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Crítica | Hacker (2015)

por Leonardo Campos
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O hacker não é um “personagem” da cibercultura que exerce papeis apenas negativos, tal como muitos filmes e reportagens divulgam na mídia. Para compreender o desenvolvimento deste filme, por exemplo, é preciso que o espectador saiba diferenciar a tríade Black Hat, White Hat e Gray Hat, termos que designam o grau de periculosidade dos indivíduos que acessam sistemas computacionais sem que os seus donos tenham plena consciência disso. São termos que abrem precedentes para discussões polêmicas acerca do popular uso da cor “preta” há eras para designar coisas negativas, tópico que não será levado em consideração aqui para evitarmos dispersões e outros encaminhamentos para a reflexão cinematográfica e cibernética, combinado?

O Black Hat é o que podemos chamar de “hacker do mal”, estereótipo bastante presente nas produções que apresentam a internet como o espaço do perigo constante. Ele é o foco de Hacker, dirigido por Michael Mann, cineasta guiado pelo roteiro de Morgan Davis Foehl. Eles enganam robôs, burlam algoritmos e causam devastações, tais como a manipulação dos reatores e os demais desastres abordados no filme em questão, protagonizado por Chris Hemsworth. O Gray Hat é, como o próprio nome nos dá a entender, aquele que fica em posição intermediária. No caso do White Hat, temos os manipuladores de sistemas que agem de maneira favorável á ordem, digamos assim, direcionado por leis e diretrizes, sem ferir a ética, etc.

Estes não são conceitos rígidos, por sinal, mas uma ideia geral para que não caiamos no erro de considerar o hacker, na figura de um personagem de cinema, como uma entidade maligna em prol da destruição alheia, etc. Os maliciosos, na verdade, são chamados de crackers, os verdadeiros vilões da ordem estabelecida em sociedade, figuras rebeldes que agem conforme o que se convencionou chamar de terrorismo. No geral, todos eles, dos bonzinhos aos maléficos, carregam em si os estereótipos já cristalizados pela indústria cinematográfica, isto é, pessoas com atividade social reduzida, vaidosos em relação ao que produzem e são capazes, pesquisadores natos, nerds com mania de experimentação constante, arredios quando o assunto são as regras denominadas por instituições.

É aqui que adentramos na narrativa dirigida por Michael Mann, um filme de ação repleto de elementos típicos de seu cinema. O uso de CGI é reduzido ao mínimo e quando solicitado, atende as alegorias dramáticas da narrativa, sem precisar disfarçar falhas de conteúdo, como acontece constantemente no cinema de ação hollywoodiano, visualmente deslumbrante, mas muitas vezes estéril dramaticamente. Um plano situacional passeia por cabos de internet e adentra o espaço interno de um computador, num passeio visual que representa o modo interno de funcionamento de um software e o seu colapso diante da ação de um malfeitor.

Assim somos apresentados ao personagem-título: Nick Hathaway (Hemsworth), um homem condenado a 15 anos de prisão por cometer crimes que violaram leis cibernéticas. As coisas podem mudar quando parte de um código criado por ele logo no começo de suas interações na internet são identificadas na ação de um hacker que agiu contra o sistema de uma fábrica chinesa e transformou a economia dos envolvidos num caos sem precedentes. É Chen Dawai (Archie Kao) que identifica falhas na investigação do FBI durante a apresentação de um relatório. Parte integrante do processo, ele aponta os problemas que segundo a sua opinião, não seriam cometidos nem por estagiários, o que pede a presença de Nick para a solução. Ele enxerga na situação a verdadeira resolução do problema, mas também uma alternativa de transformar a vida do detento.

Explicando: eles são amigos e no passado, na fase estudantil, desenvolveram o tal código juntos. Diante do exposto, Shum pede para Carol Barret (Viola Davis), uma das orquestradoras da investigação, a liberação de Nick por meio de negociações. Inicialmente, a oferta envolve a liberação do esquema prisional durante a investigação e resolução do caso. Ciente de seu potencial, o prisioneiro só aceita colaborar se for solto e ao resolver a crise, ter a sentença reduzida. Há algum constrangimento e resistência, mas o FBI não enxerga outra possibilidade. Henry Pollack (John Ortiz) assume o papel do chefe de Barret, questionador das decisões da investigadora, mas sempre na colaboração para o avanço dos processos.

