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Crítica | Frances Ha

por Laisa Lima
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O caminho até a vida adulta nunca é fácil. O desmame dos brinquedos e a aquisição de responsabilidades são marcas de uma fase esperada e temida na mesma proporção. Contudo, a chegada da maioridade, que é quando, pela lei, o indivíduo se torna adulto, não implica necessariamente na vinda da maturidade. E não é só Peter Pan que se recusa a crescer: Kit (Brie Larson), de Loja de Unicórnios (2017), é um dos exemplos de apego excessivo às crenças da infância – no caso, a ideia da não comprovada existência de um ser místico, o unicórnio, e a incessante busca de Kit por ele – e desapego das normas do amadurecimento. Frances, de Frances Ha (Noah Baumbach, 2012), também pode parecer não se importar com essa incômoda questão de ser madura, mas sua vida a fez repensar isso.

Frances (Greta Gerwig), em vez de se agarrar a figuras fantasiosas como fez Kit, não consegue se desprender de uma dependência quase patológica de sua melhor amiga Sophie (Mickey Sumner). Ambas dividiam o aluguel em um apartamento, até que Sophie resolve morar com uma colega em sua rua preferida de Nova York, e, por isso, o caos está instalado para Frances. Sua habitual despreocupação, então, é obrigada a ficar de escanteio para a entrada de inquietações essencialmente adultas, tais como contas, cobranças e, principalmente, decepções. A maneira com que a personagem lida com estas adversidades propostas no destino da maioria, tem a função de guiar o longa-metragem que, não coincidentemente, leva o nome da protagonista.

Para uma mulher de 27 anos, um padrão de conduta e de realizações já é pré-concebido socialmente. E, em Frances Ha, a realidade, apesar de tida por um ponto de vista descompromissado como o de sua personagem principal, não deixa de ser dura. Com um claro negacionismo, a jovem (ainda) estreia seu crescimento somente após a perda do maior alicerce, Sophie, e a cada obstáculo imposto por este processo, seja na procura de uma nova moradia ou na frustração em seu emprego como dançarina, sua capacidade de resiliência é testada. Ainda assim, a transmissão destas provações passa por um olhar leve, que não anula a dificuldade das ocorrências vividas por Frances, mas não as subestima a ponto de tratá-las com banalidade. A audiência acompanha a obrigatoriedade do entendimento da autonomia pela protagonista, mas a carga disso, no filme, não é pesada demais para se carregar.

Tal independência implica igualmente no desprendimento da inflexibilidade dos sonhos, mutáveis e ajustáveis na existência de qualquer um. Frances, no entanto, foca na concretização de seus objetivos pelo meio mais tradicional. Todavia, ela novamente se vê forçada a se ajustar ao factual, por mais que seja doloroso adequar suas idealizações ao cotidiano. E neste rumo segue a obra. Logo, o roteiro reforça tanto a severidade destas modificações, quanto o temperamento naturalmente ingênuo de Frances – interpretada de forma extremamente carismática por Gerwig – com diálogos naturais partidos, inclusive, de todos os constituintes do filme. Sophie, uma das partes principais, mostra o suficiente para ser uma peça chave do longa-metragem, o que não significa um bom desenvolvimento. Os homens com maior tempo de aparição na tela, Lev (Adam Driver) e Benji (Michael Zegen), posteriores colegas de apartamento de Frances, por sua vez, só reafirmam uma masculinidade julgadora, mas integrante do fluxo de maturação tardia contemporânea. 

A Nouvelle Vague, exposta até nas cenas de correria de Frances à la Bande à Part (Jean-Luc Godard, 1964), é uma notória influência para Noah Baumbach, visto, claro, a fotografia em preto e branco, e o posicionamento quase estático da câmera, como se a mesma tivesse sido esquecida e espionasse o dia a dia de Frances. O “quê” moderno fica por conta da trilha sonora propositalmente alternativa, já que não se trata de uma película nos moldes por vezes apelativos norte-americanos, e da própria narrativa. A passagem de um “normal” da juventude contemporânea via eventos cada vez mais probatórios na qual uma mulher que, diga-se de passagem, não se atém aos protótipos de sexo feminino do coletivo; precisa aprender a crescer, é de uma execução que muitas vezes não descamba para um lado sensível. O que não é problema aqui. 

Frances Ha é um drama, uma comédia, uma argumentação sobre o envelhecer, uma proposta indie de crítica ou reflexão sobre a juventude atual, um manual de amadurecimento, ou qualquer outra classificação que cabe o que é a obra de Noah Baumbach. Na medida certa entre divertimento e conteúdo, embora o desenvolvimento ideal para Frances e um pouco de esquecimento dos demais personagens, a sensibilidade do retrato da história de uma mulher lutando para sobreviver ao mundo adulto, vale a atenção e, principalmente, a análise. Análise e até comparação com aqueles que, na realidade, tem um impasse em assimilar que é hora de mudar e evoluir. Frances pode não ser um exemplo perfeito de quem ultrapassou esta fase com maestria, mas a participação da busca da personagem pelo alcance de seu progresso, pode sim tornar o do público um pouco mais ameno.

Frances Ha  (Frances Ha  – EUA, 2012)
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach, Greta Gerwig
Elenco: Greta Gerwig, Mickey Sumner, Michael Esper, Adam Driver, Josh Hamilton, Michael Zegen, Charlotte d’Amboise, Grace Gummer, Daiva Deupree, Justine Lupe, Lindsay Burdge
Duração: 86 min.

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