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Crítica | Halloween: Ressureição

por Leonardo Campos
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Quando Halloween: Ressurreição estreou no Brasil em 2003, fiquei num misto de surpresa e desagrado. O que houve com Jamie Lee Curtis para aceitar a participação absurdamente tosca na abertura deste novo e atualmente esquecido episódio da saga de Michael Myers? Só fui descobrir recentemente: havia uma obrigação contratual em continuar caso o filme Halloween H20 – Vinte Anos Depois fizesse sucesso. Para isso, foi preciso reorganizar o desfecho do sétimo filme e explicar como o antagonista mascarado conseguiu escapar da decapitação após o golpe de machado desferido por sua irmã Laurie Strode, de identidade modificada, agora Keri Tate. As coisas são explicadas no preâmbulo, com os movimentos da câmera a circular pelos corredores de um manicômio. É lá que se encontra a final girl, encarcerada. Após a cena de perseguição do filme anterior, descobrimos que depois de esfaquear o irmão e ser levada para o lado de fora pelo segurança, Michael Myers se levantou, esmagou a laringe de um policial, deixando-o quase morto, colocou o corpo e a máscara no lugar e sumiu. Ao pegar a vã e sair pela estrada para o confronto final, a personagem de Jamie Lee Curtis não decapitou o irmão, mas outra pessoa.

As enfermeiras comentam o assunto antes de chegar ao quarto da paciente para aplicação de sua medicação. O tema principal é emulado pela trilha sonora de Danny Lux e temos uma boa atmosfera de abertura, estragada logo depois da transição do maníaco para Haddonfield. No manicômio, Laurie Strode aguarda pelo possível retorno do irmão. Os dois duelam no terraço e a final girl acaba perdendo, sendo morta para sempre e tornando-se livre da fúria assassina do irmão. A pergunta é: por que um final tão ordinário para um personagem tão brilhante nos filmes anteriores? E há ainda outra questão: se estava na agenda de Michael matar a irmã, qual a necessidade de seguir numa empreitada de sangue com pessoas que nada tem a ver com a situação? Sendo o mascarado uma máquina de matar e de fazer dinheiro, os realizadores acreditaram que essa retomada aos meandros de Haddonfield daria uma nova injeção de ânimo para a franquia, enterrada até o reboot de Rob Zombie, filme que peço perdão aos puristas, mas gosto mesmo diante de todas as suas imperfeições. As perguntas realizadas anteriormente, devemos observar, são retóricas, pois as respostas todos nós já sabemos: o que os realizadores queriam era capitalizar em torno de um personagem-convenção.

Michael Myers, Jason, Freddy e outros são ícones do slasher e independem de bons roteiros. Há na existência destas criaturas, uma aura de proteção que podemos chamar de “poder de troca”, e por isso, sempre haverá alguém disponível para conferir, mesmo diante de toda a sua “ruindade”. É um cinema de nicho, feito para um público específico que paga para ver até que ponto os seus monstros podem chegar. Sob a direção de Rick Rosenthal, cineasta guiado pelo roteiro de Larry Brand e Sean Hood, adentramos então numa nova era para Michael Myers, interpretado desta vez por Brad Loree e com máscara nova. Após matar a irmã, o “inimigo sem rosto” segue para a casa onde viveu a sua infância. Lá, um grupo de estudantes universitários é contratado por uma empresa para passar uma noite no local, como numa espécie de reality show, comandado por Freddie (Busta Rhymes), auxiliado por Nora (Tyra Banks). Será assim que ao longo de seus 94 minutos, acompanharemos as mortes aleatórias e a sanha assassina do antagonista, algo que parece representação, mas os espectadores saberão ser puro horror depois que as imagens começam a revelar que os corpos que forma uma trilha de sangue pela casa talvez sejam de vítimas reais, derrubadas uma a uma pelo psicopata. Aqui, Sara Mayer (Bianca Hajlich) assume o papel da final girl, muito pouco eficiente, por sinal, sem um pingo de carisma.

Ademais, o design de produção de Troy Hansen cria alguns espaços obscuros e cavernosos para a circulação dos personagens, cubículos ideais para Michael Myers fazer a festa. Essas escolhas cenográficas demonstram controle espacial dos envolvidos, mas a obviedade dos diálogos e a aleatoriedade dos assassinatos tornam a narrativa muito previsível e cansativa. Os jumpscares também são usados e abusados, irritantes na demasiada organização sonora do filme que até possui um trabalho interessante de Danny Lux para a já mencionada partitura. Aos curiosos, há uma morte que lembra bastante uma cena de A Tortura do Medo, de John Powell, clássico britânico considerado um proto-slasher por excelência. Coincidência ou jogo metalinguístico? Não podemos afirmar, mas a referência está lá para ser pescada pelos mais atentos ou conhecedores do subgênero. Na tentativa de tornar a produção encorpada, logo após a batalha de Laurie e Michael no terraço do manicômio, a narrativa corta para a faculdade de Haddonfield, com uma estratégia burlesca de câmera para chegarmos até a primeira apresentação de Sarah, a final girl. Na aula, o professor versa sobre Jung e a Teoria da Sombra, debate sobre o lado “obscuro” de todo ser humano, exploração psicanalítica de luxo para uma narrativa tão frágil e pueril.

Com direção de fotografia de David Geddes, Halloween: Ressurreição é propositalmente escuro em algumas passagens e flerta bastante com os processos metalinguísticos do reality show. Há piadas sobre fama, nudez, alguns diálogos que tentam ampliar as possibilidades reflexivas do filme, mas a direção irregular e o roteiro sem rigidez dramática demonstram que o projeto para Michael Myers na era da cibercultura estava fadado ao fracasso e talvez só perca mesmo para o asqueroso Halloween 6 – A Última Vingança, tão ruim quanto essa versão do psicopata para a cultura da convergência midiática. Divertido em alguns instantes raríssimos, mas irregular na maioria do tempo, há até uma interação com o público que assiste ao programa, mas essa tentativa de frescor não resolve os problemas estruturais do filme, que ainda não se contenta em ser apenas ruim. É preciso garantir mais. O final abre espaço para um ganho, focado no corpo carbonizado de Michael Myers que se reanima e provavelmente e ataca uma das enfermeiras do hospital para onde o foi encaminhado. A pergunta é: para onde a narrativa pretendia ir? Aparentemente para o limbo do esquecimento, merecidamente. Quer curtir a franquia de Michael Myers? Fique com os dois primeiros, tente o quarto e o quinto, desfrute do ótimo H20 e pule para a retomada de 2018, filme que ignora tudo e parte apenas da produção de 1978.

Halloween: Ressurreição (Halloween: Resurrection, Estados Unidos – 2002)
Direção: Rick Rosenthal
Roteiro: Larry Brand e Sean Hood
Elenco: Jamie Lee Curtis, Brad Loree, Busta Rhymes, Bianca Kajlich, Sean Patrick Thomas, Daisy McCrackin, Katee Sackhoff, Luke Kirby, Tyra Banks
Duração: 94 minutos

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