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Crítica | For All Mankind – 3X06: New Eden

Não pergunte, não conte.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

A homossexualidade ou, melhor dizendo, o preconceito contra homossexuais, é um assunto que sempre ficou como pano de fundo em For All Mankind, tendo a astronauta – que agora é presidente dos EUA – Ellen Wilson como a “representante” do assunto, com ela tendo conseguido chegar aonde chegou porque decidiu enterrar profundamente sua orientação sexual. Era inevitável, porém, que alguma hora os showrunners Ronald D. Moore, Matt Wolpert e Ben Nedivi encarariam a questão de frente e essa hora chegou em New Eden.

E a forma como o roteiro de Stephanie Shannon lida com o assunto é surpreendente por não seguir o caminho mais óbvio, ou seja, começando justamente por Ellen em eventual escândalo que espelhasse o de Bill Clinton com Monica Lewinski só que em proporções infinitamente maiores. Muito ao contrário, o texto começa da maneira mais improvável e, em um primeiro relance, estranha, ao fazer com que o militar e astronauta americano da NASA Will Tyler (Robert Bailey Jr.) saísse do armário em transmissão direta de Marte. Digo que foi de maneira improvável e estranha porque Tyler não era, até esse ponto da série, um personagem propriamente dito, mas sim não muito mais do que um figurante, ou seja, alguém sem passado ou presente que conhecíamos e cuja revelação bombástica em tese não deveria ecoar bem pela sua unidimensionalidade.

Mas é justamente por isso que, ruminando sobre o episódio, concluí que a escolha foi absolutamente brilhante. Se a narrativa sobre o preconceito contra homossexuais começasse a partir da presidente dos EUA, a trama arriscaria perder de vista a exploração do Planeta Vermelho pela Sojourner e pela Phoenix, pois exigiria grande foco nos núcleos de personagens na Terra. Ao criar um “escândalo” que podemos chamar de galáctico, o peso dado a Marte passa a ser o mesmo dado à Terra, mantendo o equilíbrio necessário para que os personagens novos e antigos mantivessem seu destaque. Além disso, e talvez mais importante, a decisão de Will Tyler não é relevante porque ela vem de Will Tyler ou de qualquer outro personagem da série, mas sim porque ela é uma decisão crucial por si só, conhecendo a fundo ou não o personagem. Revelar-se como homossexual (ou, sendo bem sincero, qualquer outra coisa que não seja heterossexual)  mesmo hoje em dia gera ataques histéricos em redes sociais, com países inteiros ainda proibindo, prendendo e matando pessoas de outras orientações sexuais, imagine no caso de um astronauta da NASA que está dentre os primeiros a pisar em um planeta desconhecido?

Afinal, se o gatilho para a transformação de For All Mankind foi a chegada dos soviéticos na Lua em primeiro lugar, levando a desenvolvimentos científicos, políticos e sociais consideravelmente diferentes dos que passamos, uma coisa esse universo paralelo não andou para frente, a questão da aceitação de orientações sexuais diferentes da considerada “normal”. O efeito da declaração de Tyler é imediato e devastador e com potenciais consequências dramáticas para a série como um todo, já que, indiretamente, ameaça até mesmo o programa espacial da NASA como um todo. Mas isso, claro, é algo para ser visto e trabalhado nos próximos episódios. No momento, o que interessa é como New Eden lida com a questão.

E a abordagem não poderia ser melhor. Alguns certamente argumentarão que Tyler foi egoísta ao fazer isso em meio a uma expedição ao desconhecido. Aliás, é isso que Dani Poole diz com todas as letras para ele, revelando-se – ainda que no contexto de preocupação com a missão – tão preconceituosa quanto Ed foi com ela quando disse que ela só conseguira a posição de comandante da missão para Marte em razão da cor de sua pele. Para Will, ver um planeta virgem foi a chance de começar de novo, da estaca zero, sem o preconceito sistêmico. Foi uma decisão simbólica que sim, diz respeito diretamente a ele, mas que ecoa fortemente em relação a todos como ele que “tiveram o privilégio” de esconder sua sexualidade verdadeira como Dani também diz para ele. Não é à toa que Ellen chora ao ver o vídeo completo do jovem e não é à toa que a declaração é definitivamente emocionante, com o ator Robert Bailey Jr. acertando em cheio o tom de seu personagem.

E o que dizer da inserção do contexto da AIDS nessa história? A reação do ex-cosmonauta Rolan, antes amigo de Will, é emblemática de toda uma década, quando a doença ainda era “de gays” e “pegava pelo contato ou pelo ar”. Chega a ser revoltante a maneira como o personagem se afasta do amigo com medo de magicamente pegar AIDS e pelo menos aí Dani dá um bom passa fora nele, ainda que menos incisivo do que ela, como comandante, poderia ter feito. Mas, em termos de encapsulamento de uma era, as breves sequências com Rolan foram nojentamente perfeitas.

O efeito cascata na Terra da declaração de Will é outra escolha muito bem feita, pois leva a presidente, do partido Republicano, a fazer exatamente o que Bill Clinton, do Partido Democrata, fez em 1993: promulgar a política do “não pergunte, não conte” (don’t ask, don’t tell) para as Forças Armadas. O ponto principal dessa escolha de roteiro não é abordar a questão em si e o quanto ela é injusta por “forçar” que os soldados homossexuais escondam sua orientação sexual, também impedindo investigações pela entidade, na outra ponta, pois isso já fica subsumido pelo diálogo que leva à criação da política. O que é realmente relevante aqui é dizer que republicanos e democratas – políticos em geral – são farinha do mesmo saco. Nesse aspecto, nada mudou nessa História Alternativa fascinante e será interessantíssimo como isso repercutirá na própria Ellen Wilson nos próximos episódios considerando as pistas de que seu marido terá sua orientação “vazada” muito em breve.

Sei que há outras questões a serem abordadas no episódio, notadamente a preparação da defecção de Sergei por Margo, a missão secreta soviética para achar um valioso lago subterrâneo de água líquida e que gera um acordo com a Helios primeiro e, depois, um conflito de proporções épicas lá durante a festa na Sojourner proporcionada por Ed e, claro, o desequilíbrio mental de Danny que se tornou uma bomba relógio. Mas a grande verdade é que tudo isso é subsidiário aqui, já que o grande foco é a maneira elegante, mas dolorosa como a questão principal é abordada e desenvolvida. Quero só ver como tanta coisa conseguirá ser abordada a contento em tão pouco tempo, considerando que só temos quatro episódios pela frente…

For All Mankind – 3X06: New Eden (EUA, 15 de julho de 2022)
Criação: Ronald D. Moore, Matt Wolpert, Ben Nedivi
Direção: Andrew Stanton
Roteiro: Stephanie Shannon
Elenco: Joel Kinnaman, Wrenn Schmidt, Krys Marshall, Shantel VanSanten, Sonya Walger, Casey W. Johnson, Jodi Balfour, Coral Peña, Cynthy Wu, David Chandler, Edi Gathegi, Piotr Adamczyk, Tony Curran, Robert Bailey Jr., Heidi Sulzman, Taylor Dearden, Lev Gorn, Vera Cherny, Pawel Szajda, Lenny Jacobson, Alexander Sokovikov
Duração: 60 min.

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