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Crítica | Girlboss – 1ª Temporada

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Quando falamos de séries de comédia, é bastante comum termos protagonistas de personalidade passiva, facilmente relacionáveis e quem realmente se destaca são os coadjuvantes – assim é o caso em How I Met Your Mother (Ted), The Big Bang Theory (Leonard), That 70’s Show (Eric), dentre dezenas de outras, com os Sheldons e Barneys sempre roubando a atenção, enquanto que os personagens principais funcionam como o ponto de aproximação com o público. Esse não é o caso de Girlboss que, ainda que não seja exatamente uma sitcom, foge dos padrões a que estamos acostumados, trabalhando com uma protagonista extremamente difícil de se lidar e é justamente isso o que imediatamente faz da série uma obra tão relevante.

A trama acompanha Sophia (Britt Robertson), uma jovem de vinte e dois anos revoltada com o mundo, que se recusa a fazer parte do sistema que obriga as pessoas a crescerem, arranjarem um emprego e morrerem (muitas vezes enquanto o exercem). Após perder o seu próprio trabalho, em razão de um surto de revolta com sua chefe, ela decide vender uma jaqueta vintage que acabara de comprar no Ebay. Para sua surpresa e a de todos, ela recebe ofertas acima do triplo do valor que pagou e, com isso, vem a epifania: a de criar uma loja virtual própria de roupas vintage. Durante os treze capítulos da série, portanto, nós a vemos lidando com seu negócio, enquanto precisa organizar sua própria vida pessoal.

Girlboss já se diferencia da grande maioria das comédias televisivas pela sua estrutura. Ao não se prender em uma estrutura procedural, a showrunner Kay Cannon, pode trabalhar sua narrativa de forma progressiva, com um evento levando ao outro. Claro que, sob um olhar superficial, o seriado chega a parecer com se cada episódio fosse separado um do outro, trazendo novas situações a cada capítulo, mas é importante notar como um ponto leva ao outro, de forma que não podemos simplesmente pular qualquer um deles. É justamente essa questão que nos faz continuar assistindo, como se fôssemos obrigados a fazer o chamado binge watch, além, é claro, dos bem inseridos cliffhangers que, surpreendentemente, não soam forçados, como é o caso de muitas obras por aí.

A identificação com o espectador vem, portanto, do próprio objetivo de Sophia. Embora ela seja uma pessoa muito difícil de se lidar, uma verdadeira Nasty Gal, o que ela almeja dialoga com todos nós: é a busca pelos sonhos, a vontade de fazermos o que queremos e não somente o que esperam de nós. Com isso em mente, é fácil enxergar a crucialidade da história se passar em 2007/8, período em que a Internet já estava mais que estabelecida, mas ainda não tão fácil de se abrir um negócio prolífico (antes da era dos Youtubers, embora o site já existisse desde 2005). Sophia, então, é a vanguarda, é a voz dos jovens que decidem fugir dos empregos de escritório que sugam suas almas até a velhice e, acima de tudo, é a busca pela sua própria identidade.

Além disso, é preciso reconhecer que estamos falando de uma protagonista feminina, a woman in a men’s world, como diz o ditado e o seriado funciona como a necessária mensagem de que as mulheres podem, sim, criar seus negócios do zero, serem bem sucedidas por conta própria, não tendo que depender de pai, marido, namorado ou afins. De início, já vemos a protagonista fugindo desse “padrão” de nossa sociedade, reforçando sua individualidade. Esse discurso se mantém por toda a série, mas também ressaltando que ela não pode viver sozinha, refutando o individualismo e o egocentrismo tão presente em sua personalidade dos capítulos iniciais. Fica fácil, portanto, enxergar como Sophie cresce como pessoa durante a série – em sua fuga da vida adulta, ironicamente, ela se torna uma pessoa mais madura, aprendendo a lidar não só com negócios, como com as pessoas em si.

Isso não quer dizer, porém, que a temporada seja perfeita. Por vezes os enredos se apoiam demais no romance entre ela e Shane (Johnny Simmons), fugindo do objetivo principal, enquanto torcemos para que tudo volte à sua gestão e às loucuras. A verdade é que a forma como o relacionamento dos dois é construído foge um pouco à personalidade de Sophie, ainda que, claramente, ela se aproxime dele em virtude de sua ligação problemática com o pai. Felizmente, os episódios finais trazem belas surpresas, garantindo o tom cíclico da temporada, retomando o começo, mas demonstrando como tudo evoluíra desde então – algo mais do que necessário, já que tudo se passa em um período de dois anos.

Por meio da excepcional montagem de Brian Merken e Stacey Schroeder, todo esse tempo passa como se o intervalo fosse de poucos dias, a fim de transmitir a sensação de correria, mergulhando-nos na mente da personagem, em como ela se sente naquele turbilhão de acontecimentos. Essa dinâmica edição transforma cada capítulo em experiências verdadeiramente cinéticas, algo melhorado pela direção dos capítulos que não se apoia nos velhos planos e contra-planos muito comuns à produções humorísticas. É de se notar a criatividade por trás de cada episódio, como as ótimas representações físicas do espaço virtual. Elementos como esse fornecem a constante sensação de renovação em Girlboss, aumentando a vontade, já citada, de se maratonar a temporada. Aliás, os figurinistas merecem parabéns por montar visuais diferenciados da protagonista que sempre se encaixam com sua persona.

Evidente que Britt Robertson é essencial para toda essa construção. Há uma grande naturalidade em sua representação, a tal ponto que acreditamos em seu modo de ser. Por mais que detestemos algumas de suas atitudes, aos poucos vamos nos aproximando da personagem em razão de sua autenticidade. Ao seu lado, temos Ellie Reed como sua melhor amiga, Annie, contando com evidente química com a protagonista e tornando a amizade clara como o dia desde os primeiros minutos de exibição.

Girlboss, portanto, não nos força a gostar de sua protagonista, não torna tudo fácil e mastigado para nos aproximarmos dela e, justamente por isso, passamos, com o tempo, a nos relacionar mais fortemente com ela. Por mais que seja baseada no livro de Sophia Amoruso (que, por sua vez, baseou-se em história real), sabemos que não é unicamente em virtude do texto que enxergamos a protagonista como alguém que realmente pode existir. O mérito disso vai para toda a construção da série, que nos mergulha nessa narrativa dinâmica, que não para a qualquer momento. Enfim, a Netflix acerta novamente. Ganhamos mais uma série de comédia que foge dos padrões, assim como Sophie foge daquilo que a sociedade dita para todos os jovens de sua idade.

Girlboss – 1ª Temporada (EUA, 2017)
Showrunner:
Kay Cannon
Direção: Christian Ditter, Steven Tsuchida, John Riggi, Amanda Brotchie, Jamie Babbit
Roteiro: Kay Cannon, Caroline Williams, Sonny Lee, Eben Russell, Jake Fogelnest, Joanna Calo, Jen Braeden
Elenco: Britt Robertson, Ellie Reed, Johnny Simmons,  Alphonso McAuley,  RuPaul, Dean Norris, Jim Rash, Amanda Rea, Rebecca Krasny, Melanie Lynskey
Duração: 13 episódios de aprox. 26 min. cada.

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