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Crítica | Hardcore Henry: Missão Extrema

Receita para enjoo.

por Iago Iastrov
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Seis anos após o sucesso viral do videoclipe Bad Motherfucker, da banda Biting Elbows, o diretor russo Ilya Naishuller expandiu sua técnica de filmagem em primeira pessoa para um longa-metragem completo. Hardcore Henry chegou aos cinemas como a primeira produção a utilizar integralmente a perspectiva dos first-person shooters, criando uma experiência cinematográfica que desafia tanto convenções narrativas quanto os limites da percepção do público. O que sai daí é um filme que oscila entre momentos de genialidade técnica e períodos de desconforto quase insuportável — uma agitação sensorial que mostra as possibilidades e os perigos de se aventurar em territórios cinematográficos inexplorados.

A história de Henry, ciborgue ressuscitado em busca de sua esposa sequestrada, é o pretexto perfeito para o verdadeiro protagonista do filme: a própria perspectiva em primeira pessoa. O diretor compreende muito bem a geografia espacial e o timing, dois elementos cruciais quando o espectador precisa processar informações visuais em velocidade vertiginosa. As sequências de parkour urbano ganham dimensão inédita quando experimentadas através dos olhos do protagonista. Cada salto entre edifícios, cada rolamento para absorver impacto, cada momento de queda livre carrega uma intensidade que o cinema tradicional simplesmente não consegue reproduzir. O diretor também cria combates corpo a corpo onde a proximidade da câmera transforma cada soco, cada esquiva, cada movimento defensivo em algo impressionante.

Utilizando câmeras GoPro e sistemas de estabilização magnética desenvolvidos especificamente para o projeto, a produção conseguiu criar fluidez convincente a partir de centenas de takes fragmentados. Os efeitos práticos — explosões, quedas, acrobacias — integram-se de forma tão orgânica à perspectiva em primeira pessoa que frequentemente esquecemos estar assistindo a uma construção artificial. Essa naturalidade técnica torna-se ainda mais impressionante quando consideramos que Henry foi interpretado por dez dublês diferentes, cada um especializado em aspectos específicos das sequências de ação.

Entretanto, a mesma radicalidade que torna Hardcore Henry memorável também expõe seus problemas. A perspectiva em primeira pessoa cria dilemas que transcendem questões puramente estéticas. Movimentos bruscos de câmera, mudanças abruptas de direção e a aceleração constante da montagem conspiram para criar desconforto físico genuíno, transformando o que deveria ser entretenimento em teste de resistência sensorial. Além disso, a ausência de momentos contemplativos impede que o espectador processe emocionalmente os eventos narrativos, reduzindo a experiência a sucessão ininterrupta de estímulos visuais e sonoros.

O roteiro, deliberadamente minimalista, funciona como estrutura de apoio para as ambições técnicas do filme, mas essa escolha revela-se simultaneamente sensata e limitadora. Por um lado, narrativas complexas seriam incompatíveis com a velocidade frenética da proposta visual; por outro, a simplicidade excessiva impede que Hardcore Henry transcenda sua condição de experimento para alcançar ressonância emocional duradoura. O filme prende-se conscientemente à superfície, oferecendo espetáculo sem profundidade, técnica sem substância.

Hardcore Henry é um marco importante na evolução da linguagem cinematográfica contemporânea, oferecendo perspectiva genuinamente nova sobre as possibilidades expressivas do meio audiovisual. Naishuller criou algo que funcionará eternamente como referência técnica e conceitual para futuras explorações dessa linguagem, mesmo que o filme não atinja plenamente seus objetivos artísticos. Para espectadores dispostos a aceitar seus termos e limitações, a obra oferece noventa minutos de experiência singular que, independentemente de suas falhas, expande nosso entendimento sobre o que o cinema pode ser. É um filme imperfeito, mas corajoso, que cumpre sua função primordial de provocar, surpreender e abrir caminhos.

Hardcore Henry: Missão Extrema (Hardcore Henry) – Rússia/ EUA, 2015
Direção: Ilya Naishuller
Roteiro: Ilya Naishuller, Will Stewart
Elenco: Sharlto Copley, Tim Roth, Haley Bennett, Danila Kozlovsky, Andrei Dementiev, Svetlana Ustinova
Duração: 96 min.

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