Hemsworth interpreta adequadamente uma figura que tal como conhecemos pela representação ficcional e midiática, é o indivíduo com dedicação exclusiva aos processos que envolvem a sua função de reconhecer e transformar aspectos internos de programas e redes, tendo em vista buscar soluções para problemas que envolvem conhecimentos muito específicos, dominado por poucos, dai o seu valor de troca mercadológico. No caso do hacker de Hemsworth, temos um homem que negocia a sua sentença por saber a importância que a resolução do caso tem para vários setores da sociedade, do político ao econômico, não apenas nos Estados Unidos, mas no âmbito das necessárias relações internacionais que envolvem o caso para o qual foi convocado.

Vistoriado constantemente por Jessup (Holt McCallany), Nick é a representação da rebeldia. Ele não acata ordens da maneira como são estabelecidas. Mexe onde não deve, afronta Barret, mas depois se aproxima da personagem, age de maneira arrogante, justamente por saber da sua importância para o que está em jogo entre os estadunidenses e chineses, além de se envolver amorosamente com a irmã do amigo, Chen Lien (Wei Tang), relação que ora surge como dispersão, ora nos reforça que pode ser algo positivo para o personagem que veste a camisa do estereótipo nerd, mas guarda consigo mesmo um circuito interno de sentimentos.

Interessante observar como a personagem feminina, tal como a presença de Carol Barret, não explora estereótipos femininos frágeis e incautos. São mulheres fortes em suas dinâmicas internas no desenvolvimento da história que sai dos Estados Unidos e alcança dimensões globais ao passo que a investigação se torna mais acirrada, perigosa e complexa no encontro de soluções. Há estragos que não podem ser solucionados e você, caro leitor, provavelmente já teve uma experiencia cibernética dentro desta perspectiva, nem que seja pelo caminho mais simplório da perda de dados não recuperados por um vírus. Quem nunca? Sair da prisão, ser parte central da investigação de um tema que quase ninguém domina e ter em volta todo o aparato tecnológico para acionar comandos e interpretar os problemas não garante ao hacker de Hemsworth as respostas que ele espera encontrar. A sua proposta redenção também pode torna-lo um errante.

Para nos contar a sua história, Michael Mann depende bastante do design de produção de Guy Hendrix Dyas, cuidadoso nos pormenores visuais, gestor da direção de arte, da cenografia, dos figurinos e dos efeitos visuais condicentes com a temática cibernética, setor que coaduna com as escolhas da direção de fotografia de Stuart Dryburgh, profissional bem direcionado pelo cineasta que comanda a produção, veterano conhecido por empregar um estilo visual próprio aos seus filmes. Há, constantemente, traços iconográficos futuristas, material típico de filmes que abordagem a cibercultura em seus desdobramentos temáticos. O néon se faz presente como elemento adicional nas cenas mais escuras, ora sozinho como parte da escuridão, ora em confluência com os feixes luminosos que representam uma sociedade em conexão constante.

Conduzidos pela música eficiente de Harry Gregson-Williams, Hacker é também um trabalho primoroso de som, setor que atenua os efeitos dramáticos da história por meio de seu design sonoro ao longo dos 133 minutos de narrativa. O tempo de duração, demasiadamente extenso, prolonga arcos que funcionariam melhor caso fossem mais econômicos. A sensação é a de término do filme em alguns momentos, algo que nos surpreende quando a produção resolve continuar e esticar um pouco mais as situações, prolongamento prejudicial, mas que não desmerece a qualidade geral da produção e suas discussões sobre política, jogos de poder, manipulação midiática, impactos da tecnologia na vida cotidiana das pessoas comuns e dos poderosos, dentre outras abordagens voltadas ao que se reflete sobre cibercultura e sociedade.

Ademais, Hacker é a representação cabal do poder gigantesco nas mãos de apenas um indivíduo que ao acionar a tecla “enter”, pode devastar o que almeja em proporções inimagináveis. É o poder nas mãos de poucos, algo apenas imaginado na cultura prévio ao processo de democratização e popularização da internet. Ora revolucionários, ora desordeiros e inimigos do poder público, os hackers estabeleceram uma nova forma de gerir os sistemas computacionais. Interessante que a produção foge do otimismo comum ao cinema que pretende colocar todas as peças no lugar e estabelecer a ordem no desfecho de suas histórias, tendo em vista deixar as plateias mais tranquilas ao sair da sessão. As escolhas em Hacker não seguem bem esse caminho fácil, demonstração cabal da presença de problemas crônicos e circulares que assolam a atual Era da Informação.

Hacker (Blackhat) – EUA, 2015
Direção:
 Michael Mann
Roteiro: Morgan Davis Foehl
Elenco: Chris Hemsworth, Christian Borle, Courtney Wu, Danny Burstein, David Lee McKinney, Frank Cutler, Holt McCallany, Ivan Ngan, James Lim, Jason Butler Harner, Jeff Roncone, John Ortiz, Viola Davis, Wei Tang
Duração: 133 min.

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