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Crítica | Fazendo Fita

por Gabriel Carvalho
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“Imagine o seu bom e velho pai morrendo de fome.”

“Quem é aquela?”, pergunta Penny Pepper (Marion Davies) ao ver uma mulher famosa andando pelos estúdios de Hollywood. Oriunda do coração desse projeto, a graça é que a celebridade é justamente a própria Marion Davies, enxergando a si e morrendo de inveja. Hollywood sempre gostou de brincar consigo mesma, e Fazendo Fita deve ser um dos exercícios mais genuínos e paralelamente sagazes que a clássica indústria norte-americana já originou em seu período mudo. King Vidor assume as rédeas do texto de Wanda Tuchock e Ralph Spence, engrandecendo-o com a jornada de ascensão de Penny Pepper, uma atriz de comédia querendo ser atriz de drama. No meio dos dois reside um outro gênero, o romance. Se Nasce Uma Estrela fosse mudo e inocente…

“Isso que é arte real!”, aponta uma das legendas referentes à reação de Penny a um drama projetado no cinema, enquanto a mulher é acompanhada pelo seu parceiro de cena, Billy Boone (William Haines). De quem é a obra exibida nas telas? Justamente de King Vidor, que tem seu nome estampado nas telas de seu próprio filme por muito mais tempo do que os créditos iniciais. O cineasta ainda retorna na última cena, interpretando a si mesmo como responsável por um projeto de guerra. Apesar da constante reclamação da comédia, considerada um cinema menor por Pepper e outros personagens, Fazendo Fita usa dessas “críticas” para, no final das contas, encontrar o engrandecimento da arte. Durante o cameo de Charlie Chaplin, também desmaiamos.

Fazendo Fita é o reconhecimento da comédia. Enquanto Chaplin tenta se apresentar para Pepper, por exemplo, a garota o ignora, apenas deslumbrando-se ao reconhecer o mestre que esteve ao seu lado. O mundo dos dramas, dos artistas de pompa, é a verdadeira piada e King Vidor sabe muitíssimo como construir esse contraste. Quando Penny Pepper consegue enfim tornar-se uma atriz dramática, os seus trejeitos mudam completamente. Equivocado, porém, é o texto por não acompanhar essa transformação, optando por uma elipse ordinária que não é suficiente para convencer o espectador do que acontecera. O seu antigo amor, a comédia e um comediante, é substituído por um galã charmoso. Mas ainda possuímos a zombaria da gala como norte narrativo.

Mesmo assim, a desestruturação do romance não traja a naturalidade necessária. O que sobra, por um outro caminho de condução dramática, são as memórias passadas, vividas por Pepper e Boone, rindo e se amando. William Haines é encantador, enquanto sustenta-se na vulgaridade de um arte que se presta a tortas na cara e esguicho de água à vontade. E por que não? Mostre as pessoas que elas podem rir e ainda viver a arte mais fina possível, apaixonante e emocionante. Vidor é tão esperto que permite a posterior restruturação do romance se compensar ao passo que repete cenas passadas por meio de um flashback pontual. Já o roteiro retoma a forma ao optar por um retorno às origens do casal em uma das sequências. A comédia também pode ser poesia pura.

Uma passagem do longa é exemplar a essa metamorfose entre gêneros. Ordenada por um excêntrico diretor, esperneando intensamente, a chorar em frente a uma câmera, Pepper não consegue emitir uma única lágrima sequer. Ao pensar em seu pai morto de fome, como o personagem do cineasta quisera, Penny então começa a rir histericamente. É mais tarde que chora ao pensar no amor que continuou na comédia, enquanto sua carreira cresceu em direção a uma outra estrada. Uma questão na conclusão termina em aberto, consequentemente gratuita, no entanto, o romance segura as pontas. Eis um dos gêneros que consegue melhor cambiar entre o drama e a comédia, como Marion Davies em si, amando e rindo em um dos seus grandes papéis.

Fazendo Fita (Show People) – EUA, 1928
Direção: King Vidor
Roteiro: Wanda Tuchock, Ralph Spence
Elenco: Marion Davies, William Haines, Dell Henderson, Paul Ralli, Tenen Holtz, Harry Gribbon, Sidney Bracey, Polly Moran, Albert Conti, John Gilbert, Charlie Chaplin, Renée Adorée, King Vidor
Duração: 83 min.

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