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Crítica | Guardiões do Louvre

por Luiz Santiago
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Parte do projeto The Louvre Collection, o mangá  Guardiões do Louvre toma o leitor pela mão e o leva para uma visita parcial, mas muito sensitiva pelo Museu do Louvre, tendo como fio condutor as visões de um artista com febre muito alta. Jamais nomeado na história (o que de cara já é um indicativo interessante em termos de identidade e até mesmo construção do personagem, podendo ser o próprio autor do mangá, o leitor ou qualquer um amante da arte), esse artista está voltando de um evento de quadrinhos em Barcelona e resolve passar alguns dias em Paris, para uma visita cultural. Ele então fica doente e é diante dessa situação que Jiro Taniguchi (roteiro e arte) toma as rédeas da narrativa para iniciar a visita e nos apresentar aos tais guardiões do mais famoso museu do mundo.

Inicialmente, a ideia dos guardiões e a representação desses seres não me agradaram em nada. Não que eu tivesse algum problema em abraçar a dualidade que o roteiro propõe, jogando com a possibilidade de que tudo o que presenciamos aqui possa ser um delírio causado pela febre do artista acamado ou, em outra interpretação, acontecimentos reais, onde a fantasia se mistura com a realidade. Mas não me agradaram os guardiões espirituais, tampouco a interação do protagonista com Nice, como uma representação nipônica da Vitória de Samotrácia. Aos poucos, porém, fui me acostumando com a ideia, me afeiçoando à presença de Nice e à passagem do protagonista entre os muitos tempos e espaços artísticos do museu — e de outros lugares também –, logo, o que eu imaginava ser apenas um volume de boa arte, passou a ter um conceito que me cativou em medida quase igual.

Mas além do aspecto fantasioso da trama (e devo dizer que os seres coloridos que parecem gelokos continuaram me fazendo torcer o nariz), Guardiões do Louvre tem uma proposta que qualquer pessoa que gosta de arte — ou de obras metalinguísticas em torno desse tema — jamais conseguirá ignorar. A fantasia entra como um caminho, uma abertura de portas para que esse artista japonês possa ver além da multidão nas filas do museu ou nas salas abarrotadas indicadas pelos guias de turismo. Aí reside um aspecto pessoal do próprio personagem-viajante, pois essa fuga acaba servindo como uma cura para ele, ao mesmo tempo que aprimora sua visão profissional, já que teorias sobre o uso de cor, luz, sombra, esboços e contemplação de um cenário para ser reproduzido numa tela são trazidos à tona, fazendo o viajante olhar de modo analítico e também sentimental para todas essas coisas e reavaliar algumas jornadas artísticas no meio do caminho.

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A delicadeza da detalhadíssima arte de Taniguchi acaba sendo o maior chamariz do volume e aquilo que dá suporte ao que Guardiões tem de melhor, ou seja, o breve passeio por quadros pela História da Arte tendo o Louvre como recorte, uma viagem que a partir de determinado momento nos captura de uma forma difícil de explicar. É como se realmente sentíssemos algumas sensações e como se passássemos a ver as coisas de maneira diferente também. Além dos destaques para quadros como MonalisaA Balsa da Medusa e Lembrança de Mortefontaine, o autor finca pé na relação entre as artes plásticas francesa e japonesa, trazendo artistas dos dois lados que tinham admiração pelo que se produzia na nação amiga. Desse modo, a citação ou encontros com Jean-Baptiste-Camille Corot, Charles-François Daubigny, Asai Chū e Vincent van Gogh não são gratuitos. Há um sentido visual e conceitual nisso, seja por influência, seja por admiração, um sentimento que passamos a entender precisamente no contexto do mangá a partir do momento em que a poesia e o amor à arte se unem com uma tragédia histórica.

A minha parte favorita desse quadrinho — e que vejo como essencial para alavancar a sua qualidade geral — é a viagem que o artista faz para 1939, quando ele conhece Jacques Jaujard, diretor responsável pelo projeto de evacuação do Louvre para impedir que os nazistas pilhassem as riquezas ali expostas. Na hora me veio à mente o fantástico filme Francofonia: Louvre Sob Ocupação, de Aleksandr Sokúrov, mas a linha adotada por Taniguchi aqui é ainda mais pessoal, com o peso histórico afetando as emoções e uma abordagem visual que não deixa de ser poética em nenhum momento. A cena com Antoine de Saint-Exupéry nos coloca ao lado de alguém que também admira arte e que vê com olhos tristes a necessidade de evacuação por um motivo ainda pior. Guardiões do Louvre mescla o que tem de melhor nas artes plásticas e quadrinísticas do Oriente e Ocidente, proporcionando-nos um passeio belo e poético pelo fazer artístico (a técnica, o produto), pela História artística (o momento de produção ou preservação) e pela persona artística, chegando ao coração e à alma daqueles que fazem e daqueles que consomem a arte. O volume até pode não agradar por um de seus aspectos fantasiosos, mas com certeza prenderá o leitor por todo o restante, que é simplesmente encantador.

Guardiões do Louvre (Les Gardiens du Louvre) — Japão, França, 2014
The Louvre Collection #8
Editoras originais:
 Shogakukan (Japão) – serializado na Big Comic Original em 2014 e lançado em volume único em 2015) / Futuropolis (França, novembro de 2014).
No Brasil: Pipoca e Nanquim, meio de 2018
Roteiro: Jiro Taniguchi
Arte: Jiro Taniguchi
130 páginas

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