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Crítica | Godzilla (1998)

por Luiz Santiago
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Escrever sobre “clássicos da infância” é uma das tarefas mais penosas que existem. A memória afetiva para cinema nos prega peças e nos confunde bastante, atribuindo valores impossíveis a descaradas incorreções de produção e direção, algo que podemos ver em grande estilo neste Godzilla de Roland Emmerich, longa que tive a oportunidade de ver no cinema, aos 11 anos de idade. Ao rever a obra, 16 anos depois, não pude deixar de rir e carinhosamente recordar-me de coisas que há muito tempo me fizeram encolher-me na cadeira do cinema e torcer para um elenco bem incomum correndo de um lagartão ensandecido em Nova York e de Baby Zillas recém-nascidos e… famintos.

A produção de um Godzilla comercial americano e com gordo orçamento já era sonho de produtores da Terra do Tio Sam desde a década de 1980*, quando a Toho (produtora japonesa responsável pela franquia) vendeu os direitos para uma realização nipônico-americana, lançada em 1985 e com um título bem óbvio, considerando as circunstâncias: Godzilla 1985. O assunto voltou à tona 7 anos mais tarde, quando a TriStar Pictures adquiriu da Toho os direitos para a produção de uma trilogia baseada na história do lagarto atômico. O período de 1992 a 1997 foi marcado por um grande número de discussões e dúvidas sobre quem deveria assumir a cadeira de direção e qual projeto (haviam várias propostas) deveria ganhar a disputa. A poeira começou a abaixar quando Dean Devlin entrou na roda de discussões e sugeriu um nome que, à época, era assunto da vez em Hollywood por conta de Independence Day (1996): Roland Emmerich.

Parecia uma ótima ideia que a mesma dupla responsável por um filme do porte de Independence Day pudesse pegar o lagartão pré-histórico e levá-lo para terras americanas. A TriStar deu o aval e as produções começaram sob os olhares ansiosos da mídia. Em 18 de maio de 1998, o Godzilla de Roland Emmerich estreava em Nova York. Apesar do hype, o filme quase não se pagou e desde muito cedo dividiu o público e foi metralhado pela maioria dos críticos. Com o passar dos anos, o ódio em relação à obra cresceu e incoerências de grande porte foram levantadas pela fanbase da franquia original, a ponto de a Toho se sentir obrigada a renomear a criatura do filme para ZILLA (isso mesmo, sem o poderoso “GOD” no começo), uma espécie-parente do Gojira. O estúdio japonês justificou a reclassificação aludindo questões relacionadas à adaptação; de fato, o filme e Emmerich não segue a mitologia de origem do Godzilla de 1954.

Mas, afinal, o que há de tão errado com o Zilla de Roland Emmerich?

A história começa de maneira genial, convenhamos. Os créditos de abertura fogem da ideia original de Ishirô Honda, mas são bem feitos e criam um princípio que aponta para os tão famosos testes nucleares que acordaram o lagartão que vimos no filme de 1954. A diferença é que o monstro de Emmerich não pré-existia aos testes, ele sofreu mutação ainda no ovo, devido à forte onda radioativa oriunda das operações nucleares francesas no Pacífico. Dado esse início, o espectador tem em mente a ideia de uma geração diferente de lagarto atômico, mas que apontava, ao menos sutilmente, para o personagem clássico, coisa que não acontece no decorrer das mais de duas horas de projeção que se seguem.

Há quem diga que o insucesso da obra foi devido ao “foco humano”, o que é apenas uma meia verdade. Quem conhece o filme original ou algumas obras da franquia Godzilla sabe muito bem que o fator humano é de grande importância para o desenvolvimento da história de qualquer fita kaiju até porque servem como “lado oposto” ou “em conflito” de ordem biológica ou moral em relação ao monstro. O que pesa no roteiro desse Zilla é o exagero de importância dada os humanos. O lagartão aqui parece mais um coadjuvante em seu próprio filme, perdendo espaço para sequências emotivas, românticas e de apelo nacionalista que nada acrescentam à história e vão subtraindo, pouco a pouco, a qualidade que a fita poderia ter. Tal impacto negativo cresce ainda mais quando a escalação do elenco é uma das mais errôneas já vistas em um filme desse porte.

