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Crítica | Fúria de Titãs (1981)

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Comentário inicial: Como prezo pela transparência, antes de iniciar a presente crítica preciso deixar um aviso muito claro aos meus leitores: sou cria dos anos 80 e, com isso, Fúria de Titãs é um dos meus mais queridos guilty pleasures. Além disso, tenho total veneração pelo trabalho do fenomenal especialista em efeitos especiais Ray Harryhausen que emprestou sua imbatível técnica de stop motion a esse filme (o último de sua carreira) que considero muito mais dele do que de seu inexpressivo diretor ou mesmo de seu estelar elenco. Tive, aliás, a oportunidade e a honra de conhecer o mestre pessoalmente antes de seu falecimento em 2013, quando estive nos estúdios da Warner à época do lançamento de seu precioso livro An Animated Life cuja cópia autografada guardo a sete chaves e cuja aquisição sugiro a todos os apreciadores de Cinema (nunca foi publicado em português, infelizmente). Portanto, ainda que eu tente vestir minha fria máscara de crítico quando teço meus comentários sobre filmes, estes que seguem abaixo inevitavelmente conterão aspectos mais subjetivos do que o “normal”.

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Fúria de Titãs é uma adaptação da saga mitológica de Perseus (Harry Hamlin), semi-deus, filho bastardo de Zeus (Sir Laurence Olivier) com a humana Danaë (Vida Taylor), filha de Acrisius (Donald Houston), Rei de Argos. Para libertar a princesa Andrômeda (Judy Bowker), por quem se apaixona, Perseus tem que lutar contra o terrível monstro submarino Kraken, mas, para ter alguma chance real de vitória, precisa passar por vários obstáculos, inclusive enfrentar outro semi-deus monstruoso chamado Calibos (Neil McCarthy), antigo pretendente da mão de Andrômeda, e filho amaldiçoado de Thetis (Maggie Smith), esposa de Poseidon (Jack Gwillim).

Quem é conhecedor de mitologia grega encontrará dezenas de problemas no roteiro, mas garanto que essas inconsistências são bem mais aceitáveis do que os Parlapanides fizeram em Imortais, de 2011, em que basicamente jogaram foram todo e qualquer obra séria que já tenha sido escrito sobre mitologia grega e escreveram o que quiseram usando apenas nomes mitológicos. De toda forma, Fúria de Titãs é um divertimento descompromissado, não uma aula de mitologia.

E, nesta categoria – divertimento – o filme tira de letra. Para começar, é incrível ver tantos atores bons em um filme desse tipo. Nada mais nada menos do que Sir Laurence Olivier, um dos maiores atores que já viveu, com obras shakespearianas definitivas em seu currículo como HamletRicardo IIIHenrique V e Othello, faz o papel de Zeus, o deus dos deuses. Mesmo já longe do ápice de sua carreira, o grande ator ainda mostra a devida majestade no papel, reunindo força, amor e arrogância em um personagem que, se não é possível gostar completamente, pelo menos leva o espectador a perceber e respeitar sua imponência. Mas os responsáveis pela escolha do elenco não pararam por aí. O filme também conta com Maggie Smith (a Professora Minerva McGonagall, da série Harry Potter), no papel de Thetis; Claire Bloom (Luzes da RibaltaCrimes e Pecados) no papel de Hera; a belíssima Ursula Andress (a sereia que sai do mar de biquíni branco no primeiro filme da franquia 007) no papel de Afrodite e Burgess Meredith (o eterno Mickey, o treinador de Rocky na franquia homônima) no papel do mentor de Perseus, Ammon. Quem destoa completamente deste elenco estelar é mesmo Harry Hamlin (o Jim Cutler, de Mad Men) no papel principal. O ator tem expressividade zero, sendo até mesmo desajeitado nas cenas de ação.

Como mencionei no preâmbulo, apesar de todos estes grandes nomes em frente à câmera, para mim a estrela e verdadeira alma da fita é mesmo quem não aparece momento algum: o incomparável mestre dos efeitos especiais Ray Harryhausen. Em sua lista de filmes temos O Monstro do Mar RevoltoA 20 Milhões de Milhas da TerraSimbad e a PrincesaOs Três Mundos de GulliverJasão e os Argonautas e vários outros. O trabalho de stop motion é irretocável em todos eles, talvez chegando em seu ponto mais alto de originalidade em Jasão e os Argonautas e, em sofisticação, exatamente em Fúria de Titãs. Imaginem vocês: movimentar um boneco (normalmente um mostro), e cada elemento de cenário 24 vezes para cada segundo de projeção do filme. Se hoje esta técnica tem grande nomes atuais como Henry Selick (O Estranho Mundo de Jack e Coraline e o Mundo Secreto), todos eles devem muito a Harryhausen.

