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Crítica | Harry Potter e a Criança Amaldiçoada – Parte 2

por Luiz Santiago
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estrelas 2,5

ESTA CRÍTICA NÃO POSSUI SPOILERS!

#KeepTheSecrets

Há uma enorme mudança de tom narrativo entre a primeira e a segunda parte de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada. Enquanto nos dois atos de abertura o leitor é presenteado com uma calorosa lembrança do passado — inicialmente os livros 1 e 2 e, posteriormente, os livros 3 e 4 –, nestes dois Atos finais, há uma incômoda permanência de ações em um ciclo já bastante familiar, quase estragando a experiência tão instigante e tão bem apresentada anteriormente.

O terceiro Ato ainda começa com o mesmo tom de aventura e mistérios que marcou o bloco anterior. A coisa funciona como uma consequência natural, então o leitor quase aceita certas mudanças de perspectiva adotadas pelo texto, imaginando que são desvios para “enganar” o público, levando-o para um lado que não tem exatamente muita importância e deixando a verdadeira ação acontecer em outro lugar. É um truque de construção de mistério que já era clichê desde Agatha Christie, mas um clichê apresentado com charme e dentro de um “plano maior” pode funcionar perfeitamente como algo bom, vide os recursos nesse sentido utilizados pelos autores na abertura da peça. Porém, os desvios não eram para “enganar”. Eles eram uma nova estrutura dramática nascendo. E aí fica difícil perdoar Jack Thorne pelo que se segue.

Que uma coisa fique clara aqui: esta parte dois de A Criança Amaldiçoada não é ruim. Ela tem momentos muito bonitos, ainda mantém cenas interessantes de humor e fantasmas do passado razoavelmente bem inseridos nessa realidade, mas o fato de haver uma troca de motor narrativo entre a brilhante abertura e esta sequência faz com que tenhamos de nos acostumar com coisas bem difíceis de digerir. A partir dessa perspectiva, a cada cena, a coisa vai se tornando mais e mais medíocre. Ela não chega a cair para algo ruim, mas fica naquele poço morno de repetições e algumas barras forçadas que enraivecem ainda mais o leitor por virem depois de algo muito bom.

O momento em que Alvo e Escórpio resolvem destruir um determinado objeto é quando a mudança ocorre. Os desdobramentos desse combinado nos levam para um posto diferente em intenção e representação, buscando muito mais ingredientes dos livros anteriores do que fazendo uso de momentos pontuais deles, de forma aceitável e divertida, para avançar a história, como ocorrera na Parte 1. Vemos então uma nova jornada se iniciar e é quase como se a peça mudasse de mote, sendo a primeira parte sobre Alvo e Escórpio lidando com “problemas de adolescer” e marcados pelo conflito de gerações; e a segunda parte, pela caça de um vilão revelado que, até agora, eu estou tentando entender por quê J. K. Rowling permitiu que tal personagem existisse. É sério. Não dá para aceitar o vilão dessa peça.

A parte final da obra, pelo menos, é fiel à sua proposta inicial, ou seja, investe nos relacionamentos da nova geração e mostra como filhos se opõem aos pais, podendo, com um pouquinho de boa vontade, estabelecer um bom diálogo, aprender lições valiosas e realmente dividir momentos de muito afeto. Duas coisas, porém, me incomodaram bastante nessa retomada: o fato dos outros filhos serem abandonados pelo roteiro — se eles aparecem no início, por que não fechar a obra com pelo menos uma breve aparição? — e o fato de uma certa relação de amizade diluir-se consideravelmente, o que me parece um descuido de construção dos personagens. Passado tudo o que essa dupla passou junto, o mínimo que deveria ocorrer seria a manutenção do tom da amizade como estava no início da peça, não o estacionamento em um estágio menos empolgante.

Depois de ler a segunda parte de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, minha opinião sobre a necessidade de uma revisitação desse Universo mudou um pouco. Eu ainda gosto da ideia, mas se é para criar personagens que gargalham na cara do cânone, é melhor não fazer nada. Por outro lado, tem uma dupla aqui que vale a peça inteira. O resultado final é positivo, mas não há dúvidas de que os atos 1 e 2 são um verdadeiro xodó de qualidade e nostalgia, enquanto os atos 3 e 4 são um mini pesadelo que nem uma reza em ofidioglossia conseguirá fazê-los passar tranquilamente pelo crivo de quem gosta de Harry Potter. Se um dia J. K. Rowling voltar a escrever (ou permitir que escrevam) algo sobre esse mundo, que seja sobre outro grupo de personagens, outra escola, outro cenário. Harry Potter, Alvo e todos os outros queridos ou odiados bruxos dessa realidade precisam seguir a vida deles em paz.

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada – Parte 2 (Harry Potter and the Cursed Child) — Reino Unido, 31 de Julho de 2016
Autores: Jack Thorne (baseado em uma história de Jack Thorne, John Tiffany e  J. K. Rowling).
Editora original: Little, Brown and Company
Editoria no Brasil: Rocco (31 de outubro de 2016)
343 páginas (volume completo)

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