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Crítica | Funny Girl – Uma Garota Genial

por Gabriel Carvalho
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Hello gorgeous.”

Contém spoilers.

A ascensão de Fanny Brice (Barbra Streisand) é como uma pretensão óbvia do destino. O alcance do estrelato, que permite essa garota genial aproveitar um repentino sucesso ao lado do grande produtor teatral Florenz Ziegfeld (Walter Pidgeon), após surgir de raízes mais modestas, mas ambições magnânimas, acontece, de maneira razoavelmente figurada, da noite para o dia. As pontuações mundanas que movimentam essa trajetória gloriosa, alçando, surpreendentemente, uma carreira grandiosa para Fanny, simplesmente acontecem, logo no primeiro terço da obra, sem qualquer sufocamento por parte dos realizadores, potencialmente perdidos em relação ao filme que gostariam de criar, dado um confronto de ideais que surge pela metade do longa-metragem. Funny Girl, contrariando essa ótica, é, em teoria, extremamente consciente e “correta”. A sua história, para os desavisados, é vagamente baseada em fatos, mesmo sendo inspirada em personagens históricos, que realmente existiram. O cineasta William Wyler, aclamadíssimo pela Academia, consegue dar autenticidade a esta narrativa, adaptada do musical teatral homônimo de 1964. Os méritos, porém, não cessam a aparecer depois desse quesito, porque, dando espaço para uma jornada de sucesso ser apreciada sem muitas complicações, diferentemente da batida usual para ascensões cinematográficas, paralelas a meros percalços contínuos ou seguidas de uma queda vertiginosa, o diretor adota uma atmosfera charmosa, dinâmica, gradual, para, então, dar prosseguimento ao seu plano geral, no qual a meta idealizada não é contar como uma mulher chegou ao topo, mas como uma mulher chegou ao topo de modo bastante independente – embora não devamos tratar esse termo em sua integralidade.

Quando Streisand canta “Don’t Rain On My Parade”, ápice desse ótimo musical, o seu figurino, composto, na ocasião, por um laranja extremamente forte, a destaca em cena, completamente independente dos cenários que atravessa, enquanto abandona, nesse caso, um espetáculo para correr atrás da pessoa que ama – ninguém há de estragar essa sua decisão. A contagiante melodia impulsiona uma excelente montagem, que imerge, desta caminhada decisiva de Fanny, em um crescendo de grandiosidade vocal, a sensação, para o público, de um desfile propriamente dito. O excepcional trabalho visual sobre as vestes da personagem, aliás, é um costume da obra em mostrar o poder de Fanny, o quanto ela se enaltece, mesmo entre demais pessoas também acima do ordinário. A protagonista critica, contraria e, no final das contas, tem a decisão para si mesma, revelando-se como uma criação poderosa sobre o feminino, ainda no início do século passado. Um dos grandes papéis da carreira da atriz, senão o maior, Fanny Brice é a identidade que Barbra Streisand adota, com graça e carisma, para cantar algumas de suas maiores canções, em performances deslumbrantes. A artista, curiosamente, já tinha performado no palco, na versão original da obra, justificando a sua segurança em cena. O encantamento também entra no escopo do musical como uma criação maior do que as músicas, porque, mesmo atendo-se ao mundo dos palcos, mais realista, Wyler encara o ambiente, recriado em sua visão, como um enorme universo musical. O diretor tem controle da câmera e investe no desenho de produção de forma assombrosa, não apenas decorando sua obra, mas atribuindo o fantástico a ela – a cena do lago de cisnes é um destaque magnífico, merecendo uma nota à parte.

As características comentadas, contudo, podem ser confundidas, pelo espectador, caso enxerguemos o relacionamento amoroso presente na fita como elemento crucial de uma história, todavia, sobre independência. Essa questão específica é mais uma contribuição narrativa, por parte do roteiro, para a compreensão final sobre a jornada da personagem. “Eu não fiz nada por você que você não teria conseguido sozinha”, comenta Nick Arnstein (Omar Sharif), envolvido amorosamente com a comediante. A obra não discorre muito bem esse aspecto dentre suas temáticas , apesar de entendê-lo como mote maior de toda a conjuntura final, resultando em um público perdido no longa-metragem, aparentemente muito mais segmentado e “incorreto”. O filme ganha um caráter de linearidade emburrecida, comentando sobre os passos da personagem, mas não os interpretando. A história, portanto, passa a ser, teoricamente, sobre o amor entre Fanny e Arnstein, e que, em um pensamento rígido, nunca empolga. Barbra Streisand tem uma presença muito maior do que a de Omar Sharif, sem dar margem a uma química poderosa, que não a existente, de maneira decente, mas ainda superficial, nos primeiros contatos entre os personagens. Quando Arnstein, contanto, evade da trama pela primeira vez, o sentimento de antes parece sumir para o público. O grande infortúnio do musical é que, exatamente quando a obra possui mais coisas para falar, apressa-se, dando a sensação de uma duração extremamente longeva, uma realidade nesse caso, onde o tempo foi distribuído inapropriadamente, insistindo em um relacionamento que nunca convence o espectador verdadeiramente. Ao mesmo, os números de Streisand são tecnicamente impecáveis por parte da cantora.

Em contrapartida, “My Man” restaura, com toda a sua força, em razão da interpretação e qualidade vocal de Streisand, atributos não menos do que impressionantes, o sentimento de Fanny por Arnstein – característica que devia ter sido passada com mais verdade anteriormente  -, após a protagonista decidir pelo divórcio, seguindo a soltura do seu marido, que havia sido preso. A separação, dessa maneira, é um desvio da vida inadiável – pontuação um tanto quanto confusa da resolução narrativa do filme -, necessária para as jornadas de ambos continuarem de maneira saudável, seja dentro de casa ou dentro do trabalho, sem os mesmos percalços de antes. Os dois não iriam conseguir se desvencilhar, como casal, dos obstáculos inerentes a uma vida, caso permanecessem casados, existindo, por isso, um egoísmo menos malicioso nessa quebra do relacionamento. O longa-metragem termina evidenciando, acima de tudo, um ceticismo sobre o amor entre homens como esfera máxima da tangibilidade humana, uma deturpação parecida com a compartilhada por outros filmes da época, diante do alvorecer da Nova Hollywood, quebrando com as narrativas do passado, constantes em suas conclusões alegres e harmoniosas. Quem detém o sucesso, em linhas gerais, é a garota engraçada, não o seu ex-marido, desqualificando-se, paulatinamente, do casamento em diante. Por outra linha de raciocínio, a cena em que a protagonista rejeita ser vista como uma piada, transformando sua participação no humor do momento em uma relação ativa, exibe inseguranças, mas, também, o cuidado afetivo dela por ela. Olhando-se no espelho, enxerga uma garota linda. Funny Girl – Uma Garota Genial é uma obra sobre uma mulher que é capaz de amar, mas se ama em primeiro lugar.

Funny Girl – Uma Garota Genial (Funny Girl) – EUA, 1968
Direção: William Wyler
Roteiro: Isobel Lennart (baseado em Funny Girl, escrito por Isobel Lennart, Jule Stynne e Bob Merrill)
Elenco: Barbra Streisand, Omar Sharif, Kay Medford, Anne Francis, Walter Pidgeon, Lee Allen, Mae Questel, Gerald Mohr, Frank Faylen, Alena Johnston, Thordis Brandt, Arthur Tovey
Duração: 149 min.

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