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Crítica | Grimm: Contos de Terror – A Série Completa

Uma reinterpretação ordinária.

por Kevin Rick
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Acabei de paraquedas em Grimm: Contos de Terror por conta da minha namorada, que adora séries procedurais, e me vi, muito honestamente, assistindo episódios e mais episódios repetitivos de uma produção com potencial, mas que acaba ficando no lugar comum. Quando estreou em 2011, a obra parecia ter em mãos uma premissa curiosa: misturar o formato procedural policial com elementos de fantasia sombria, explorando os contos dos irmãos Grimm como base para criaturas e mitologias urbanas. Ao longo de seis temporadas, porém, o que se viu foi muito mais próximo de um drama policial genérico com maquiagem fantástica do que uma reinvenção ousada dos mitos e contos de fadas. E isso, em essência, resume o problema central da série: ela nunca soube o que queria ser além de mais um “caso da semana” mascarado por wesen, feitiçaria e conspirações novelescas.

A primeira temporada já deixava claro esse dilema. Cada episódio girava em torno de um crime aparentemente comum em Portland que, ao ser investigado pelo detetive Nick Burkhardt (David Giuntoli), revelava-se ligado a uma criatura wesen. A estrutura é rígida e repetitiva, logo se tornando previsível: apresentação do caso, suspeito aparentemente inocente, transformação grotesca, confronto, prisão ou morte. O problema é que a série nunca escapou desse molde, mesmo quando tentava ampliar sua mitologia. O que deveria ser um universo rico em tradições, famílias de Grimm, sociedades secretas e conflitos ancestrais acabou reduzido a uma sequência de encontros casuais com monstros. E, convenhamos, era até cômico perceber que em Portland todo crime tinha alguma conexão com criaturas folclóricas, com aquele tipo de suspensão de descrença absurda.

Mais grave, porém, é que a mitologia interna de Grimm era construída de forma confusa e muitas vezes incoerente. Surgiam elementos que pareciam promissores, como o papel das chaves, a relação dos Grimm com a realeza europeia, a existência de sociedades secretas e armas míticas, mas eram abandonados, retomados sem explicação ou simplesmente dissolvidos no meio da trama. Há momentos que beiram o surreal, como a introdução de uma aparição fantasmagórica atormentando Sean Renard (Sasha Roiz) na última temporada, sem base narrativa sólida.

E aí entra outro problema: o melodrama. Se a parte fantástica não se sustentava, os roteiristas dobraram a aposta em reviravoltas dignas de novela. A transformação de Juliette em Eve (ambas interpretadas por Bitsie Tulloch), por exemplo, é um arco estranhíssimo e próximo da cartilha mexicana: da namorada doce do protagonista, a vilã vingativa, para depois ser “resetada” em uma nova persona. Do mesmo modo, a trajetória de Sean Renard, que vai de aliado dúbio a antagonista quase caricato, mostra como a série não tinha um plano consistente para seus personagens. Até mesmo o romance forçado entre Nick e Adalind (Claire Coffee), inimiga declarada nas primeiras temporadas, soa deslocado e incoerente, um artifício dramático barato para gerar choque no público. Essas escolhas não apenas traem os personagens como esvaziavam a seriedade que a série em muitos momentos tenta sustentar.

Nick, o protagonista, é talvez o maior símbolo das limitações da série. David Giuntoli até se esforça, mas seu personagem é insosso, sem carisma, sem grandes conflitos internos que o tornem memorável. Nick é mais um vetor para a narrativa do que um herói com vida própria. Isso pesa ainda mais quando se percebe que os coadjuvantes, como o hilário Monroe (Silas Weir Mitchell), sempre roubando cenas com sua mistura de sarcasmo e vulnerabilidade; a carismática e astuta Rosalee (Bree Turner); ou o leal sargento Wu (Reggie Lee), com seus momentos de tiradas cômicas e reações bem humoradas, eram muito mais interessantes de acompanhar. Neles, quando a série se permitia relaxar e flertar com o humor, surgia algo genuíno, talvez até satírico se os roteiros permitissem (tem um episódio em especial que o grupo principal toma uma poção do amor que é divertidíssimo). Com Hank (Russell Hornsby), o parceiro de Nick, também temos lampejos de camaradagem policial que dão certo fôlego à repetição dos episódios, mas é pouco e insuficiente para carregar seis temporadas.

No aspecto técnico, Grimm também sofre. Os efeitos visuais são limitados, com transformações wesen que raramente impressionam. O CGI datado, os cortes rápidos para mascarar a falta de fluidez, tudo denunciava a falta de recursos ou de imaginação para dar vida convincente às criaturas, sendo que nunca entendi porque a produção não apostou mais nos efeitos práticos. Mesmo a fotografia, que tentava criar um clima sombrio com ambientes escuros e florestas úmidas, acabava repetitiva e sem identidade. O resultado era uma estética que nunca convenceu como terror ou fantasia sombria, ficando sempre no meio-termo da TV procedural de orçamento contido.

E talvez o maior pecado da série seja justamente esse: não ousar. Ao usar os contos dos irmãos Grimm como inspiração, havia um campo vasto a explorar — versões subversivas, críticas sociais, um mergulho no horror psicológico, até mesmo uma exploração mais séria do simbolismo por trás das lendas. Mas Grimm nunca fez nada disso. Limitou-se a colar nomes e referências nos episódios, sem reinterpretar ou reinventar. No fim, era apenas uma fantasia urbana que fingia complexidade, mas entregava o mesmo de sempre com investigações policiais ruins com monstros e reviravoltas novelescas.

É verdade que, ao longo das seis temporadas, cria-se uma certa afeição pelos personagens. O público acompanha seus dramas, seus amores, suas dores. Há uma familiaridade que se constrói no convívio com uma série tão longa, e isso não pode ser negado. Mas esse vínculo vem mais do hábito de acompanhar semana após semana do que da força narrativa ou estética da obra. Quando chega a última temporada, com viagens a universos paralelos, ressurreições improváveis e um final que tenta ser épico mas soa confuso, o sentimento é de cansaço mais do que de catarse.

Grimm poderia ter sido uma série memorável ou pelo menos interessante dentro da televisão aberta, mesmo com suas limitações orçamentárias. Tinha material para isso. Mas preferiu se acomodar na fórmula do procedural policial, adornado com um verniz fantástico. O resultado é uma obra que não é necessariamente horrível a ponto de ser descartada, mas tampouco boa a ponto de ser lembrada com carinho. É apenas mais uma peça no imenso catálogo de séries medianas para ruins, aquelas que sobrevivem por tempo demais sem nunca encontrar uma verdadeira identidade. Uma série que prometia mergulhar nos contos de terror dos irmãos Grimm, mas terminou sendo apenas outro seriado esquecível.

Grimm: Contos de Terror | Grimm – EUA, 2011-2017
Criação e desenvolvimento: Stephen Carpenter, Jim Kouf, David Greenwalt (baseado nos contos dos Irmãos Grimm)
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: David Giuntoli, Russell Hornsby, Bitsie Tulloch, Jacqueline Toboni, Silas Weir Mitchell, Sasha Roiz, Reggie Lee, Bree Turner, Claire Coffee
Duração: aprox. 40-50 min. por episódio (123 episódios)

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