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Crítica | Fogo contra Fogo 2 (Heat 2), de Michael Mann e Meg Gardiner

Michael Mann retornando à sua obra-prima.

por Ritter Fan
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Fogo contra Fogo, filme escrito e dirigido por Michael Mann, é notável por diversos fatores, seja a complexa, cuidadosa e deliciosamente lenta construção de seus personagens principais nos dois lados de um conflito épico de “polícia e ladrão”, seja a inesquecível, furiosa e violenta sequência de ação no centro da cidade de Los Angeles, seja pelo fato de o longa marcar a primeira vez que os gigantes Al Pacino e Robert De Niro contracenaram – em O Poderoso Chefão II seus personagens estão em épocas diferentes -, na História do Cinema. É, para todos os efeitos, uma obra-prima cinematográfica que marcou a carreira do diretor e de seu elenco que ainda conta com Jon Voight, Val Kilmer, Tom Sizemore e Ashley Judd, dentre outros, e, tenho certeza, qualquer um que conferir essa já clássica obra. Foi por isso que, quando soube que Mann estava escrevendo a continuação do longa de 1995 para publicar na forma de um romance, não tive a menor dúvida de começar a lê-lo no dia de seu lançamento.

Considerando que este é o primeiro romance de Mann, ele acertadamente buscou ajuda de Meg Gardiner, em regime de co-autoria, para escrever sua ambiciosa sequência que é também um prelúdio. Gardiner já conta com diversos romances publicados e, muito provavelmente, foi a verdadeira responsável por organizar o material que Mann certamente já tinha desde a época do filme sobre o passado dos personagens principais e, possivelmente, até mesmo sobre uma continuação cinematográfica que nunca chegou a ocorrer, imprimindo um estilo sofisticado ao texto que conversa muito bem com o impecável roteiro noventista de seu co-autor.

Como é impossível falar do livro sem abordar o que aconteceu no filme, daqui em diante haverá spoilers somente do filme, não do romance. Estejam avisados!

O livro, que ganhou o singelo título em inglês Heat 2: A Novel, contém uma informação importante logo na capa: os anos 1988 e 2000 ladeando o número “2” garrafal que, claro, deixa claro, na largada, que os eventos relatados no romance tanto antecedem quanto sucedem o longa-metragem que se passa no ano de sua produção mesmo, ou seja, 1995, que podemos chamar de ano base. Há o cuidado por parte de Mann e Gardiner de começar a história com um resumo dos eventos do filme, pois eles são realmente importantes para a compreensão exata da dimensão que os autores querem dar ao romance. Além disso, por se passar em dois períodos diferentes – três se contarmos a convergência final como um terceiro período – a obra ganha maior complexidade e amplitude ao ponto de eu conseguir muito facilmente imaginar uma minissérie (ou até uma série) para adaptá-la ao audiovisual.

Estruturalmente, o romance intercala prelúdio e continuação de maneira muito claramente dividida, mas sempre mantendo um ótimo ritmo, sem a menor pressa em indicar ao leitor como é que as pontas soltas se encontrarão lá na frente, no “terceiro período” que mencionei acima. Mas, mesmo fazendo isso, o que diferencia consideravelmente o livro do filme, é interessante como Mann fez absoluta questão de criar situações que conversam narrativa e tonalmente com os eventos do longa, o que, por outro lado, pode ser visto por muitos leitores como falta de originalidade. Particularmente, eu gosto do paralelismo que é criado, pois ele funciona para tornar as duas obras verdadeiras irmãs, uma capaz de “completar” o pensamento da outra, por assim dizer.

Portanto, no lado da continuação, o romance conta o que aconteceu com os personagens sobreviventes imediatamente após o final do filme. Aprendemos um pouco sobre a continuação da caçada do detetive Vincent Hanna (Al Pacino) a qualquer um com alguma ligação com Neil McCauley (Robert De Niro), como Nate (Jon Voight) e Eady (Amy Brenneman), mas o destaque fica mesmo com a fuga de Chris Shiherlis, personagem vivido por Val Kilmer que é o único membro da gangue de ladrões de que sobrevive. A história dele, até o ponto de convergência bem no final do romance, é quase que completamente apartada, com o personagem beneficiando-se de uma progressão temporal que mostra sua evolução em sua nova posição em local bem distante de seu centro de operações usual. Há uma riqueza muito grande na história dele – que, vale dizer, inclui seu passado, notadamente como ele conheceu Charlene (Ahsley Judd), o amor de sua vida – ao ponto de ele talvez merecer um romance exclusivo, com mais detalhes sobre os anos que passa fora dos EUA.

No lado do prelúdio, acompanhamos a gangue de McCauley nos “finalmentes” de um roubo em Chicago que inadvertidamente os leva a um segundo e muito mais perigoso e ambicioso roubo na fronteira com o México e que o romance acompanha em detalhes, aproveitando a oportunidade para desenvolver o passado do estoico McCauley. Da mesma forma, acompanhamos Vincent Hanna nesse mesmo passado, também lotado em Chicago, investigando obsessivamente uma violenta gangue que assalta, violenta e mata vítimas ricas em bairros nobres da cidade. Curiosamente, apesar de acabarmos naturalmente aprendendo mais sobre Hanna, Mann e Gardiner não oferece o mesmo tipo de riqueza de detalhes que eles oferecem em relação à McCauley, o que considero uma oportunidade perdida.

Como disse, todas essas histórias convergem, mas como elas convergem o leitor só descobre muito para a frente na sempre interessante e tensa leitura. A intercalação de passado e presente (em relação ao filme, claro, avançando até o ano 2000) funciona muito bem para criar pequenos cliffhangers que torna irresistível continuar lendo, mas sem que os co-autores facilitem muito o trabalho com capítulos curtos como é comum hoje em dia, quase que como se todos os leitores tivesse déficit de atenção. Muito ao contrário, há bastante substância na história e uma estrutura geral que não tem pressa, pelo menos não até o momento climático final.

Mantendo minha análise livre de spoilers como prometido, meu maior problema com o livro está mesmo nesse final, pois as linhas narrativas até então muito bem desenvolvidas só realmente conseguem convergir em razão de um único encontro completamente ao acaso em uma lanchonete em plena cidade de Los Angeles que, como todo mundo sabe, é gigantesca. Incomodou-me que um romance tão bem costurado precisasse depender de algo tão aleatório assim para realmente funcionar, enquanto certamente deveria haver uma pletora de alternativas. E o que mais irrita é que todos os outros elementos funcionam muito bem, sem falhas de lógica e sem caminhos fáceis a serem seguidos, tornando a coincidência ainda mais saliente. Claro que não é o fim do mundo, mas Mann e Gardiner poderiam ter evitado essa “saída pela direita”.

Mesmo não sendo perfeito como o roteiro do longa de 1995, Heat 2 (ou Fogo contra Fogo 2, como eu resolvi batizar por razões óbvias, já que o título brasileiro oficial não havia sido informado até o dia de publicação da crítica) funciona muito bem tanto como prelúdio quanto como continuação e fica a esperança de que um dia – com algumas correções necessárias – ele seja adaptado para o audiovisual. Sim, o elenco maravilhoso original terá que ser integralmente reescalado, mas esse é um preço pequeno para ver Vincent Hanna, Neil McCauley e Chris Shiherlis novamente nas telas.   

Fogo contra Fogo 2 (Heat 2: A Novel, EUA – 2022)
Autoria: Michael Mann, Meg Gardiner
Data original de publicação: 09 de agosto de 2022
Editora original: Editora William Morrow and Company
Data de publicação no Brasil: anunciada para novembro
Páginas: 480

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