Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Grisbi, Ouro Maldito

Crítica | Grisbi, Ouro Maldito

por Michel Gutwilen
529 views

Na década de trinta, o francês Jean Gabin interpretava uma espécie de anti-herói galã em O Demônio da Argélia (1937). Dezessete anos depois, o seu personagem em Grisbi, Ouro Maldito, Max, está tentando entender sua relação com o mundo. Acima de tudo, este filme noir francês de Jacques Becker é sobre sentir o peso da idade, dentro do contexto do submundo do crime — me permitindo um anacronismo, quase como O Irlandês, só que sessenta anos antes. 

Ainda que certamente já tenha passado do seu tempo de ouro, o longa apresenta Max, um gangster cinquentão, com um certo charme e classe únicos. Respeitado por todos os comparsas e desejado por mulheres mais jovens, trata-se quase de uma figura mitológica. Após decidir que se aposentaria depois de seu último roubo, a ganância de outros homens em cima da grande quantia de ouro, acaba colocando ele e seu parceiro do crime, Riton (René Dary), em fuga, impedindo o tão sonhado descanso até que a situação seja resolvida. 

Por boa parte de Grisbi, Ouro Maldito, há uma eterna luta entre aceitar o envelhecimento e tentar ser um eterno garoto. Numa hora, Max está flertando com a secretária de um banco, enquanto o chefe não está olhando. Em outro momento, saboreia calmamente uma torrada com queijo, para depois botar eu pijama de dormir, em uma cerimônia quase ritualística da meia-idade. Até por isso, pode-se estranhar que, para um noir, no filme de Becker exista a sensação de que nada está acontecendo. Ao invés de trocas de tiro e perseguições, as preocupações do diretor estão mais em captar os pequenos gestos e a essência da classe de Max.

De mesmo modo, existe um enorme senso de limpeza e economia na maneira como toda a mise-en-scène é conduzida. Por exemplo, quando Max afirma para outro personagem encontrá-lo em um certo lugar, a montagem já parte imediatamente para aquela situação. Em relação a história, não há a sensação de tempo perdido, é tudo muito direto, sobrando espaço para o deleite desses pequenos prazeres citados anteriormente. Assim como o protagonista, a filmagem é austera e distanciada, tratando aquilo até com um certo desinteresse e sem fazer muita cerimônia. Afinal, é como se Becker emulasse a própria sensação do gangster, que já está cansado daquilo tudo e essa aventura é só mais um dia normal dentre os muitos que ele já viveu. 

Logo, conforme cada minuto de Grisbi, Ouro Maldito avança, é uma luta contra o próprio relógio da vida. Max vai cada vez mais entendendo que o seu tempo já passou, e que suas prioridades agora são outras. Justamente por isso, existe um senso de moralidade muito forte no roteiro, com a lealdade e a amizade sendo postas em conflito com a luxúria e a ganância. Como figuras opostas — e complementares — o roteiro trata de deixar claro, ao mesmo tempo que não faz julgamentos, que Max e Riton optam por caminhos completamente diferentes e que são essas escolhas que irão decidir o destino dos dois.

Por outro lado, e em sintonia com a maneira não glamourizada que Becker trata o estilo de vida do crime, há uma crueldade muito forte do roteiro com os personagens jovens. Todos eles sofrem destinos cruéis, reforçando o ponto de que ser gangster não é uma brincadeira de criança, mas um caminho sem volta para muitos. Só para exemplificar, temos o menino que é torturado, o capataz que morre na explosão do carro, as dançarinas que são maltratadas.

Aliás, todos esses acontecimentos que Max vai presenciando são como um grande aviso que o destino vai dando que, caso continue, ele poderá seguir o mesmo caminho. No fim, não é sobre se arrepender, mas entender que seu tempo já passou e que ter escolhido aquele tipo de vida traz suas consequências. Trata-se de dar adeus ao seu lado mítico que ajudou a construir através de suas histórias, optando por não contar os seus últimos feitos aos outros gangsters na mesa ao lado, deixando que eles especulem sozinhos. Porém, mantendo sua classe, ele bota uma música na caixa de som, e se prepara para curtir uma refeição com seu mais novo jovem amor, mostrando que, de certa forma, seu espírito jovem também é eterno.

Grisbi, Ouro Maldito (Touchez Pas aus Grisbi) – França, Itália. 1954
Direção: Jacques Becker
Roteiro: Jacques Becker, Albert Simonin, Maurice Griffe
Elenco: Jean Gabin, René Dary, Dora Doll, Vittorio Sanipoli, Marilyn Buferd, Gaby Basset, Paul Barge, Alain Bouvette, Daniel Cauchy, Denise Clair, Lino Ventura, Paul Frankeur, Jeanne Moreau
Duração: 95 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais