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Crítica | Hamlet (1996)

por Guilherme Coral
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estrelas 5

Adaptações são difíceis tarefas, elas requerem que a alma da obra original seja captada e transportada para um novo corpo, um novo veículo. De forma alguma é preciso que haja uma grande fidelidade ao material de origem, apesar de essa ser a vontade dos fervorosos fãs – a adaptação precisa se sustentar por si só. Há quem diga que o teatro é de mais fácil transposição para o cinema – tal afirmação não pode estar mais incorreta, a menos que queiramos ver um teatro filmado.

Em Hamlet, Kenneth Branagh optou por realizar um filme que utiliza a peça original por completo. Não há trechos deixados de fora, apenas conta com algumas ordens alteradas. O resultado é um longa-metragem de 242 minutos que consegue prender a atenção do espectador do início ao fim, contanto que este realmente queira assistir a história do príncipe da Dinamarca. Essa adaptação requer uma entrega do espectador, uma dedicação e, em última instância, paciência.

Não pense, contudo, que só porque toda a obra de Shakespeare está contida no longa-metragem quer dizer que veremos uma mera transcrição da peça para a tela grande. O diretor demonstra de diversas formas, tanto sutis quanto explícitas, suas marcas e para deixar isso claro utilizo a icônica cena “ser ou não ser”. Realizada perante um espelho, vemos apenas Branagh e ele mesmo – seu reflexo. A câmera foca somente no reflexo como outro personagem, como a consciência, o dilema de Hamlet em carne viva. Ao mesmo tempo ele conversa com Claudius e Polonius ali escondidos e ficamos sem saber se o príncipe sabe da presença deles ali.

Uma cena tal como essa só seria possível graças a uma ótima atuação e o elenco nos garante isso, em especial o próprio Branagh no papel principal que rouba a cena em todas as aparições. Sua loucura incrivelmente representada, nos deixando constantemente na dúvida se é real ou não, mesmo que, de fato, saibamos que é apenas fingida. É uma atuação dentro da atuação – Hamlet é mais de um personagem dentro de um só e enxergamos a sutil diferença através do trabalho de voz executado por Kenneth, que oscila de um tom digno do herdeiro do trono para o de uma criança desamparada pela perda do pai.

Ainda assim, apesar de todo o seu sofrimento e lealdade ao pai, Hamlet não é retratado como uma simples vítima. Ele aos poucos se torna a peça central da política daquele reino e acaba se distanciando do papel de herói. Afinal, seu objetivo é a vingança, sem nobres motivos. Vemos isso claramente na cena que o príncipe confronta Ophelia, pressionando-a contra o espelho.

A montagem precisa e, na maioria dos casos, simples, garante que não estamos apenas assistindo um teatro filmado. Aliado à fotografia ganhamos cenas que conseguem passar toda a carga dramática de cenas como a do teatro, no qual o príncipe finalmente tem certeza das ações de seu tio. Uma montagem que ganha agitação ao mesmo tempo que o personagem principal se exalta, nos explicando mais do que os diálogos o que se passa na tela. E de fundo: a trilha sonora, captando todo o tom da obra com exatidão, sem tirar a força da imagem.

A adaptação de Branagh da obra de Shakespeare, embora requeira paciência é altamente recompensadora que irá prender o interessado do início ao fim. É um filme que se sustenta por si só ao mesmo tempo que mantém uma fidelidade quase que completa ao material de origem, com atuações magistrais e um ótimo roteiro merecedor de sua indicação ao Oscar. Ao fim da projeção estaremos hipnotizados por todo o podre que assola o reino da Dinamarca.

Hamlet (Idem, Reino Unido/ Estados Unidos – 1996)
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Kenneth Branagh (baseado em peça de William Shakespeare)
Elenco: Kenneth Branagh, Julie Christie, Derek Jacobi, Brian Blessed, Richard Briers, Kate Winslet, Reece Dinsdale, Judi Dench, Gérard Depardieu, Ken Dodd, Billy Crystal, Nicholas Farrell.
Duração: 242 min.

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