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Crítica | Game of Thrones – 8ª Temporada

por Gabriel Carvalho
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“Não existe nada mais poderoso no mundo que uma boa história.”

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Game of Thrones provou ser um fenômeno cultural de um tamanho imenso, quiçá comparado apenas com o de Lost, série de televisão que iniciou em 2004 e terminou em 2010. As reações com a sua conclusão também são próximas. Lost é considerado até hoje como tendo um dos finais mais odiados pelo seu público, apesar da reação da crítica ter sido mais positiva. Game of Thrones, por sua vez, não trouxe últimas temporadas de aclamação universal. Pelo contrário, os criadores do programa, David Benioff e D. B. Weiss, mostraram possuir uma certa insuficiência perante a necessidade de continuar o material fonte, sem mais o seu apoio. As Crônicas de Gelo e Fogo, no caso, saga literária do autor George R. R. Martin e que inspira a série, não terminou ainda. Esse longo atraso acabou obrigando o seriado a ultrapassar aquelas que eram as fundamentações para todo o seu universo, o poço de imaginação. Eis uma escassez criativa, que, minimamente, transformaria o enredo em algo muito mais simplificado – coisa que já até era antes.

Enquanto George R. R. Martin, em meio a um dos seus vícios, trazia mais e mais elementos sem necessariamente os amarrar à trama, exagerando um bocado, Game of Thrones transformava o todo em algo menor, mas ainda instigante o suficiente para ser considerada uma trama complexa e bem encadeada. Não mais querendo expandir mitologias ou construir questões problemáticas com um maior grau de complexidade, os roteiristas, portanto, decidiram concluir a série de uma vez por todas. As únicas coisas que eles teriam, no entanto, seriam as jornadas dos demais personagens até então, as suas caminhadas e tramas, assim como o apego que os espectadores possuiriam por cada um. E, curiosamente, os caminhos dados por Game of Thrones, em termos do que fazer diante de um impasse na conclusão, são um pouco parecidos com o de Lost. Esse outro seriado engatou muito público por conta dos seus mistérios, mas concluiu a trajetória pensando mais nos arcos individuais dos seus protagonistas, o que acontece aqui: um enredo sobre História e destino.

Uma boa história

Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright) é o Corvo de Três Olhos, conhecedor do passado, presente e futuro. A oitava temporada de Game of Thrones possui essa questão permeando todos os seus episódios: que os personagens estão no lugar em que deveriam estar. Game of Thrones não mais coloca os personagens servindo a uma trama, mas uma trama servindo aos personagens, aonde eles devem terminar estando. Isso permite o roteiro tornar-se mais aparente e ganhar ares existenciais para além dos bastidores, com Bran sendo a personificação dos roteiristas. Dessa maneira, a História ganha extrema relevância, culminando em Sam (John Bradley), em The Iron Throne, nos apresentando às Crônicas de Gelo e Fogo, uma metalinguagem espertinha. Tyrion (Peter Dinklage) retoma tal pensamento para nomear o próprio Bran como Rei dos Sete Reinos. Onde que moram as boas histórias? No passado ou podem existir no agora? O melhor episódio da temporada, A Knight of the Seven Kingdoms, é especialmente bom por trazer essa discussão e ao mesmo passo sugerir uma conclusão menos roteirizada, mais sincera, orgânica, aos personagens.

Lost criava uma realidade paralela, em sua última temporada, para amarrar todos os arcos dos personagens em uma unidade, enquanto a continuidade normal permanecia com uma aura fantástica mais agressiva, tendo um enredo substancial. Já Game of Thrones prefere uma nostalgia mais barata para guiar tudo. É uma desculpa auto-indulgente, que não se justifica em termos de roteiro e que torna tudo muito mais burocrático, robótico, e menos natural. Por isso que o Rei da Noite, que é muito mais um elemento enigmático, um representante dos Caminhantes Brancos, que um personagem por si só, tem toda a sua trajetória se resolvendo em Arya Stark (Maisie Williams). O personagem não é importante por si só, não existe um propósito independente nele. O que existe é uma personificação maligna a estar servindo aos arcos de demais personagens, como uma muleta. Que explorassem esse artifício, portanto, em uma escala mais grandiloquente. É um equívoco enorme do seriado a Longa Noite durar apenas uma única noite, no pior episódio da temporada, The Long Night. As duas coisas poderiam ser trabalhadas mais juntas.

A longa noite de uma noite só

O problema é que Game of Thrones está pensando meramente no seu passado, pois há tempo parou com a sua história para explorar apenas o seu fim. Parte da jornada é o fim, alguns comentariam. Mas David Benioff e D. B. Weiss não encaram essas duas últimas temporadas como uma jornada em si – temos apenas um ponto bem definido de trama nessa oitava temporada, que é a questão Targaryen/Stark, além do Trono de Ferro. De resto, o que paralelamente resta são pedaços de narrativa sendo amarrados pensando personagens, mas nunca mais uma trama bem encadeada e desenvolvida. Mas existem vislumbres de encerramento que, apesar de cafonas, se justificam dentro da proposta, principalmente quando dentro de uma Grande Guerra. Theon (Alfie Allen) está onde deveria estar, a exemplo. Beric Dondarrion (Richard Dormer) é outro personagem que morre porque precisava morrer. Melisandre (Carice van Houten) igualmente. A série, visando uma coesão e um senso menos artificial de progressão, esticaria essa Longa Noite para tornar todos os personagens queridos da série engrenagens dum roteiro bem justificado e então fatalista.

Fosse o episódio aceitar essa sua missão mais roteirística, de matar por propósitos, de um modo integral, porém, nem isso acontece em sua glória. Sam é salvo por Ed, por exemplo, a troco de nada, porque Sam não é importante, não tem um momento de heroísmo ou qualquer bobagem. Em outra instância, por que Bran diz para Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau) que o perdoa porque isso o tornou a estar ali em meio a ele, ajudando na Grande Guerra? O personagem não faz nada na verdade, o que é até bom por um outro sentido, porque torna todos os seus propósitos mais amargurados. Toda uma jornada de “redenção” apenas para provar que o seu amor por aquela mulher, Cersei (Lena Headey), ainda era maior que tudo. Essa tentativa de fugir de sua natureza que se prova impossível e que termina na tragédia. Quem dera Game of Thrones explorasse isso melhor. Porém, a cena do personagem refletindo sobre sair de Winterfell, após passar a noite com Brienne (Gwendoline Christie), é rápida demais. Essa personagem, por sinal, é desperdiçada numa última cena que protagoniza. Se histórias são importantes, por que não a sua?

A dança dos dragões

Contudo, Game of Thrones interrompe a Grande Guerra para passar o tempo gradativamente, poder separar episódio de episódio, e instigar a trama dos Targaryen/Starks. O senso burocrático permanece, com Jon Snow (Kit Harington) sabendo de sua ascendência no primeiro episódio, Winterfell, mas revelando isso à Daenerys (Emilia Clarke) apenas no final do segundo. Em The Last of the Starks, é interessante, porém, como as últimas pitadas de guerra dos tronos rodeiam essa questão, muito mais para causar consequências, entretanto, nos personagens do que na narrativa. Até a única trama de verdade da temporada não se assume como uma trama, mas como pretexto. Varys (Conleth Hill) manda as cartas a troco de nada, por exemplo. Novamente, o que importa são os personagens, não a trama. No caso, o que acontece é a diminuição dos alicerces de Daenerys, perdendo mais e mais aliados. Jorah (Iain Glen) morre em The Long Night visando a proteção de sua amada. Missandei (Nathalie Emmanuel) é decapitada por Cersei. Os seus conselheiros a traem. Tudo o que acontece aqui busca incendiar o confronto entre Jon e Daenerys.

Diferentemente do que interpretou boa parte das pessoas, essa é a coisa que a oitava temporada da série – não necessariamente a série como um todo – melhor explora, mesmo que com ressalvas. A direção até consegue resolver o problema da falta de química entre os protagonistas, que são dois dos atores mais fracos da série, porque iniciam um afastamento procedural – mas que poderia ser melhor justificado, melhor encadeado e desenvolvido. Jon é um homem íntegro, que mantém a sua palavra. Ele se ajoelhou à Daenerys e quer continuar ajoelhado, mesmo que Sansa (Sophie Turner) aponte as vontades do Norte em ser independente ou até segurar os soldados por mais tempo, para descansarem. O ímpeto de Dany, em contrapartida, se revela em cenas como essa. Isso é explorado com simplicidade, mas é. Nessa temporada, a série insiste o tempo todo nos medos que Daenerys sente e nos perigos que Westeros enfrentará caso a personagem se isole, o que acontece. The Bells é um grande episódio nesse sentido – e uma proeza técnica. O episódio separou um salvador movido por vontades puras dum messias déspota.

Uma canção de altos e baixos

Game of Thrones permanece sendo, em sua última temporada, uma série que respeita o seu nome como um dos auges do espetáculo audiovisual na televisão norte-americana. Os episódios, de certa maneira, são até superiores individualmente do que quando juntos. Caso existisse uma média para a avaliação da temporada, a nota seria maior nesse caso. E até um certo ponto, a natural simplificação da resolução caminha razoavelmente, com seus altos e baixos. O problema é quando Game of Thrones busca cenas em específico, para colocar determinados personagens em determinados lugares, mas as conduz com as coxas. Assim é ocasionada a imensa quantidade de furos de roteiro dessa temporada, que não demonstram apenas uma simplicidade, mas um desleixo. Eles são causados por pura preguiça, despreocupação. Missandei é sequestrada do nada. Euron (Pilou Asbæk) sobrevive apenas para enfrentar Jaime. Pois importa-se mais, diferentemente do que move a temporada em teoria, esse destino que ora é porco, ao invés das Histórias. Como a poesia que há no fim ordinário de Cersei e Jaime, poucas conclusões são boas.

