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Crítica | Fuga para Parte Alguma, de Jeronymo Monteiro

Um dinâmica e divertida jornada de horror com formigas assassinas.

por Leonardo Campos
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Mais comum no sistema de produção literária e cinematográfica estadunidense, as narrativas do subgênero horror ecológico também ganharam algumas versões brasileiras. Fuga para Parte Alguma, de Jeronymo Monteiro, por exemplo, é uma delas, romance enxuto, dinâmico, divertido e com passagens que confesso, foram aterrorizantes. Sem a profundidade estética e estrutural para entrar nos escolhidos pelo nosso cânone pernóstico e criador de escritores segregados, o conteúdo desenvolvido pelo autor tem fortes influências da linguagem do cinema e dos clássicos oriundos após as paranoias desenvolvidas com os desdobramentos da Segunda Grande Guerra Mundial, isto é, o medo da ameaça atômica, os desastres ambientais, as críticas ao tratamento inadequado com a mãe natureza e a avalanche de tramas sobre abomináveis criaturas geradas pelos avanços científicos da humanidade, geralmente sempre além dos limites. Em seus 16 capítulos distribuídos ao longo de 123 páginas, a empolgante trajetória do romance desliza pelo nosso olhar e envolve, sem enrolar o leitor com subtramas desnecessárias, indo direto ao ponto: a fome das formigas e a busca da humanidade por salvação.

Publicado em 1961, o romance é uma das produções de Jeronymo Monteiro, jornalista fundador da Sociedade Brasileira de Ficção Científica, em 1964. Escreveu sobre investigação em As Aventuras de Dick Peter e ensaiou o romance em A Cidade Perdida, Três Meses no Século 81 e O Irmão do Diabo, antes de estabelecer um horripilante apocalipse com Fuga para Parte Alguma, trama sobre o destino de personagens que vivem uma desoladora realidade, o ataque fulminante de formigas que se tornam tenebrosas assassinas, aparentemente as representantes da natureza, em cobrança aos humanos pelo tratamento recebido ao longo de tanta destruição e exploração. Em suas passagens, as descrições lembram até os filmes de horror ecológico, com passagens descritas em pormenores. Começa com os relatos de pessoas destinadas a vistoriarem pastos, encontrando carcaças e destruição, aos ataques contra os humanos, devorados numa rapidez absurda, ceifados pela ira destas criaturas consideradas menores, mas aqui transformadas em algozes de peso.

Com um determinado grupo de personagens com destaque, mas sem a devida profundidade, o romance é como uma das histórias recentes de Ezekiel Boone, autor da Trilogia das Aranhas, sendo o nosso brasileiro mais eficaz e objetivo em sua tessitura literária. Em suma, é um romance para analisarmos o contexto geral, o ataque das formigas, a busca da humanidade por salvação, sem focar necessariamente num herói salvador das pátrias devastadas pelos insetos. Lá pelo meio da história, os humanos conseguem desenvolver um mecanismo para eliminar os perigosos seres, o Radio Vonde, mas a sua eficácia é momentânea, não dando conta da destruição organizada como um crime de facção. Não apenas as pessoas são destroçadas, mas os mamíferos também. Os animais que conseguem sobreviver são aqueles que podem voar ou se esconder sorrateiramente. O narrador, eficiente, faz questão de destacar todos esses detalhes. Usinas atômicas, grandes cidades, empreendimentos tecnológicos. Tudo passa a ruir nesta história sem final feliz para a humanidade, geralmente heroica neste segmento ficcional.

No desfecho, o autor estabelece o mesmo clima desolador da abertura. Aos humanos, o recado: não há chance de redenção. O mundo mudou, não há mais espaço para a destruição perpetrada pelos avanços urbanos, bem como o descaso com a natureza com os pastos e desenvolvimento da agricultura. É uma abordagem de 1961, mas parece uma crítica aos brasileiros da contemporaneidade. Lido hoje, Fuga para Parte Alguma poderia muito bem ser uma alegoria para o panorama de desastres políticos e sociais do Brasil nos últimos tempos, em especiais, nos vergonhosos 2018-2022, quadriênio que conseguiu ser mais aterrorizante que qualquer narrativa do horror ecológico. Três criaturas sobrevivem ao processo, aterrorizadas pela horda de formigas aniquiladoras e impiedosas. O narrador reforça que eles tentarem de tudo, mas foi impossível sobreviver diante das forças da natureza. Numa frenética corrida para vários cantos, não foi possível encontrar a paz por muito tempo, afinal, como o próprio título reforça, eles estavam em fuga, no entanto, para parte alguma, tudo por causa delas, das formigas.

Fuga para Parte Alguma (Brasil, 1961)
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Editora: Editora GRD
Páginas: 200

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