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Crítica | Fear the Walking Dead – 6X04: The Key

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leia, aqui, as críticas de todos os episódios da série e, aqui, de todo nosso material do universo The Walking Dead.

Já havia ficado claro que se não todos, pelo menos grande parte dos episódios da primeira metade da 6ª temporada de Fear the Walking Dead seriam dedicados a reapresentar os personagens da série, agora sob o jugo de Virginia e seu ainda pouco claro sonho de um mundo melhor e eu já havia me resignado com isso. O primeiro ressuscitou Morgan, o segundo focou em Strand e Alicia, o terceiro em Al e Dwight e, agora, é chegada a vez do pistoleiro de bom coração John Dorie, com micro doses de Strand, do rabino Jacob, cuja existência eu até já havia esquecido e, bem no finalzinho, de sua amada June. No entanto, apesar de obviamente estar psicologicamente preparado para essa “trapaça” narrativa de Andrew Chambliss e Ian Goldberg, confesso que o artifício já deu o que tinha que dar e a história como um todo poderia realmente avançar e deixar as reintroduções de lado, até porque elas não estão fazendo muito para me convencer sobre a vilania de Virginia…

Por outro lado, os showrunners não erraram de verdade até agora e estão conseguindo manter um bom equilíbrio em todos os episódios. Ainda é muito cedo para comemorar, já que estamos ainda na metade da primeira metade da temporada, mas é bom perceber que os roteiros têm sabido manter-se, todos eles, pelo menos bons, efetivamente agradáveis de se ver. Falando em agradável, qualquer episódio focado em Garret Dillahunt merece atenção. Ator subestimado, ele reúne carisma e profundidade dramática suficientes para constantemente surpreender em como ele consegue mergulhar em seus personagens e seu John Dorie é um dos melhores da “safra recente” de nomes de relevo do soft reboot da série. Seu cotidiano idílico em Lawton é uma boa introdução clássica para vindouros problemas, para a evidente podridão que se esconde uma camada abaixo do verniz de paraíso que a cidadezinha tem nas paredes brancas de suas casas, nos sorrisos de seus habitantes e no constante sol iluminando o caminho diário de John até seu trabalho como policial/vigia, sempre substituindo Cameron (Noah Khyle) no casamata de vigilância parte do sistema de proteção do local.

Quando Cameron aparece morto logo depois que John, lendo sua carta para June, afirma que a cidade não vê mortes há mais de 200 dias, o ex-policial parte para investigar o ocorrido, recusando-se a aceitar uma mera “morte acidental por zumbis em razão de bebedeira” que Virginia oferece para ele de bandeja. Por um momento, achei que The Key seria um potencialmente muito interessante whodunit investigativo à la Agatha Christie em pleno zumbiverso, quase que um episódio completamente independente e experimental que esquecesse o apocalipse ao redor e lidasse com as relações humanas. Mas essa minha esperança não demorou a ir por água abaixo quando ficou evidente que Virginia tinha interesse em não remexer muito na morte de Cameron, algo desnecessariamente reiterado por sua irmã Dakota e, depois, tendo Janis (Holly Curran) como um bode expiatório apressadíssimo. Em outras palavras, estragaram o potencial que o episódio tinha para sublinhar a suposta maldade de Virginia – novamente, ainda preciso ser convencido de toda sua pretensa super-vilania, pois o que vi até agora não passa de uma mulher insuportavelmente chata que não é particularmente nada, nem inteligente, nem maquiavélica, nem ameaçadora… – e para colocar em xeque a moral ilibada de John Dorie.

Esse segundo objetivo do episódio – a discussão sobre a moralidade de John -, porém, merece destaque e é, juntamente com a atuação de Dillahunt, o que retira The Key do padrão da temporada, colocando-o um degrau acima. Diferente da abordagem sobre o tema feito em Welcome to the Club, já que lá o personagem sujeito da análise era o canalha de marca maior Strand, de quem nada podemos esperar de realmente bom que não sejam lampejos aqui e ali de um senso qualquer de fidelidade, aqui o roteiro de David Johnson tem ninguém menos do que John Dorie como o foco do experimento. O personagem, desde sua introdução em What’s Your Story?, foi desenvolvido como um homem de moral ilibada, incorruptível, fiel a seus amigos e, mais ainda, apaixonado perdidamente por June, capaz de fazer o que fosse necessário para salvá-la. A maldade de The Key é, justamente, derrubar essa percepção ou, no mínimo relativizá-la.

Enquanto acompanhamos John Dorie, o detetive, duvidando da morte acidental de Cameron, da confissão do nada de Janis e planejando libertar a moça da prisão, compreendemos perfeitamente o personagem. É o que esperamos dele, afinal de contas. Mas os eventos finais, em que a terrível execução da jovem é adiantada de forma a frustrar seus planos – certamente houve dedo de Strand e do rabino ali – e ele é convencido por seus amigos a “deixar tudo para trás” e moldar-se ao que Lawton quer e precisa, sacodem completamente o que sabemos dele, algo que culmina com sua premiação com a chavinha dourada e o status de ranger e, claro, o suborno final: o retorno de June. Não mencionei que John Dorie seria capaz de fazer o que fosse preciso para salvar o amor de sua vida? Pois bem, isso aparentemente inclui deixar barato o assassinato de dois jovens apaixonados que só queriam fugir da tirania de Virginia. O pistoleiro de bom coração foi-se aqui e ele sabe disso a ponto de arrancar seu dente dolorido com alicate como forma de imolar-se. Ver Dillahunt passar por esse turbilhão emocional é um grande presente que a direção de Ron Underwood sabe usar muito bem e que, espero, possamos ver novamente em algum momento no futuro.

Paralelamente aos eventos principais e, de certa forma, atrapalhando-os – tenho para mim que a narrativa de John funcionaria melhor se fosse a única do episódio – vemos Morgan procurando Grace e “esbarrando” naquela dupla que estava pichando “The End is the Beginning” no submarino do episódio que leva esse nome. Aparentemente, Emile trabalha de alguma forma com eles e a chave que Morgan agora carrega ao redor do pescoço é extremamente importante para alguma coisa não relacionada com Virginia. Esse é mais um daqueles mistérios que me deixam com o pé atrás, pois FTWD já teve vários deles e a maioria desapontadores. Veremos como isso vai andar, mas, pelo menos, agora ficou realmente claro que esse novo Morgan é novo mesmo, já que ele não mais hesita em matar quem quer que seja.

The Key poderia ter sido uma obra-prima, mas contentou-se em ser apenas muito bom, o que, lógico, já é algo a ser comemorado na claudicante série derivada que um dia foi um prelúdio de “início de apocalipse” de The Walking Dead. Tomara que o artifício de “olha só o que aconteceu com o personagem tal” tenha chegado a um fim e que, agora, a narrativa possa caminhar efetivamente para a frente.

Fear the Walking Dead – 6X04: The Key (EUA, 1º de novembro de 2020)
Showrunner: Andrew Chambliss, Ian Goldberg
Direção: Ron Underwood
Roteiro: David Johnson
Elenco: Lennie James, Alycia Debnam-Carey, Maggie Grace, Colman Domingo, Danay García, Garret Dillahunt, Austin Amelio, Alexa Nisenson, Rubén Blades, Karen David, Jenna Elfman, Colby Minifie, Demetrius Grosse, Michael Abbott Jr., Zoe Margaret Colletti, Devyn A. Tyler, Christine Evangelista, Peter Jacobson, Noah Khyle, Holly Curran
Duração: 51 min.

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