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Crítica | Guaxuma

por Davi Lima
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guaxuma

Quando se fala sobre memória se trata de experiência pessoal, individual ou coletiva, e de compreensão da incapacidade de apreender o que se lembra, o que se materializa mentalmente. E é exatamente que o curta-metragem Guaxuma traz de experiência cinematográfica, em que na sua forma narrativa, de contar a história com a animação usando areia, e com seu tema da memória contado por uma protagonista em voice over, uma narradora personagem, entrega a completude psíquica de lembrar, de esquecer, assim como o mar constantemente apaga e refaz a praia.

Com o uso de fotos de família, paisagens documentadas ritmadas em stop-motion harmonicamente com a animação desenvolvida com material arenoso, e o uso de técnicas 2D de desenho animado, a diretora Nara Normande não apenas narra suas memórias, como transpõe o máximo de experiência com elas dentro da abstração que se passa na sua mente. Esse cuidado com a forma de contar sua história, utilizando técnicas complexas de animação e diversidade de abordar momentos da vida da roteirista e diretora com diferenciadas representações animadas, abarca tanto uma especificidade do que se quer trazer de efeito, seja lúdico ou mais dramático, quanto também evidencia a mistura das associações da memória com os momentos que nos lembramos. Não perpassa, assistindo o curta, a noção de virtuosismo, de complexidade tecnológica de produzir o curta como apelo direto de encanto pelo encanto. Na verdade, o engajamento do que se vê é amplamente intrínseco com o que Nara Normande conta para o público, em toda a sua gestualidade no falar e do que essas memórias representadas afetam-na.

O curta conta a história de Guaxuma, praia alagoana em Maceió, pelo olhar especial da autora, em que ela coloca em sinceridade como o lugar que ela viveu na infância é um grande composto memorialístico de festas hippies que participava, dos amigos que fez e como o lugar, tão engrenado com a paisagem ativa da praia, entrou no seu coração. A palpabilidade da animação arenosa, o uso de bonecos e a disposição de fotos na areia colocam a protagonista Nara num ambiente mais realista justamente para colocar Guaxuma e seu ambiente praieiro concreto e abstrato simultaneamente. A casa que Nara morou é concreta, sua família é concreta, sua melhor amiga é concreta, tudo isso para que na aparente progressão da narração de uma memória o drama de uma morte, de uma mudança espacial para a cidade e de uma transformação lúdica de fotos em pássaros de esquecimento penetrem um mesmo universo de memória, alegre e dolorida, juntamente.

Tudo se mistura, Nara e Guaxuma. Sua tristeza é a associação do inverno do lugar, em que a memória se materializa antes mesmo da animação, em que no próprio ato da diretora contar verbalmente é possível imaginar, e a animação além de ilustrar torna ainda mais efetiva, amplia o sentimento da narração. O curta por vezes se auto explica, flertando com a metalinguagem, quando a diretora não se mantém apenas na narração por cima da imagem, no voice over, e sim dubla a animação, mostra que desde de criança ela tinha imaginações sobrenaturais no espelho, e como a noção da morte e a memória se fundem num arco dramático que começa e se finaliza em Guaxuma. O curta se permite ao onírico, não apenas por tratar de memória e ter o artifício da animação para criatividade, mas, reiterando, para que a experiência das lembranças de Nara sejam engatadas nas possibilidades do que a afetam e podem afetar o espectador.

Enfim, pode-se reduzir o curta-metragem numa grande metáfora da praia e o mar na relação direta do que se lembra e se esquece quando se desenha na areia, expandindo para outras ideias. Porém, quando se compreende que o curta numa alta pessoalidade, daquelas que nem o espectador nem a diretora pode controlar em contar, é que a obra parece transcender, parece se permitir uma cantoria final da narradora, seja desafinada ou não, que transpassa os créditos da produção.

Guaxuma (Guaxuma) – Brasil, 2018
Direção: Nara Normande
Roteiro: Nara Normande
Elenco: Nara Normande
Duração: 15 minutos

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