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Crítica | Hacks – 4ª Temporada

Chegando ao topo e pagando o preço.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas da demais temporadas.

Os dois grandes trunfos de Hacks é conseguir espelhar, na ficção, a história das atrizes que protagonizam a série, uma veterana em final de carreira e uma novata em começo de carreira, e fazer isso com foco absoluto na construção dessas personagens, resultando em roteiros exemplares em tudo que se refere ao relacionamento das duas. E não é sem querer que, mesmo com um elenco de apoio grande e, nesta quarta temporada, uma quantidade enorme de convidados especiais, o brilho permaneça justamente em como Deborah Vance e Ava Daniels agem e se comunicam quando estão juntas, mesmo que separadas se é que me entendem. Claro que Jean Smart continua sendo o coração da série, mas é impressionante notar como Hannah Einbinder evoluiu ao longo dos anos, conseguindo fazer com que sua Ava, agora, bata de frente com a Deborah de Smart em uma temporada marcada pelo conflito entre as duas estabelecido no cliffhanger do terceiro ano.

E a quarta temporada não perde tempo, começando do ponto exato em que a anterior parou, com Ava como roteirista chefe de Deborah no cobiçado programa noturno de entrevistas e variedades (nunca entendi como as pessoas amam esse tipo de obra, mas tudo bem…) que a comediante agora encabeça, algo que sempre foi seu sonho. Mas Ava, como sabemos, chantageou Deborah para obter esse cargo tão importante e difícil parte por genuinamente achar que merece e parte como vingança por Deborah não tê-la alçado a essa posição por sua própria volição, o que significa uma cunha profundamente cravada entre as duas que os roteiros da temporada usam magistralmente por quase seis episódios completos, recusando-se a achar um caminho fácil e rápido para que tudo volte ao normal entre as duas. A discórdia entre as protagonistas é, portanto, toda a razão de ser narrativa da temporada que também aborda os jogos sujos nos bastidores de uma produção televisiva tão cobiçada quanto a que Deborah comanda.

Diria que é perfeitamente compreensível comentários negativos sobre a temporada vindo de espectadores que prezam surpresas e imprevisibilidade. Pessoalmente, acho esses artifícios muito superestimados e, normalmente, muito mal executados em obras audiovisuais, mas é evidente que, em termos estruturais, os acontecimentos que marcam a discórdia entre Deborah e Ava, sua inevitável reconciliação e, depois, a grande reviravolta do penúltimo episódio, seguem uma cartilha bastante reconhecível em séries semelhantes. No entanto, o que realmente importa é a seguinte indagação: aquilo que vemos transcorrer ao longo da temporada faz sentido para a jornada das protagonistas e para o novo contexto em que elas transitam? Como minha avaliação para a temporada não me deixa mentir, a resposta a essa pergunta é, para mim, um retumbante sim e um sim tão veemente que diria que é mais do que apenas um sim. Diria, na verdade, que essa temporada de Hacks consegue ser muito mais eficiente em sua crítica ferina e inteligente da indústria do show business como um todo do que séries recentes como a A Franquia e O Estúdio.

E a razão para isso está lá no parágrafo de abertura de meus comentários, ou seja, todo o cuidado que a equipe de roteiristas derrama na temporada na forma como Deborah e Ava são abordadas. Temos duas mulheres fortes que parecem preparadas para jogar tudo o que conseguiram pela janela por agarrarem-se a noções equivocadas de orgulho, com a comediante veterana recusando-se a aceitar que sua protegida pode ter razão sobre o tipo de material novo que deseja criar e com a comediante novata tendo enorme dificuldades para compreender a complexidade do trabalho que se forçou a assumir. Chega a ser angustiante ver as duas, cada uma aguerrida em seu canto, em uma trajetória autodestrutiva, algo que se torna particularmente desafiador, em termos narrativos, por estarmos falando de uma comédia e não de um drama pesado, ainda que Hacks nunca, pelo menos em minha visão, tenha sido de fato uma comédia pura (ainda bem). Há até mesmo tempo para os roteiros de certa forma ecoarem esse conflito na relação entre Jimmy LuSaque Jr. (Paul W. Downs) e Kayla Schaefer (Megan Stalter) na agência que eles fundam, com os personagens ganhando mais espaço em uma temporada que muito natural e elegantemente coloca Marcus (Carl Clemons-Hopkins) de lado diante da nova vida de Deborah.

O que não funcionou foi o episódio final da temporada. A série, cuja renovação para um quinto ano foi anunciada antes de os episódios terminarem de ir ao ar, o que indica que isso já era internamente conhecido há algum tempo, não precisava do 10º capítulo e poderia muito bem ter acabado no cliffhanger que vemos no nono, com Deborah, demitindo-se no ar de seu emprego dos sonhos para defender Ava, ficando sem poder fazer shows de comédia por 18 meses. Infelizmente, porém, os showrunners acharam que seria interessante encerrar o ano com um episódio corrido, tonalmente perdido e bem diferente de todos os que vieram antes que parece comprimir material suficiente para pelo menos metade de uma nova temporada em uma história confusa e sôfrega que faz gato e sapato de Deborah, traindo a força da personagem que acaba se entregando a decisões pensadas e impensadas que a levam a uma esbórnia em Cingapura e um “retorno” em razão de um epitáfio publicado em revista online sobre a indústria do entretenimento. A impressão que deu foi que os engravatados donos do dinheiro exigiram um final mais exagerado e os showrunners tiveram que escrever tudo em um dia com tremenda má vontade. Não é que o derradeiro episódio estrague o que veio antes, pois ele está longe de fazer isso, mas é como ver uma outra série que por acaso conta com as mesmas atrizes nos mesmos papeis.

Seja como for, Hacks mais uma vez mostra-se como uma daquelas raras séries que não perdem o fôlego e que conseguem efetivamente criar novas e interessantes histórias sem esquecer de trabalhar com afinco no desenvolvimento das protagonistas. Tenho certeza de que, mesmo com um final atabalhoado, o rumo será corrigido no próximo ano e Smart e Einbinder brilharão pela quinta vez.

Hacks – 4ª Temporada (Idem – EUA, 10 de abril a 29 de maio de 2025)
Criação e showrunners: Lucia Aniello, Paul W. Downs, Jen Statsky
Direção: Lucia Aniello, Paul W. Downs, Doron Max Hagay
Roteiro: Lucia Aniello, Paul W. Downs, Jen Statsky, Samantha Riley, Ariel Karlin, Pat Regan, Aisha Muharrar, Carolyn Lipka, Joe Mande, Andrew Law
Elenco: Jean Smart, Hannah Einbinder, Carl Clemons-Hopkins, Paul W. Downs, Megan Stalter, Rose Abdoo, Mark Indelicato, Kaitlin Olson, Poppy Liu, Angela Elayne Gibbs, Jane Adams, Lorenza Izzo, Lauren Weedman, Helen Hunt, Dan Bucatinsky, Michaela Watkins, Robby Hoffman, W. Earl Brown, Bresha Webb, Julianne Nicholson, Eric Balfour, Tony Goldwyn, Johnny Sibilly, Angela Elayne Gibbs, Christopher McDonald
Duração: 333 min. (10 episódios)

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