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Crítica | Feios, Sujos e Malvados

Uma tragicomédia burlesca demais.

por César Barzine
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Não é algo frequente no cinema haver filmes que exponham os pobres sob um viés trágico na individualidade deles próprios. Isto é, não mirar no contexto em que eles vivem ou apenas em uma figura específica, mas sim na soma de indivíduos dentro de um espectro de subjetividade que habita em cada um deles. O que se vê por aí é, ou um ataque às elites (classe média ou alta), ou um foco no ser humano por completo, como uma figura que abarca toda a humanidade. Aos privilegiados são muitos os retratos de um indivíduo ou grupo de mesquinhos, com vidas vazias ou algum desvio de caráter; já aos desfavorecidos, resta o olhar romântico, benigno e de denúncia. Feios, Sujos e Malvados, como o título sugere, busca romper com isso, e nos apresenta uma representação burlesca do que mais sórdido possa existir entre os desprivilegiados.

Se é a pobreza que define os personagens, acaba sendo o desejo pela riqueza que cria o motor narrativo entre eles. Giacinto Mazzatella é um pai de família que ganhou na loteria e agora é alvo da ganância de seus próprios familiares — uma família enorme predominantemente adulta que vive sob o teto do patriarca. Muitos deles querem roubar o seu dinheiro, que, consciente das pessoas hostis com quem vive, esconde a grana e se mantém paranoico. Para além da ganância e da família-protagonista, o filme captura o macrocosmo de uma classe trabalhadora mais miserável por dentro do que por fora, que vive quase como animais, se portando somente por instintos que os mantêm longe do rigor moral e das convenções que formam uma civilização.

Diante de tudo isso, o título Feios, Sujos e Malvados não poderia ser melhor. O longa é sobre a degradação de um grupo social; degradação civil, moral, estética e humana. Criminalidade, prostituição, egoísmo e desrespeito a tudo e a todos compõem aquela comunidade. Em meio a todos esses problemas, uma primeira consideração que algum espectador pode fazer é mirar em questões puramente sociais cuja única responsabilidade é das condições materiais de vida. Trata-se de colocar a culpa somente nas instituições e oferecer uma visão impessoal de tal conjuntura, sem espaço para a subjetividade como agente social. Mas Ettore Scola indica o oposto, e coloca seus personagens como figuras ativas deste cenário, inserindo a questão ética no social. Aqui, a denúncia não está no estado de coisas a qual a população se encontra, mas na própria natureza dessa população em si. A ação primária é o foco do filme em detrimento de suas consequências.

Ao recusar a abstração de respostas com questões que vêm “de fora para dentro”, Scola internaliza a problemática dentro do mundo prático de seus personagens. Desta forma, vemos que há uma generalizada falta de apreço pelo próximo que, estranhamente, “humaniza” aquelas pessoas, mesmo que isso seja feito de uma maneira completamente tosca e sem maior complexidade. O filme não os humaniza para que tenhamos menos desprezo por eles ou para terem maior densidade, mas sim para não terem um estigma de criaturas passivas que fazem o que fazem apenas por carências sociais. Não há paz na periferia onde aqueles sujeitos vivem, o aspecto de degradação é onipresente, asfixiante e, por isso mesmo, não há normas básicas de convívio, o que vai muito além da delinquência e afins, acompanhando também a mínima harmonia que deveria haver nos laços sociais.

Percebemos a real natureza no comportamento daquele grupo através da forma condescendente que suas ações marginais se dão. Ao cometer furtos, os jovens não apenas cometem um crime, mas debocham das vítimas e parecem se divertir; ao falar da sua condição de prostituta, uma moça caçoa do corpo da outra. Essas pessoas não apenas praticam tais medidas, elas também estão em arranjo com elas. Assim vemos que Scola está consciente de quem são os grandes responsáveis pela condução de seus personagens. No entanto, todo esse subtexto, apesar de atraente e corajoso, não é capaz de carregar a obra, sendo acompanhado por uma abordagem cômica que afasta o espectador, tornando a experiência do longa bastante incômoda.

Essa abordagem cômica é algo convidativo a Feios, Sujos e Malvados, que, apesar de partir de um ponto de vista trágico, poderia se encaixar tranquilamente na unidade do filme, estabelecendo uma narrativa ácida que transforma a desgraça em uma tragicomédia. Porém, Scola se perde em seu excesso, e aqui tudo soa com uma gritante execução desengonçada, algo fora do tom que é excessivo a todo momento. Falta equilíbrio na direção, fazendo com que a produção soe extremamente cartunesca. Os personagens são muito exaltados, os ambientes são uma movimentação ininterrupta, o tom cômico é forçado e a crítica social não se manifesta de uma forma com a qual podemos encará-la com alguma seriedade. Apesar do filme aspirar esta seriedade em seu subtexto, este ponto acaba soando distante demais, impedindo a plena digestão da crítica social.

As tramas que se discorrem são desinteressantes, as interpretações estão próximas de causarem antipatia, e não há nada de complexo ou positivo a ser apontado no desenvolvimento de personagens daquela família. No final das contas, Feios, Sujos e Malvados parece realmente se resumir a uma obra para não ser levada a sério. Suas reflexões são ofuscadas pelo tratamento recebido, fazendo com que, neste trabalho tragicômico, o lado cômico se sobressaia ao trágico, que, devido ao completo exagero, faz com que não saia ganhando nem um lado e nem o outro. Scola não soube sintetizar esses dois elementos, e o resultado é uma experiência enfadonha com uma boa premissa. 

Feios, Sujos e Malvados (Brutti, Sporchi e Cattivi) — Itália, 1976
Direção: Ettore Scola
Roteiro: Ruggero Maccari, Ettore Scola, Sergio Citti (diálogos)
Elenco: Alfredo D’Ippolito, Beryl Cunningham, Ettore Garofolo, Francesco Anniballi, Franco Merli, Giancarlo Fanelli, Giselda Castrini, Giuseppe Paravati, Linda Moretti, Luciano Pagliuca, Marcella Michelangeli, Marco Marsili, Maria Bosco, Maria Luisa Santella, Marina Fasoli, Nino Manfredi, Silvana Priori
Duração: 113 minutos.

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