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Crítica | Frankenstein (1931)

por Gabriel Carvalho
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“Está vivo! Agora eu sei o que é se sentir como um deus!”

A autora britânica Mary Shelley revolucionou a literatura europeia ao escrever Frankenstein, um terror gótico pioneiro em experimentar as fronteiras do horror com a ficção científica. O argumento acerca do ineditismo também pode ser inferido à obra-homônima cinematográfica, segunda reinterpretação dessa mesma história, adaptada diretamente da peça de Peggy Webling. Frankenstein, de 1931, apesar de não ser o início da onda de monstros fomentada pela Universal Pictures, acaba sendo, ao lado de Drácula, do mesmo ano, o verdadeiro precursor de algo, sob as medidas corretas, atemporal – a recriação cinemática de histórias e criaturas aterrorizantes que marcariam gerações, dando espaço para uma popularização crescente do gênero. Quando, todavia, colocamos Nosferatu, de 1922, ao seu lado, Frankenstein não se equipara em muito.

A glorificação ao passado permanece, porque o tamanho do legado é absurdo, incomparável no caso específico do Monstro de Frankenstein, que tem uma idealização imagética incapaz de ser esquecida, singular em sua composição visual arrebatadora. A obra redefine o horror, querendo distanciar-se do impacto gráfico para chegar ao impacto psicológico, de um monstro que não sabe o que é ser humano, exótico, relegado a ser estudado. Na premissa, os trabalhos moralmente questionáveis de Henry Frankenstein (Colin Clive), isolado em um ambiente inóspito, mas acompanhado de seu assistente Fritz (Dwight Frye), provam-se um sucesso. O homem cria vida e o conto torna-se um pedaço da história da sétima arte, mesmo sendo mais impressionante nos livros do que na tela. O grande destaque, porém, é a criatura que incorpora o monstro.

A direção de James Whale, em um primeiro plano, sabe imprimir ótimo suspense em diversas cenas. Devemos saborear, por exemplo, o enervante encontro do monstro com a pequena Maria (Marilyn Harris). No âmbito da relação da criatura com o mundo, Frankenstein alcança os seus maiores êxitos. A começar, o trabalho de maquiagem, provido por Jack Pierce, é assombroso, criando uma representação que ainda se categoriza como atual, nunca tendo sido superada por produções posteriores, que tentaram trazer visões diferenciadas do monstro. A iconografia não precisa ser o terror, mas um gancho. O brilhantismo intrínseco, no entanto, é responsabilidade de Boris Karloff, que molda um ser multidimensional, mesmo sem ter nenhum apoio do roteiro. O ator prova-se um gênio da fisicalidade, promovendo uma construção comportamental magnética.

Os acertos são muitos: tanto o olhar quase vazio, que solidifica uma aparente omissão de alma para a figura, quanto as expressões de alegria, estonteantes e verdadeiras, emergem um personagem eterno. Os grunhidos nos levam a experimentar a dor, trazendo para o público, nos momentos de maior agonia, uma relação muito próxima deste com a criatura. A carga de empatia carregada pela performance é absurda – um desempenho que deveria ser muito mais valorizado do que é. O monstro, portanto, emitindo apenas grunhidos, entretanto, nos dando muito mais que isso, é o objeto de estudo mais maravilhoso dessa obra, tornando-a um marco de imediato – o desespero após afogar a garotinha no lago permanece impressionante e emocionante.

O resto, contudo, é demasiadamente pobre. Nenhuma das demais interpretações consegue se equiparar a de Karloff, visto que o roteiro não promove nada além do simplório para estas e suas respectivas personagens. De momentos tão marcantes quanto os que envolvem a criatura, apenas a contagiante loucura de Henry ao perceber que a sua criação está viva. No mais, em um olhar do início do filme, enquanto Frankenstein e Fritz – tendo uma rivalidade com a criatura pouco explorada de forma significativa -, buscam, trivialmente, corpos humanos pelas ruas, percebe-se uma edição sem muita continuidade formal, mas adequada à situação. As incoerências retornam. A ideia de justificar a maldade de um monstro porque o cérebro dele vem de um antigo degenerado contradiz uma tentativa, por parte da obra, de dar mais camadas ao personagem.

Caso exista alguma construção ou caracterização mais complexa sendo feita, ela provavelmente se resume à performance de Karloff. As intenções para a narrativa, enfim, são resolvidas sem qualquer esmero, desprovida do mínimo de encorpamento, que era necessário para uma maior estruturação e significância a diversos acontecimentos – a perseguição à criatura, a própria relação dela com Frankenstein e Fritz, o relacionamento de Elizabeth (Mae Clarke) com o seu noivo, entre outras pontuações. Em um tempo no qual a “indústria” via a passagem do cinema mudo para o cinema falado, nota-se, em Frankenstein, um constante aprimoramento da linguagem. O monstro, sem falas, é o maior acerto do filme, símbolo do envolvente, do imprevisível e do aterrorizante – mas também do tocante, méritos, novamente, de Karloff, maior e melhor que o longa-metragem.

Frankenstein continuará a ter vida pelas próximas gerações de amantes do cinema de terror. O impacto, diante de toda a iconografia possuída pelo projeto, é forte, como uma fita inovadora, posterior ao horror de antes. Estamos falando de um dos mais icônicos filmes de monstro da história, senão o mais, que permitiu o mundo assustar-se mais com a imprevisibilidade de um ser do que com suas feições particulares. Nosferatu era um pesadelo. Frankenstein, mesmo visualmente ímpar, é triste, indo além do medo. O longa-metragem de James Whale, incomparável à obra-prima de F. W. Murnau, quer distanciar-se dela, ao passo que aproxima-se esteticamente para evidenciar o contraste. A maldade do ser, maniqueísta, some, dando espaço para um terror que não mais quer apenas aterrorizar, mas quer chocar e refletir sobre a natureza humana.

O apuro estético ainda mostra-se atemporal – o expressivo desenho de produção remetente a obras do expressionismo alemão, cheio de arquiteturas disformes e sombras contornadas, além da própria figura da criatura, uma imagem imortal e inesquecível. Em termos narrativos, porém, temos uma intenção que não casa com o resultado. Frankenstein, semelhante à criatura, permanecerá caminhando, mesmo que dentro de si existam tanto partes vivas, que ganharam movimento pelas mãos de James Whale, quanto partes mortas, que se apodreceram pela ação do tempo. Juntas, as intocadas e as desgastadas, continuam a nos surpreendentemente encantar, graças a, acima de tudo e todos, Boris Karloff e uma interpretação à beira do indescritível, sinônima do melhor que o cinema de monstro há de nos oferecer, presente nos corações, não mais apenas nos pesadelos.

Frankenstein – EUA, 1931
Direção:
James Whale
Roteiro: Garrett Fort, Francis Edward Faragoh (baseado na peça de Peggy Webling e no livro de Mary Shelley)
Elenco: Colin Clive, Mae Clarke, John Boles, Boris Karloff, Edward Van Sloan, Frederick Kerr, Dwight Frye, Marilyn Harris, Michael Mark
Duração: 71 min.

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