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Crítica | Halloween: A Noite do Terror (Versão Estendida)

Uma artesanal obra-prima estabelecedora dos padrões do slasher.

por Leonardo Campos
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Uma história simples, com execução de baixo orçamento, mas que se tornou uma das grandes referências do cinema. Assim é Halloween: A Noite do Terror, filme que estabeleceu os elementos finais para a formação da linguagem do subgênero slasher, uma ramificação que se tornou febre nos anos seguintes, passeando pela década de 1980, desgastando-se até a renovação com Pânico, em 1996, perdendo-se de novo pelo excesso, num retorno marcado com as refilmagens dos clássicos na década de 2000 e atualmente turbinado em nossa era de narrativas politizadas em diversos segmentos da sociedade, em especial, questões raciais e de gênero, fase também marcada pelo tom autorreferencial dos filmes deste subgênero. O mote geralmente é básico: uma situação no passado desencadeia uma série de acontecimentos no tempo presente da narrativa. Aqui, temos um feriado estadunidense ainda não capitalizado pelo cinema, o Dia das Bruxas, 31 de outubro do calendário anual. Inicialmente descrito como Assassinatos de Babás, o clássico slasher em questão passou por diversas transformações até se tornar o produto final que conhecemos hoje, estabelecedor de uma longeva franquia.

Depois de Halloween, tivemos uma longa tradição de filmes inspirados em feriados. A produção, que fique destacado, não foi o primeiro feriado slasher, haja vista Noite do Terror, de 1974. Há, no entanto, discussões sobre o antecessor ser um proto-slasher, base para a transformação do subgênero após a trajetória de Michael Myers no feriado em questão. Dirigido e escrito por John Carpenter, realizador tratado pela crítica como um renascentista contemporâneo, o filme teve participação efetiva de Debra Hill ao longo de todo o projeto, produtora e roteirista que colocou as suas experiências de babá juntamente com as memórias de Carpenter da época da faculdade, num momento específico de visita ao sanatório que o fez contemplar um garoto que define diversas descrições características de Michael Myers. Na trama, o clima é devidamente estabelecido logo na cena de abertura. Michael, o assassino ainda criança, desfere golpes de faca e mata a sua irmã Judith Myers após um encontro da garota com o namorado. Os pais, ausentes, chegam após o crime. O destino de Michael, encontrado vestindo uma roupa de palhaço, é o sanatório de Smith Groove, local onde permanecerá internado por 15 anos, após escapar do acompanhamento de seu psiquiatra, o Dr. Samuel Loomis (Donald Pleasence), figura que se repetirá na franquia até o sexto filme.

Ao chegar em Haddonfield, Michael Myers, corretamente interpretado por Nick Castle como um monstro enigmático e perigoso, perambula pelas ruas da cidade, tornando-se o perseguidor de Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), a final girl que o enfrentará no embate ao longo do desfecho da narrativa de intensos 91 minutos de duração. Curiosa com a presença do homem misterioso que parece a perseguir sem motivo aparente, Strode tem uma série de surpresas reservadas para a noite do dia que aparentemente seria mais uma jornada de trabalho, mas se transformar numa perigosa experiência de horror. Ao tomar conta de Lindsey (Kyle Richards) e Tommy (Brian Andrews), ela é a protagonista que menos se diverte, diferente de suas amigas Annie (Nancy Kyes) e Lynda (P. J. Soles), garotas envolvidas com seus namorados e muita badalação, figuras ficcionais que fornecem base para as discussões sobre misoginia e moral cristã, constantemente associados aos arquétipos do slasher, tópicos temáticos que John Carpenter rejeita, mas que convenhamos, tem bastante pertinência quando pensamos na interpretação fílmica dentro do sistema que engloba espectador, autor e obra, um feixe mais complexo para análise.

