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Crítica | Gideon Falls – Vol. 1: O Celeiro Negro

Duas histórias paralelas, um assustador celeiro em comum.

por Ritter Fan
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Lembro-me de Jeff Lemire basicamente em seu começo de carreira, escrevendo Sweet Tooth para a Vertigo Comics. Era um nome ainda pouco conhecido, de certa forma indie, que aparecia aqui e ali somente, mas, de repente, quase que como em um passe de mágica e ainda em meio à publicação da saga de Gus e Jepperd por um mundo pós-apocalíptico, o roteirista passou a ser onipresente, escrevendo histórias mainstream para as duas principais editoras americanas, com a mesma velocidade que criava títulos autorais para outras editoras, algo que ele continua até hoje fazendo. Sua parceria com o artista italiano Andrea Sorrentino chega a ser lendária, com O Velho Logan de um lado e, de outro, as HQs do Arqueiro Verde. Gideon Falls reúne os dois novamente, desta vez na Image Comics, e escrevendo uma história sobrenatural de horror, o que deveria ser suficiente para atrair a atenção de qualquer leitor de quadrinhos.

O Celeiro Negro, primeiro arco da razoavelmente curta série de apenas 27 edições, nos apresenta ao mistério por intermédio de duas histórias paralelas, uma urbana e outra rural, ambas girando ao redor de visões assustadoras e infernais sobre a construção do título, sem que, porém, Lemire oferece qualquer tipo de resposta ou até direção. É, para todos os efeitos narrativos, apenas a apresentação de uma premissa, de uma ideia, o que pode ser um tantinho quanto decepcionante se o leitor não estiver com muita paciência. Afinal, temos que considerar que muito pouco acontece nestas seis primeiras edições que compõem o arco, algo que é ainda mais salientado pelo razoável desequilíbrio que existe entre as histórias paralelas, com a urbana sendo quase que completamente críptica e pouco desenvolvimento de personagens e a rural mostrando mais promessas tanto em termos de personagens quanto de ação.

A narrativa urbana – e voltada à mente – tem Norton Sinclair como personagem central. Usando o tempo todo uma hoje tão comum máscara cirúrgica e procurando “artefatos” – normalmente pregos velhos e retorcidos – no lixo da cidade e guardando-os e catalogando-os em seu apartamento que ele chama de “laboratório”, o jovem já esteve internado em hospital psiquiátrico e, agora, é tratado pela Dra. Xu, que se preocupa com sua obsessão por esses objetos aparentemente sem sentido. Ele tem visões do tal Celeiro Negro e isso, de certa forma, “contamina” a psiquiatra, que também passa a ver o fantasmagórico edifício e, como seu paciente, passando a ficar estranhamente atraído por ele.

A narrativa rural – e voltada ao religioso – lida com o padre Wilfred Quinn, recém-chegado à paróquia de Gideon Falls em substituição ao padre Tom, que morrera duas semanas antes. Assumindo o cargo muito a contragosto por ordem do bispo cujo rosto nunca vemos, não demora nada e ele tem uma visão do Celeiro Negro também, além do próprio padre Tom, encontrando o corpo de uma mulher que conhecera logo em sua chegada ali, o que o envolve com a polícia e, depois, com um homem que vive a vida atrás da edificação e que se diz parte de um grupo centenário batizado de Lavradores que tem justamente esse objetivo.

É interessante como, com exceção do Celeiro Negro e a contraposição entre psiquiatria e religiosidade, não há nenhuma convergência entre as narrativas, que permanecem apenas paralelas até o final do arco, sem apontar para um emaranhamento. A preocupação de Lemire é estender seu “tapete narrativo” para capturar a imaginação do leitor, algo que ele só realmente consegue fazer graças à inegavelmente incrível arte de Sorrentino que, sem as amarras de editoras mainstream, põe-se a trabalhar não apenas com seus conhecidos e espetaculares quadros que fogem à estrutura comum, como com imagens sobrenaturais e surreais, sem rédeas, mas sempre mantendo seu estilo com um traço mais cru, quase inacabado, que empresta à história uma atmosfera pesada, entristecida, sem saída.

No entanto, a combinação entre o texto críptico de Lemire e a arte “solta” de Sorrentino cria uma sensação de forma sobre substância que por vezes até é capaz de confundir o leitor e torna a leitura do arco algo que exige talvez um pouco mais de boa vontade do que o normal. Todo o objetivo é trabalhar o mistério, intensificando-o aos poucos, mas há pouca narrativa para muita informação visual que parece existir apenas “porque sim”. Mas não se enganem: a arte é belíssima e merece exploração cuidadosa pelo leitor. Apenas creio que o trabalho de Sorrentino esteja ali para embelezar o vazio, por assim dizer, o que não é o fim do mundo, claro, mas que revela que, pelo menos aqui neste começo – não li os demais arcos ainda, só para ficar claro – Lemire não tinha muito a dizer ou pelo menos não queria dizer muita coisa.

Mesmo assim, Gideon Falls intriga o suficiente para acender a curiosidade do leitor, com uma arte deslumbrante que oferece beleza em meio a todo o horror sobrenatural e surreal que vemos. Se Lemire enxertar o equivalente em desenvolvimento narrativo nos vindouros arcos, a série tem tudo para ser memorável.

Gideon Falls – Vol. 1: O Celeiro Negro (Gideon Falls – Vol. 1: The Black Barn)
Contendo: Gideon Falls #1 a 6
Roteiro: Jeff Lemire
Arte: Andrea Sorrentino
Cores: Dave Stewart
Letras: Steve Wands
Editoria: Will Dennis
Editora original: Image Comics
Data original de publicação: março a agosto de 2018
Editora no Brasil: Editora Mino
Data de publicação no Brasil: novembro de 2018
Páginas: 150

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