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Crítica | Frieren e a Jornada para o Além – 1ª Temporada

A maga da Era de Paz.

por Kevin Rick
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Para mim, poucos animes recentes começaram de forma tão curiosa quanto Frieren e a Jornada para o Além. Enquanto a maioria das histórias de fantasia constrói o caminho até o grande confronto, Frieren começa quando tudo já terminou. A jornada heroica que derrotou o Rei Demônio é apenas lembrança; os heróis já voltaram para casa, os povos foram salvos e o mundo parece, enfim, em paz. O que resta é o depois, a comemoração e a ressaca da glória. Gosto bastante dessa inversão narrativa, como se estivéssemos vendo um grande epílogo. É como se O Senhor dos Anéis começasse após a derrota de Sauron, observando o que sobra de Frodo, Gandalf e companhia quando o mito termina e só resta o cotidiano.

Frieren, a elfa imortal que dá nome à obra, é o eixo dessa história. O fato de ser imortal, de viver séculos quando seus companheiros humanos mal atravessam algumas décadas, dá à série sua textura emocional: o tempo, para ela, é uma linha elástica demais. O que para os outros é uma vida inteira, para Frieren é uma lembrança breve. Assim, a série não é sobre batalhas, mas sobre a memória, sobre o que o tempo faz com os vínculos, sobre o luto que não se sente na hora certa e sobre o esforço tardio de compreender quem já partiu.

Boa parte da primeira metade da temporada se estrutura em torno disso. Frieren revisita lugares e memórias de sua antiga jornada, sempre confrontada com o que perdeu por não ter prestado atenção. A série, nesse trecho, tem um ritmo quase meditativo, sem pressa, sem urgência. Há episódios que são praticamente pequenas fábulas sobre a passagem do tempo, sobre pessoas que envelhecem, sobre o esquecimento e o valor das lembranças. É um anime de fantasia que prefere o silêncio ao espetáculo, a pausa à explosão. E é justamente nessa suavidade que reside seu encanto melancólico.

A direção tem um olhar elegante e contemplativo. Cada plano e cada cenário parece carregado de calma e melancolia: florestas banhadas por luzes frias e cidades de pedra onde o vento sopra como lembrança. A animação privilegia o detalhe, o gesto pequeno, o sorriso contido, o olhar distante e a mão que hesita antes de um toque. É um anime que não precisa de grandes lutas para emocionar. Sua força está na atmosfera, nesse equilíbrio entre a beleza do mundo e a tristeza que o atravessa.

Essa mesma lentidão, por vezes, cobra um preço. O ritmo da temporada pode ser dilatado; há episódios que parecem alongar sentimentos já compreendidos. A série usa muitos flashbacks, às vezes demais, e ainda que eles ajudem a construir o passado dos personagens, acabam quebrando o fluxo narrativo do presente. Em certos momentos, menos contexto talvez revelasse mais. Mas mesmo que a história se repita tematicamente, gosto muito da abordagem suave e paciente, indo na contramão dos excessos e das explosões que se tornaram regras em anime, priorizando dramas e personagens ao invés de mitologia, sistemas de poderes ou ação desenfreada.

A partir da segunda metade, Frieren muda de tom. O que antes era quase um diário sobre a passagem do tempo transforma-se num anime de fantasia mais convencional. Surge um novo grupo, novos companheiros e novos desafios. Frieren, agora no papel de mentora e líder, reproduz, de certa forma, a jornada que viveu antes, mas sob uma nova perspectiva e com outra dinâmica. É interessante observar como a personagem amadureceu emocionalmente; se antes distante e fria, ela se torna empática, maternal até, com uma boa evolução dentro do seu arco.

O típico arco do torneio que vemos na reta final da temporada, embora divertido e bem executado dentro das convenções do gênero, representa esse ponto de virada. O ritmo se acelera, o foco muda do introspectivo para o competitivo. As batalhas em masmorras e as provas mágicas são bem animadas e funcionam como entretenimento, mas há uma perda do tom poético que marcava o início da temporada. O anime torna-se mais previsível, mais próximo de uma fantasia tradicional e um pouco menos singular. Particularmente, penso que a narrativa funcionaria melhor como uma minissérie, sem dar início a uma nova jornada, mas entendo a proposta.

Ainda assim, Frieren mantém uma boa qualidade até o final do ano de estreia. Mesmo quando adere ao formato mais clássico, nunca abandona completamente a sensibilidade. Há sempre uma cena, uma conversa, uma lembrança que devolve a humanidade dos personagens e reacende o tema do tempo. A série entende que a verdadeira aventura não é lutar contra monstros, mas entender as pessoas que amamos antes que seja tarde demais.

No fim, Frieren e a Jornada para o Além é uma obra sobre o intervalo entre o heroísmo e a saudade. Quando falei para meu colega Ritter Fan da premissa, ele disse que parecia tão bom quanto ver grama crescer (rs), o que não deixa de ter uma pontinha de verdade nos trechos mais lentos da temporada, mas aprecio a ideia de um anime que começa onde os outros terminam, e que transforma o “depois” numa jornada em si. É melancólico, paciente e por vezes excessivamente longo, mas também é sincero e tocante. A sua beleza está nessa contradição: em ser uma fantasia sem pressa de fantasiar, uma história épica contada com o ritmo de uma lembrança. E, mesmo com seus tropeços, é difícil não se comover quando Frieren, finalmente, aprende o que os heróis que envelheceram ao seu lado já sabiam: que o tempo é curto demais, mesmo para quem vive para sempre.

Frieren e a Jornada para o Além (Sōsō no Furīren / 葬送のフリーレン) – 1ª Temporada | Japão, 2023-2024
Criação e desenvolvimento: Tomohiro Suzuki (baseado no mangá de mesmo nome, de Kanehito Yamada e Tsukasa Abe)
Direção: Ayaka Tsuji, Tomoya Kitagawa, Daiki Harashina, Kento Matsui, Kōta Mori, Tōru Iwazawa, Keisuke Kojima, Kōki Fujimoto, Nobuhide Kariya, Kazumasa Isogawa, Kunio Fujii, Yoshiki Kawasaki, Takahiro Natori, Shinya Iino, Morio Asaka, Kazumasa Isogawa, Izumi Seguchi, Taku Kimura, Haruka Yutoku, Ken Andō, Fumie Muroi, Hayato Kakinokida, Ka Hee Im, Keiichirō Saitō
Roteiro: Tomohiro Suzuki
Elenco: Atsumi Tanezaki, Kana Ichinose, Nobuhiko Okamoto, Hiroki Tôchi, Yôji Ueda, Chiaki Kobayashi, Sayumi Suzushiro, Jirô Saitô, Kento Shiraishi, Eiji Hanawa, Haruka Terui, Azumi Waki, Ikumi Hasegawa, Shizuka Ishigami, Masafumi Kobatake, Kishô Taniyama, Shohei Komatsu, Yuji Murai, Atsuko Tanaka, Yûichi Nakamura, Reina Ueda, Kanae Itô, Tarusuke Shingaki
Duração: 703 min. (28 episódios)

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