desenvolveram-se na França, sob influência da cultura ocidental. Visando reforçar essas discrepâncias, Faucon utiliza de forma eficiente o figurino, mostrando Fatima vestido seu tradicional hidjab (véu que cobre os cabelos e o colo), enquanto Souad traja roupas modernas, decotadas e justas; aliás, há uma cena em que as duas arrumam-se ao mesmo tempo, reforçando como vivem realidades diferentes.

Mas o que realmente potencializa as diferenças entre elas são diversos diálogos extremamente impactantes do roteiro, escrito a quatro mãos por Philippe Faucon, Mustapha Kharmoudi, Aziza Boudjellal e Yasmina Nini-Faucon, onde, não apenas as dificuldades de Fatima por sua falta de conhecimento são destacadas, como a resistência das filhas em seguirem as ordens da mãe por considerá-la ignorante ficam evidentes em falas pesadas como “você é uma jumenta, um buraco”, sendo uma representação de como os filhos tendem a desrespeitar os pais quando crescem e adquirem escolaridade maior que a de seus progenitores. Aliás, a carta escrita pela protagonista evoca toda sua tristeza pelo menosprezo que outras pessoas demonstram por ela, desabafando “grito cada vez mais alto contra as mulheres do mundo, contra minha filha”, algo também destacado pela direção de Fauco que em determinadas cenas mantém apenas Fatima focada e todo o entorno desfocado, como na cena da reunião de pais e professores, ressaltando como ela sente-se isolada em uma sociedade cada vez mais dinâmica, inclusive comentando “é outro mundo, não estou dentro dele”.

Pena que Soria Zeroual nem sempre consegue corresponder à intensidade de alguns momentos. Faltam camadas na composição da atriz, convencendo como mãe esforçada e ingênua, mas pecando em cenas que pedem uma carga dramática maior, principalmente nas que envolvem discussões. Os elogios ficam para Zita Hanrot e Kenza Noah Aïche, que transmitem bem os conflitos internos de suas personagens, o desejo delas de conhecer o mundo, mas ainda sentindo o peso da educação fundamentalista que receberam.

Infelizmente, a boa utilização dos elementos técnicos e diálogos marcantes não resultam em uma narrativa bem construída. O longa oscila na importância que deposita nas protagonistas; no início o foco está no convívio entre Fatima e Souad, até que na metade final a garota é deixada de lado e as atenções se voltam para a relação de Nesrine com a mãe. Sem contar que o pai das jovens é pessimamente utilizado pela obra; no primeiro ato é transmitida a sensação de que ele terá importância na história, mas depois é simplesmente descartado, aparecendo apenas para dar algum conselho pontual. Além disso, há uma tentativa de inserir certa tensão entre Nesrine a as vizinhas de sua mãe, mas que em nenhum momento é realmente explorada, soando algo desnecessário.

Porém, para compensar essas falhas, o roteiro traz críticas inteligentes e pertinentes sobre a maneira como a sociedade francesa trata seus imigrantes, ficando explícito no final do longa, quando a protagonista expressa em sua carta a dificuldade de trabalhar o dia todo para manter a casa dos franceses limpa para que eles possam receber seus amigos no fim do dia, no entanto, quando o encerramento do expediente chega, seu segundo turno começa, ou seja, cuidar da casa, das filhas, cozinhar, abrindo mão de cuidar de si mesma.

Tenho dúvidas se Fatima realmente merecia vencer a categoria de melhor filme no 41º César, uma vez que, naquela mesma seleção haviam obras mais interessantes, como De Cabeça Erguida, por exemplo. No entanto, é inegável que o filme aborda questões extremamente pertinentes, como a forma como imigrantes são vistos pela sociedade ou o confronto de ideologias diferentes, além de possuir uma representatividade fundamental nos dias de hoje.

Fatima — França/Canadá, 2015
Direção: Philippe Faucon
Roteiro: Philippe Faucon, Mustapha Kharmoudi, Aziza Boudjellal, Yasmina Nini-Faucon (baseado na obra de Fatima Elayoubi)
Elenco: Soria Zeroual, Zita Hanrot, Kenza Noah Aïche, Chawki Amari, Dalila Bencherif, Edith Saulnier
Duração: 79 minutos

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