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Crítica | Golpe de Mestre

por Ritter Fan
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Falecido em 2002 em razão de complicações derivadas do Mal de Parkinson, George Roy Hill não é normalmente citado em conversas entre fãs de Cinema. Cineasta americano que começou sua carreira no teatro, migrando para a televisão e, depois, para os longas, ele nunca foi um “homem dos holofotes”, mantendo sua vida pessoal consideravelmente privada e, talvez por isso, ele não seja comumente lembrado nem mesmo pelos críticos cinematográficos. No entanto, seu legado imediatamente levanta sobrancelhas de admiração, especialmente a célebre “dobradinha” estrelando Paul Newman e Robert Redford em 1969 e 1973: Butch Cassidy e Golpe de Mestre, com direito a uma adaptação do difícil romance Matadouro Cinco entre um e outro.

Além de compartilharem a mesma dupla principal, seus dois mais famosos filmes têm estrutura de obras de época com uma pegada leve, por vezes até cômica, mas com um extremo cuidado narrativo que as tornam atemporais. Mesmo que Butch Cassidy tenha um final em tese trágico, o espírito de aventura, de companheirismo e de joie de vivre permanece e isso é algo que é transplantado brilhantemente para Golpe de Mestre, um filme capaz de atravessar gerações absolutamente incólume, sendo facilmente uma daquelas obras que merecem ser revistas de tempos em tempos não por sua complexidade, mas pelo sentimento gostoso que ela deixa.

O roteiro de David S. Ward, em apenas seu segundo trabalho na indústria cinematográfica, executa maravilhosamente bem uma premissa simples em que uma dupla de golpistas – o veterano Henry Gondorff (Newman) e o mais iniciante Johnny Hooker (Redford) – se junta para aplicar um gigantesco golpe em cima do chefão do crime Doyle Lonnegan (Robert Shaw que se machucou semanas antes da filmagem e teve seu andar manco incorporado ao personagem). Ward baseou-se de longe na vida de dois irmãos golpistas (Fred e Charley Gondorff), conforme a biografia escrita por David Maurer (não creditado, nem autorizado, o que levou a uma ação judicial), mas o que ele extraiu da obra foi só mesmo o sobrenome do personagem de Newman e o conceito de um complicado golpe cheio de partes móveis que seu roteiro torna fluido e muito bem concatenado desde a motivação de vingança que Hooker tem, passando pelo enquadramento de Gondorff com um ex-golpista em fuga do FBI, até as tensas sequências que fazem parte da jogada inacreditável que toma grande parte da projeção.

Um roteiro desse naipe, porém, jamais funcionaria sem um diretor cuidadoso comandando tudo e George Roy Hill mostra-se mais do que competente em colocar nas telonas uma visualmente esplendorosa reconstrução de época que serve de pano de fundo para uma enorme quantidade de reviravoltas, talvez muitas previsíveis para o público cínico de hoje, mas todas – TODAS – perfeitamente concatenadas e lógicas dentro da estrutura proposta e que muito facilmente constroem tensão em sua execução e levam a sorrisos do espectador em seus desdobramentos. Desde os elaborados créditos de abertura e inter-títulos para separar os capítulos criados por Jaroslav Gebr, passando pelo uso da belíssima direção de arte de Henry Bumstead (Um Corpo que Cai, O Sol é para Todos), dos figurinos detalhados e variados de Edith Head (que ganhou nada menos do que seu oitavo e último Oscar por esse filme e foi homenageada em Os Incríveis como Edna Mode) e da fotografia de Robert L. Surtees (Ben-Hur, A Primeira Noite de um Homem), com uma paleta de cores marrom, mas sem nunca parecer pesada, cada fotograma respira anos 30 nos EUA, nos estertores da Grande Depressão.

O único elemento importante da obra que é deslocado temporalmente, apesar de encaixar-se perfeitamente, é o uso das magníficas composições de Scott Joplin, adaptadas por Mavin Hamlisch (que, diga-se de passagem, levou o Oscar de Melhor Trilha Sonora). Considerando que o compositor faleceu em 1917, com a era do ragtime já tendo passado em 1936, ano em que o filme se passa, a presença relevante de, por exemplo, The Entertainer na projeção como nada menos do que a música tema, pode causar estranhamentos aos mais atentos, mas a grande verdade é que assim como Golpe de Mestre é atemporal, as obras de Joplin também o são, ainda que, muito interessantemente, o filme tenha levado a um revival delas em plenos anos 70 sendo até complicado, hoje, lembrar que as músicas, em sua grande e relevante parte, não foram compostas especialmente para o filme.

Apesar de o elenco ser uniformemente muito azeitado, a grande verdade é que o show é, novamente, oriundo da interação e da química entre Redford e Newman. Curiosamente, o papel de Gondorff no filme era originalmente muito menor, com o personagem escrito como uma pessoa mais preguiçosa e fora de forma, algo que a escalação de Newman forçou uma alteração radical e que, ao que tudo indica, só beneficiou o resultado final. Redford e seu Johnny Hooker continuou sendo o protagonista, para todos os efeitos, mas as fagulhas que saem da cumplicidade entre os dois atores é que funcionam como a cola narrativa final para um filme que é tão agradável e, arrisco dizer, perfeito, que dá uma certa tristeza quando ele acaba. Mas é claro que não é razoável deixar de citar Shaw e sua marcante presença como outro ponto alto dramático, com seu personagem sendo em partes iguais ameaçador e bonachão, em uma atuação temperada desse grande ator.

E, assim, no intervalo de apenas quatro anos, George Roy Hill colocou nas telonas duas obras-primas cinematográficas que até hoje mantem-se intactas e atemporais. Mesmo que seu nome fique esquecido nas sombras de sua recusa em se beneficiar da fama, seu legado é realmente impressionante, com Golpe de Mestre sendo, sem dúvida alguma, o ponto alto de sua razoavelmente breve carreira.

Golpe de Mestre (The Sting, EUA – 1973)
Direção: George Roy Hill
Roteiro: David S. Ward
Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw, Robert Earl Jones, Charles Durning, Ray Walston, Eileen Brennan, Harold Gould, John Heffernan, Dana Elcar, Jack Kehoe, Dimitra Arliss, James J. Sloyan, Charles Dierkop, Lee Paul, Sally Kirkland
Duração: 129 min.

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