Com direção de fotografia de Dean Cundey, Halloween: A Noite do Terror é uma narrativa conduzida com muito esmero pela equipe de realizadores gerenciada por Carpenter e Hill: o uso do ponto de vista é devidamente aplicado, a captação de imagens em steadicam ajuda no desenvolvimento da construção de várias cenas em plano-sequência, além do design de produção simples, assinado por Tommy Lee Wallace, cuidadoso ao evitar excesso de informações e dispersões. É na simplicidade que o filme se estrutura, por isso, tornou-se uma referência cinematográfica de condução do suspense/terror por meio de estratégias sutis, mas assertivas. Não seria leviano em dizer que a produção é desprovida de problemas. Nalguns trechos, há certo marasmo. Ademais, os personagens, com exceção do antagonista, da final girl e do psiquiatra, são desenvolvidos razoavelmente. A produção, por sua vez, criou um clima de mistério e se tornou objeto de culto, mantendo-se como uma referência de classe ao evitar sangue em excesso e a vulgarização do antagonista, criatura que é um misto de humanidade e entidade, retratado no roteiro sempre como A Forma, um personagem que diferente dos vingativos assassinos sucessores do slasher, não possui na retaliação uma perspectiva para as suas ações.

Dentre os pontos positivos de Halloween: A Noite do Terror, podemos destacar o tom minimalista, mas efusivo, da trilha sonora composta por John Carpenter, textura percussiva que acompanha a franquia toda, parte integrante da cultura pop e do nosso imaginário coletivo. Com locações em ruas calmas, de arquitetura estadunidense simples, os envolvidos na empreitada trouxeram para uma zona urbana conhecida pela calmaria, os horrores da violência perpetrada por Michael Myers, figura que tira a paz e o sossego do que antes era tido como idílico, o espaço ideal para se viver plenamente o american way of life. Indo na contramão do que se era produzido tradicionalmente nos meandros do terror, seara discursiva geralmente conhecida por seus casarões assombrados e atmosfera gótica, Carpenter, Hill e os produtores saíram dos clichês e conduziram o filme para um patamar diferenciado do esperado de algo com o título em questão. Seus diálogos, sempre interativos, também merecem destaque, juntamente com a construção do suspense em camadas: a sensação de medo e angústia aproxima-se parcimoniosamente.

Halloween: A Noite do Terror foi comprado pela NBC por quatro milhões de dólares, uma quantia exorbitante quando comparamos com os custos da produção. Era 1981, mas a censura insistia em cortar cenas consideradas inadequadas, algo que prejudicava a grade de exibição de duas horas, mesclando o filme e intervalos comerciais. Para resolver o problema, os produtores da rede televisiva indicaram a edição com cenas deletadas, mas com orçamento tão precário, foi impossível aproveitar o mínimo que se tinha, por isso, os envolvidos aproveitaram os processos de pré-produção da continuação, parte da Safra Slasher 1981, para incrementar novos trechos e entregar aos interessados a versão estendida. Sem mudar a estrutura estética, o novo corte trouxe mais informações entre a morte de Judith e os créditos iniciais, colocando informações que estavam mais subentendidas no “original”. Há a insistente jornada do Dr. Loomis em manter Michael Myers encarcerado, num debate gigantesco com as autoridades que não viam o antagonista com a mesma preocupação do psiquiatra. Noutro trecho, o personagem inspeciona a cela do paciente e descobre a palavra “irmã” rabiscada de vermelho na parede. Mais adiante, temos uma passagem com Laurie e as garotas conversando no quarto. Enquanto a final girl toma banho e usa uma toalha para esconder os seus cabelos, pois seu penteado em 1981 era diferente, uma delas fala sobre um misterioso cara que a perseguiu numa van. Preocupada, a personagem de Jamie Lee Curtis olha pela janela e demonstra preocupação, sinal de alerta que a tornará a única sobrevivente da tenebrosa noite de ataque de Michael Myers.

Assim, estabeleceu-se a versão estendida deste clássico do cinema moderno, produção artesanal que nas palavras de cineastas como Martin Scorsese, é uma obra-prima que aproveita de maneira eficiente cada milímetro do quadro, uma produção que teve recepção inicial complicada, mas logo começou a ganhar o público com o boca a boca, tornando-se um fenômeno. Nesta época, a aprovação da crítica era fundamental para o status de um filme que quisesse ir além das bilheterias robustas. Pauline Kael, a famosa crítica conhecida pelo humor amargo ao analisar cinema em seus textos, condenou Halloween: A Noite do Terror, mas para tranquilidade de John Carpenter e demais envolvidos, Roger Ebert concedeu as suas famosas quatro estrelas, destacando os valores da narrativa e permitindo um equilíbrio crítico ao filme. Com mitologia tão fascinante quanto a sua própria estrutura dramática e estética, este precursor do slasher tal como conhecemos hoje teve o seu assassino inspirado no robô pistoleiro de Westworld: Onde Ninguém Tem Alma, personagem estabelecido em cena por um ator corpulento, munido de uma máscara adaptada da famosa apresentação do Capitão Kirk. Opaca, polida e neutra, o utensílio em questão emula a indefinição do assassino, algo típico das narrativas góticas, entregando aos espectadores uma atmosfera sombria que ajudou a produção a funcionar mais que o esperado.