Da carinha de bebê de Matthew Broderick, cuja personagem ocupa um cargo importantíssimo para alguém de sua idade; até um lado do roteiro que cria um pseudo-badass-miliar-francês como Jean Reno, temos uma completa bagunça de atores com presença questionável na tela, algo que não sabemos direito ao que atribuir, se à incapacidade dos atores; se ao horrendo tom que o roteiro dá às suas personagens, ou à fraca direção de Roland Emmerich. Se a escolha for essa última alternativa, teremos que abrir espaço para uma série de exceções, porque mesmo que Godzilla não seja um bom filme e tenha um grande número de erros, há uma atmosfera estabelecida que consegue talvez milagrosamente nos segurar sem muita dificuldade, e isso certamente é mérito da direção.

Num outro ponto, podemos também contar com o incoerente tom de comédia que o personagem de Matthew Broderick (principal mas não unicamente) tem no filme. O espectador fica até confuso em relação ao que sentir no decorrer da projeção, se ri, se fica nervoso, se fica tenso, se torce para os personagens sobreviverem ou morrerem aos ataques. É possibilidade demais para uma tragédia que deveria ter uma linha mais sóbria e singular de possibilidades, focando mais na exploração da tensão, suspense e expectativa do que no romance, nas gracinhas ou no ambiente midiático insosso que toma conta do texto. O público aproveitaria melhor o filme se o ambiente científico e não cotidiano (tentativa pouco louvável de aproximar a tragédia do espectador o máximo possível) se estabelecesse como trilha principal. E claro, a partir daí, o Zilla ganhasse destaque em detrimento dos humanos e não o contrário.

A obra ainda nos traz uma vergonhosa criação, os Baby Zillas. Lembro-me bem que quando criança adorei e temi a possibilidade de filhotes do lagartão existirem, mas hoje não consigo comprar ou ao menos aceitar a ideia. A base do enredo era tão fraca, que foi necessário inventar um fator de reprodução assexuada e advinda da maternidade para impulsionar a trilogia! Imagine só o leitor se o filme vingasse e tivéssemos mais duas fitas com bebês atômicos que nascem prenhes! É nonsense demais até para um filme derivado de um subgênero cinematográfico nonsense!

Embora a sessão de Godzilla não seja de todo desprezível, pouco se salva do filme. Particularmente gosto da opção de cores frias e ambientes escuros para a maior parte da projeção, em contraposição a um início entre o sépia e o verde. Dá a impressão de contaminação progressiva, o que foi uma ideia visual interessante. Também não vejo o mar de absurdos em relação aos efeitos especiais, principalmente porque estamos falando de um filme de 1998. O que incomoda bastante no setor visual é o vício fotográfico de closes no lagartão sempre nos mesmos planos e ângulos, algo que enjoa depois das primeiras sequências. Também destaca-se a ridícula apresentação dos ovos (imitação vergonhosa do visual de Alien) e o nada convincente momento de investigação mostrado em montagem paralela, com a equipe do Dr. Niko Tatopoulos de um lado e Victor ‘Animal’ Palotti e  Audrey Timmonds de outro. Citamos ainda a aparência de ficção científica espacial na ação dos aviões das Forças Armadas atirando no Zilla e errando pelo menos 94,5% dos tiros.

Sobra-nos a emoção de vermos o lagartão destruindo lugares importantes em Nova York — não tem como estragar totalmente essa parte da catástrofe quando se fala de Godzilla — e a introdução às ações do monstro, na primeira meia hora de projeção. De resto, vale dizer que a tentativa de Roland Emmerich em tornar icônico um Godzilla americano falhou grandiosamente, algo que minha criança interior, aos 11 anos de idade, não concorda nem um pouco..

* Note-se que eu me refiro apenas ao momento “mais recente” das produções americanas. Na verdade, a primeira versão americana de Godzilla data de 1956: Godzilla, o Monstro do Mar, uma produção nipônico-americana dirigida por Ishirô Honda e Terry O. Morse.

Godzilla (Estados Unidos, 1998)
Direção: Roland Emmerich
Roteiro: Dean Devlin, Roland Emmerich, Ted Elliott, Terry Rossio
Elenco: Matthew Broderick, Jean Reno, Maria Pitillo, Hank Azaria, Kevin Dunn, Michael Lerner, Harry Shearer, Arabella Field, Vicki Lewis, Doug Savant, Malcolm Danare.
Duração: 139 min.

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