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Crítica | Gêmeas, de Nelson Rodrigues

Um conto sobre reafirmação da masculinidade diante do estranhamento entre duas gêmeas rivalizadas pela paixão.

por Leonardo Campos
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Paixão, morte, traições, desejos. Eis algumas das palavras-chave do universo criado por Nelson Rodrigues em sua escrita que flertou com o teatro, a crônica e o conto. Apontado como misógino, conservador e outras tantas alcunhas recebidas ao longo de sua jornada, o autor em questão é um dos grandes nomes de nossa memória cultural do século XX, conhecido por ter inaugurado e consolidado determinados aspectos do modernismo brasileiro. Inserido em coletâneas, Gêmeas traz em seu desenvolvimento o lado estranho deste fenômeno, com um protagonista fascinado, mas ao mesmo, assombrado e excitado, com a semelhança entre as irmãs Iara e Marilena. Ao começar a namorar uma delas, ele tem a sensação de estar “noivo de duas”, como se estivesse diante de uma garota e da sua imagem no espelho.

Osmar, o personagem em questão, inicia o relacionamento com uma delas. Conhece as suas peculiaridades e começa a projetar a sua necessidade de reafirmação da masculinidade no contato ambíguo que tem como as duas. Mas, isso não terminará bem, pois estabelecido o estranhamento, um espiral de desconfiança, ciúmes e enfrentamentos vai culminar numa terrível cena de assassinato envolvendo uma tesoura e muito sangue, tragédia sem precedentes para os personagens, num conto sobre os dilemas morais em consonância com o lado racional da moralidade, temas caros no universo literário de Nelson Rodrigues.

Sem saber lidar na dosagem entre o moralismo vigente em sua sociedade e a paixão avassaladora diante das irmãs que digladiam por sua atenção, Osmar afunda vertiginosamente ao longo do conto de estrutura breve, mas muito incisiva. Fruto da mente de um autor conhecido pelo seu binarismo diante da recepção crítica, isto é, rejeição ou adesão, Gêmeas deflagra os tópicos temáticos comuns ao que Nelson Rodrigues propôs desde sempre: loucura, frustração, culpa, punição, além da existência como uma espécie de aventura apocalíptica, numa escrita que também nos permite compreender o seu contexto de produção, o território carioca dos anos 1950, suas falas, descrições de hábitos dos subúrbios, bem como os anseios da classe média.

Em seus dez anos como colunista do jornal carioca A Última Hora, Nelson Rodrigues publicou mais de duas mil histórias, tendo paixão e morte como dois de seus principais temas. Nesta ambivalência, inseriu-se também o adultério, em contos que integram hoje a coletânea A Vida Como Ela É, tendo inspirado uma série de TV exibida aos domingos na Rede Globo e alguns filmes, alguns deles ineficientes em suas traduções das atmosferas rodrigueanas para o suporte cinematográfico. Andrucha Waddington, em 1999, ao emular o estilo de Alfred Hitchcock e importar uma equipe técnica assertiva, apresentou uma versão intrigante de Gêmeas, conto analisado aqui em nosso texto. Não é um dos melhores da coletânea em suas especificidades narrativas, mas traz uma temática bastante curiosa e envolvente.

Gêmeas — Brasil, 1961
Autor: Nelson Rodrigues
Editora: Nova Fronteira
04 páginas

 

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