Como fez sucesso e se tornou a base para o que viria mais adiante no slasher, Halloween: A Noite do Terror ganhou novas empreitadas, algumas empolgantes, outras deprimentes. No final, como sabemos, Michael Myers pode estar em qualquer lugar. A ideia era transmitir ao espectador a sensação de que o perigo tinha se dissipado, podia ser entranhar em qualquer local de Haddonfield. A sequência de planos de pontos distintos da cidade demonstra isso. Em 1981, o mascarado retornou para perseguir Laurie no hospital, após os acontecimentos de 1978. Vinculado ao que se fazia no slasher desta época, a contagem de corpos aumentou. Conta-se agora que Myers perseguiu Strode por ela ser sua irmã. Quando o filme acaba, o corpo desaparece e ninguém tem notícia do antagonista. O reencontro digno ocorre em 1998, com o intenso Halloween H20: Vinte Anos Depois, retorno de Jamie Lee Curtis para a franquia, num embate que parecia encerrar a história, mas resultou no horroroso Halloween: Ressurreição.

Antes disso, no entanto, tivemos Halloween 3, desconectado da história de Michael Myers, figura que só retorna em Halloween 4: O Retorno de Michael Myers e Halloween 5: A Vingança de Michael Myers, ambos com a filha de Laurie, a pequena Jamie, interpretada por Danielle Harris. Ela é perseguida pelo tio periculoso, tornando-se mentalmente conectada com o monstro no quinto filme, o mais errôneo dos dois. A saga da jovem é finalizada no aborrecido Halloween 6: A Última Vingança. Morta logo na abertura, a personagem interpretada por outra atriz acaba perdendo a batalha contra o tio, figura que retorna aleatoriamente para Haddonfield, interessado em dizimar mais algumas pessoas, antes de sumir por alguns anos e voltar em H20, história que toma como ponto de partida apenas os dois primeiros filmes. Além desses exemplares, o roqueiro Rob Zombie cometeu os seus excessos com a refilmagem Halloween: O Início, exuberante e excessivo, mas eficiente, seguido do pavoroso Halloween 2, o pior momento da franquia.

Para revitalizar a jornada, a Blumhouse trouxe o mascarado de volta, desta vez, com tom mais maduro e crítico, esteticamente concebido para se tornar uma trilogia de ponta. David Gordon Green assumiu a direção de Halloween, Halloween Kills: O Terror Continua e do vindouro Halloween Ends, desfecho da saga de Laurie Strode e Michael Myers. “Quanto mais ele mata, mais ele transcende”: o trecho de uma breve, mas complexa fala da protagonista interpretada com garra por Jamie Lee Curtis resume o tom da presença mais recente deste universo slasher, isto é, a ideia da incapacidade de extermínio do mal e a manutenção do clima de incerteza diante de cenários que parecem esperançosos, mas que angustiam com a penumbra ameaçadora constante. Halloween, alegoricamente interpretado, pode ser uma leitura de questões políticas e sociais que andam cotidianamente acirradas em nossa existência ainda muito conflituosa. A própria intérprete de Laurie Strode associou o filme de 2018 com desdobramentos do #metoo e, nos anos 1980, foi temas das discussões de Carol Clover, teórica feminista que relacionou o patriarcado com algumas questões desenvolvidas no argumento e desenvolvimento de Halloween: A Noite do Terror, uma pequena e valiosa obra-prima do cinema.

Halloween – A Noite do Terror (Halloween) — EUA, 1978
Direção: John Carpenter
Roteiro: John Carpenter, Debra Hill
Elenco: Donald Pleasence, Jamie Lee Curtis, Nancy Kyes, P.J. Soles, Charles Cyphers, Kyle Richards, Brian Andrews, John Michael Graham, Nancy Stephens, Arthur Malet, Mickey Yablans, Brent Le Page
Duração: 101 min.

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