Em contrapartida, Game of Thrones contraria a sua própria natureza, o seu próprio espírito de dragão, preferindo terminar em notas sucessivamente positivas que usar do passado, usar das histórias, como motivações para o presente ser o presente. Que fosse belo o término, mas não passivo quanto o apresentado, sem provocar. O arco da Arya é resolvido terrivelmente – esqueceram das máscaras até -, pois a personagem abruptamente desiste de sua vingança contra Cersei Lannister. Porém, a nostalgia é o que importa, visto que uma pequena mudança poderia ter tornado tanto a sua jornada mais crível quanto a do Cão de Caça (Rory McCann). Mas os roteiristas preferem concretizar o “Cleganebowl” da maneira mais previsível possível. E se o personagem, que se arrisca para salvar a garota anteriormente em The Long Night, sacrificasse a sua vingança, ansiada por tanto tempo, para proteger a menina? Ora, seria isso um arco de personagem melhor estruturado? É um pouco estranho quando uma das jornadas mais coerentes é a de Davos Seaworth (Liam Cunningham), que passa a corrigir gramática e antes era analfabeto.

“Se você acha que isso terá um final feliz, você não estava prestando atenção”

“Se você acha que isso terá um final feliz, você não estava prestando atenção”, comentava Ramsay na terceira temporada. Pois parece que nem isso a série respeitou. Como Ramsay, Joffrey, Cersei e outros monstros, um último, transformado em antagonista aos quarenta e cinco do segundo tempo, também morreu, embora tragicamente. Os “vilões” se foram, consequentemente. Quando Daenerys enfim ressurge no último episódio, ressurge como uma antagonista, não mais uma protagonista que se perdeu. Os seus trajes progressivamente vão do branco, no primeiro episódio, para o preto. David Benioff e D. B. Weiss acreditam que apenas isso bastaria para transformar um encerramento em amargo, mas não. É até bastante caricato, embora coerente dentro dos objetivos até então intencionados. Passa um tempo, contudo, e uma eleição elege o melhor candidato possível para ser Rei dos Sete Reinos. Sansa é eleita Rainha do Norte, para encerrar perfeitamente a sua jornada de empoderamento – uma das únicas que a série realmente respeita. O clima de destruição morre. O clima de desamparo se vai. O clima de dúvida não existe.

Uma perdição geográfica era substituída por uma perdição espiritual em Lost, resolvendo o seu fim ao resolver o seu propósito. Game of Thrones quer ser uma boa história, mas não consegue, porque, antes de tudo, não consegue reorganizar suas intenções diante do impasse que foi a perda de um material fonte. O que o seriado vai ser? O Trono de Ferro queima como símbolo da derrota de Daenerys, a sua obsessão em ser Rainha e salvar os outros, às vezes de si mesmos. É esse nível mais intimista que a temporada se importa verdadeiramente. Não em uma discussão política sobre reinvenção da roda, que entra em meandros expressivos de trama e que são com pressa explorados, pessimamente. A mudança do sistema governamental, pontuada na cena posterior, é completamente destoante e até desnecessária para o que se propôs. Inconsistente, restam as imagens que perduram no imaginário, de uma das séries mais bem filmadas em anos. Faltou um casamento, mas o oposto daquele vermelho. Um mais esperançoso, como é a entrada de Jon em terras antes perigosas, acompanhado por pessoas antes selvagens.  O medo e o mágico se foram.

E todos viveram felizes para sempre. Fim.

Game of Thrones – 8ª Temporada (Idem, EUA – 2019)
Showrunners: David Benioff, D.B. Weiss
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Peter Dinklage, Nikolaj Coster-Waldau, Lena Headey, Emilia Clarke, Kit Harington, Sophie Turner, Maisie Williams, Liam Cunningham, Alfie Allen, Nathalie Emmanuel, Gwendoline Christie, John Bradley, Isaac Hempstead, Rory McCann, Conleth Hill, Carice van Houten, Kristofer Hivju, Hannah Murray, Jerome Flynn, Joe Dempsie, Iain Glen, Pilou Asbæk, Richard Dormer, Ben Crompton, Hafþór Júlíus Björnsson, Jacob Anderson, Daniel Portman, Anton Lesser, Tobias Menzies, Bella Ramsey, Staz Nair, Lino Facioli, Rupert Vansittart, Gemma Whelan, Vladimir Furdik, Marc Rissmann
Duração: 6 episódios com 50 a 80 min.

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