Hoje, com os efeitos em computação gráfica, todos nós – e certamente os mais jovens, que não viveram uma época sem computação gráfica – de alguma maneira já esperamos efeitos extremamente polidos e perfeitos, imitando e até melhorando a vida real. A maioria dos que hoje forem assistir Fúria de Titãs torcerá o nariz para o quão “tosco” são os efeitos, provavelmente preferindo a vazia orgia sensorial da refilmagem de 2010). Mas parem por um momento e imaginem todo o trabalho e genialidade por trás da técnica. Em Fúria de Titãs, Harryhausen animou um abutre gigante, escorpiões gigantes, a Medusa, o cavalo alado Pégasus, o Kraken, Calibos em algumas cenas e a inesquecível e adorável coruja de metal Bubo. Não esperem perfeição e fluidez nos movimentos, mas parem para observar e imaginar a incrível coordenação e controle do cenário e das proporções que alguém tem que ter para fazer o que Harryhausen fez. Imaginem as horas de trabalho empregadas em uma técnica “de formiguinha” em um cenário miniatura quase hermético para evitar que elementos exteriores perturbassem a ordem. E olhem que não estou nem dizendo que computação gráfica é uma técnica mais fácil ou pior que stop motion. Longe disso! Respeito muito os grandes mestres que são ases do computador. Mas não há dúvida que a computação gráfica, de uma maneira ou outra, banalizou os efeitos e nos tornou insensíveis para todo tipo de trabalho manual que veio antes. É uma pena, mas é a verdade.

Mas voltando diretamente ao filme, o roteiro de Fúria de Titãs, escrito por Beverley Cross em seu último trabalho depois de uma carreira sem destaques, vale-se da estrutura básica da Jornada do Herói sem grande inventividade. É como um jogo de tabuleiro, em que a cada cinco ou seis casas andadas, o jogador encontra um revés que tem que enfrentar. Apesar de surpreentemente parecido com a mitologia que lhe dá base, o texto não é muito mais do que uma sucessão de desculpas para colocar Perseus a caminho de seus desafios, sem que o protagonista efetivamente cresça e se desenvolva no processo. O Perseus do final da projeção é substancialmente o mesmo que vemos ser teletransportado para uma arena de lutas para treinar com Ammon logo no começo, depois do prólogo contando sobre seu nascimento e juventude.

A direção de Desmond Davis (que antes e depois só trabalhou basicamente com televisão) é apenas burocrática, sem nenhuma tentativa de retirar Fúria de Titãs do básico. Usando câmeras substancialmente estáticas, seu trabalho é colocar o espectador como observador impassível das desventuras de Perseus. Seu único  momento que mostra que existe um diretor melhor do que o que testemunhamos nesta fita é durante o embate do herói contra Medusa, para mim o ponto alto de toda a obra, já que funde elementos de ação, com breves sequências de suspense, além do incrível trabalho de Harryhausen movimentando a górgona. Toda a sequência é tão interessante e diferente das demais que faz o verdadeiro clímax – a luta contra o Kraken – parecer cansativo, quase um desapontamento.

Existe um grande filme por trás do verniz B, quase trash, de Fúria de Titãs. Se o espectador souber dar valor ao trabalho de Ray Harryhausen e conseguir mergulhar nesta aventura mitológica, sairá no mínimo com um sorriso no rosto ao final da experiência. Não é uma obra-prima, mas é um clássico de sua própria maneira.

Fúria de Titãs (Clash of the Titans, Reino Unido/Estados Unidos – 1981)
Direção: Desmond Davis
Roteiro: Beverley Cross
Elenco: Laurence Olivier, Claire Bloom, Maggie Smith, Ursula Andress, Jack Gwillim, Susan Fleetwood, Pat Roach, Harry Hamlin, Judi Bowker, Burgess Meredith, Siân Phillips, Neil McCarthy, Donald Houston
Duração: 118 min.

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