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Crítica | Ferdinando, o Touro (Curta de 1938)

por Gabriel Carvalho
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Antes mesmo de ser mundialmente conhecida pelos seus longas-metragens de animação, a Walt Disney Productions, nome adotado até 1985 da empresa hoje conhecida como Walt Disney Animation Studios, era extremamente famosa e prestigiada pelos seus curtas animados. Das 22 estatuetas de Walt Disney, 12 foram conquistadas na categoria de Melhor Curta Metragem de Animação, começou na quinta edição do Oscar, garantindo até o 12º evento da premiação uma sequência imbatível de vitórias. Dentre todas essas conquistas sequenciais (antes da quebra de invencibilidade ser alcançada por Milk Way, de Fred Quimby e Rudolph Ising), apenas uma não foi lançada sobre o selo Silly Symphonies: Ferdinando, o Touro – ou Ferdinand, the Bull, no original em inglês. A adorável história do ainda mais adorável touro que não se importava nem um pouco com algo além de suas flores conquistaria o mundo

Baseando-se no livro infantil The Story of Ferdinand, escrito pelo autor americano Munro Leaf, Walt Disney produziria um conto encantador, simples, mas verdadeiramente apaixonante, com uma narrativa remetente ao contar de histórias clássico. Isso se dá pois, durante os sete minutos de duração do curta, Don Wilson narra a plenitude do cotidiano de Ferdinando, um touro diferente de qualquer outro, desinteressado em correr, pular e bater a cabeça na de outros touros. Seu interesse maior é contemplar, passar dias a fio cheirando suas flores. Com um texto ritmado, é muito complicado não se deixar levar pela animação leve que é transposta por traços tradicionais. Todos os touros ilustrados no filme são muito bem feitos e definitivamente não temos o que reclamar do design escolhido para os animais. O que eles fazem com o próprio Ferdinando também é sensacional, transmitindo exatamente toda a satisfação do personagem em sentir o aroma das flores, em uma animação que sabe extrair de seu protagonista os sentimentos desejados, com os animadores utilizando os movimentos corporais e as expressões faciais muito bem para alcançar suas intenções.

A maior mudança de paradigmas que temos no olhar em relação ao aclamado curta ocorre quando percebemos que a narração e a animação são mais independentes do que deveriam ser. No caso, o texto não encontra uma conexão profunda com a obra a ponto de sentirmos uma perfeita “química” entre eles. Portanto, o que passa por entendido é que a narração de Wilson não foi feita para casar integralmente com a obra, mas apenas para dar ao filme o caráter de leitura de um livro infantil procurado pelos realizadores. Felizmente, os curtas da Disney ainda iriam aperfeiçoar a estrutura mais para frente e garantiriam produções mais arrojadas, na qual tanto a imagem quanto a narração pareceriam (ou teriam sido de fato) ter sido pensadas ao mesmo tempo. Além disso, uma situação que não encontra justificativa narrativa é a fala de Ferdinando criança (Milt Kahl). O personagem tem uma única linha de diálogo com a sua mãe – voz de Walt Disney, hilária por razões óbvias – mas depois, quando cresce, não recebe mais nada para dizer. Seria melhor ter permanecido com o personagem mudo, sem fala, apenas contemplando a calmaria debaixo do sobreiro.

Por outro lado, Ferdinando, o Touro carrega uma mensagem forte, clássica do estúdio, sobre individualidade. Mesmo os, presumidamente, mais temíveis touros não precisam se submeter aos discursos que outros apontam a eles. Apenas você decide quem você vai ser. É algo parecido com o que a Disney fez em mais uma de suas empreitadas nessa temática, com Detona Ralph. Definitivamente não é um assunto que perde a demanda. Ferdinando decidiu ficar cheirando flores, e não há absolutamente nada errado nisto, embora o mundo esperasse que o personagem fosse ferozmente atacar a todos. Quando o touro senta numa abelha e esbraveja toda a sua “dor”, enfurecendo-se e acabando sendo exibido por si mesmo como um ser que ele não é, as consequências acabam o colocando em um arena que não lhe pertence. Diferente de muitos, Ferdinando não deixa se submeter pelo que querem que ele seja, sem se auto caracterizar por uma única atitude sua. O personagem permanece pleno, sem nada a atacar ou agredir, retornando enfim, para desgraça do Matador (que, ironicamente, comporta-se como a besta que Ferdinando seria em teoria), para suas antigas bandas. Até onde sabemos ele ainda está lá sentado, embaixo de seu sobreiro favorito, cheirando as flores.

Ferdinando, o Touro (Ferdinand, the Bull) – EUA, 1938
Direção: Dick Rickard
Roteiro: Robert Lawson, Vernon Stallings (baseado no livro de Munro Leaf)
Elenco: Don Wilson, Walt Disney, Milt Kahl 
Duração: 7 min. 

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