Home FilmesCríticas Crítica | Glass Onion: Um Mistério Knives Out

Crítica | Glass Onion: Um Mistério Knives Out

Um whodunnit veloz e furioso.

por Ritter Fan
6,9K views

No começo de 2021, o Netflix anunciou que investiria nada menos do que estratosféricos 450 milhões de dólares para adquirir os direitos sobre duas continuações de Entre Facas e Segredos (Knives Out), bancar os custos de produção e, claro, as essenciais contratações de Rian Jonhson para dirigir e escrever os roteiros e de Daniel Craig para viver o extravagante detetive particular Benoit Blanc. Considerando que o primeiro longa, lançado em 2019, foi um sucesso absoluto de bilheteria, fazendo quase 313 milhões de dólares a partir de um orçamento de “meros” 40 milhões, a altíssima aposta do serviço de streaming faz pleno sentido e Glass Onion é o primeiro resultado desse generoso derramamento de dinheiro.

Em termos de estrutura geral, o segundo filme da agora franquia é uma repetição, com todos os exageros hollywoodianos de rigueur, do primeiro, começando pelo eclético elenco estelar composto de nomes como Edward Norton, Janelle Monáe, Kathryn Hahn, Kate Hudson e Dave Bautista, passando pelo uso de ambiente confinado em que um assassinato misterioso acontece e que o detetive particular, cuja presença é inadvertida mais uma vez, precisa então resolver com a ajuda de uma pródiga quantidade de flashbacks. É, resumindo, outro whodunnit no melhor estilo de Agatha Christie, mas com orçamento infinito que permite, por exemplo, que a história se passe em uma ilha do arquipélago grego onde o bilionário da tecnologia Miles Bron (Norton em uma afetadíssima, mas ótima performance que, não sem querer, evoca nomes como Howard Hughes, Jeff Bezos, Elon Musk e outras figuras semelhantes do mundo real) tem uma gigantesca mansão com um surreal píer de vidro que emerge do mar e uma ainda mais surreal “cebola de vidro” em seu centro que funciona como seu escritório.

Para catalisar a história, Jonhson se vale de uma absolutamente frenética, mas também muito eficiente montagem inicial em que uma misteriosa caixa de madeira sem fechos óbvios é recebida por um seleto grupo de pessoas que, em seguida, partem para abri-las em conjunto e descobrir que tudo não passa de um elaboradíssimo convite de Miles Bron para que eles passem um final de semana na tal “ilha da fantasia” para resolver o mistério de seu próprio assassinato. Ou seja, em uma tacada só, o diretor consegue apresentar o elenco principal e suas mais marcantes características, além de indiretamente deixar bem clara a impressão inicial sobre a personalidade esquisita de Bron, supostamente um gênio revolucionário.

O que vem daí, então, é uma infinidade de situações que se esforçam demais para subverter o whodunit tradicional, mas tudo o que conseguem fazer, no frigir dos ovos, é criar uma monumental fadiga audiovisual pelos descomedimentos que Rian Johnson põe em tela, sejam os pequenos detalhes como as diversas pontas ilustres salpicadas por toda a projeção – minhas favoritas são a de Serena Williams como uma personal trainer virtual disponível 24 horas na academia de Miles e a de Joseph Gordon-Levitt fazendo somente o “DONG” que ressoa pela ilha de Miles marcando as horas -, seja pelos “momentos de revelação” que acontecem na base de pelo menos um a cada 10 minutos e que, claro, acabam se diluindo e se sabotando, ou mesmo pela sequência climática que até pode ser explosiva na literalidade, mas que não passa de uma pouco inspirada maneira de encerrar o longa. Glass Onion, diria sem pestanejar, é o Velozes e Furiosos dos whodunits e isso, só para ficar bem claro caso alguém tenha alguma dúvida, não é algo positivo…

Justiça seja feita, porém, tenho que reconhecer que Glass Onion tem seus diferenciais em relação à franquia automobilística. E o primeiro deles é que Johnson dirige muito bem e tem um comando excelente das composições visuais necessárias para lidar com um elenco tão vasto em uma ambientação que é tão confinada quanto grande. Seu trabalho atrás das câmeras consegue extrair performances decentes mesmo de atores que não são exatamente atores como Dave Bautista que, aqui, vive Duke Cody, um influencer “macho para machos” que anda com pistola na cintura mesmo quando está nadando de sunga na piscina e entrega uma atuação muito divertida. No caso de atores de verdade, como Norton, Craig e Monaé, por seu turno, Johnson sabe dar espaço para que eles brilhem, mesmo que esses brilhos sejam construídos a partir de personagens repletos de trejeitos, tiques e manias que competem um com o outro por atenção.

Outro diferencial é que o design de produção é primoroso com todos os exageros requeridos pelo roteiro. A desnorteadora mansão de Bron, claro, é o grande destaque, seja pela geografia labiríntica, seja pela onipresença da escadaria de entrada que remete às entradas de nababescos templos antigos, mas ele não é o único, já que os figurinos equalizados cirurgicamente para a personalidade de cada personagem quase valem, sozinhos, o preço do ingresso, seja a “roupa de mergulho” de Blanc, sejam os vestidos da ex-supermodelo transformada em designer de moda Birdie Jay (Hudson) ou, claro, a sunga com coldre de Cody.

No entanto, mesmo tendo muito para apreciar isoladamente, Glass Onion, no fundo, é o exagero pelo exagero, chegando a ser a irônica materialização daquilo que o próprio roteiro critica, ou seja, a vida desregrada dos super ricos que prezam por sua imagem e não muito mais do que isso. O segundo Knives Out é um longa que existe unicamente pela combinação de seu visual com um elenco variado vivendo personagens estereotipados correndo de um lado para o outro em uma história que funciona em espasmos de criatividade intercalados por momentos expositivos que acabam cansando ou situações que não trazem absolutamente nada para a narrativa como é a curiosa escolha de situar temporalmente o longa no começo da pandemia de COVID-19, somente para isso ser defenestrado minutos depois com uma vacina mágica. Não é exatamente apenas mais do mesmo no estilo hollywoodiano de se fazer mais do mesmo, pois Glass Onion e Entre Facas e Segredos são obras bem diferentes quando olhamos além de sua estrutura macro, mas, talvez justamente por isso, ele acabe não funcionando tão bem quanto seu antecessor.

Glass Onion: Um Mistério Knives Out (Glass Onion: A Knives Out Mystery – EUA, 23 de dezembro de 2022)
Direção: Rian Johnson
Roteiro: Rian Johnson
Elenco: Daniel Craig, Edward Norton, Janelle Monáe, Kathryn Hahn, Leslie Odom Jr., Kate Hudson, Dave Bautista, Jessica Henwick, Madelyn Cline, Noah Segan, Jackie Hoffman, Dallas Roberts, Ethan Hawke, Hugh Grant, Joseph Gordon-Levitt, Stephen Sondheim, Angela Lansbury, Natasha Lyonne, Kareem Abdul-Jabbar, Jake Tapper, Serena Williams
Duração: 140 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais