Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Hausu (House, 1977)

Crítica | Hausu (House, 1977)

por Rafael Lima
2,9K views

Após o clássico Tubarão (1975) ter feito um sucesso estrondoso no Japão, a famosa produtora Toho procurou o produtor Nobuhiko Obayashi para que criasse uma história de terror nos mesmos moldes. Mas após uma conversa com a filha pré-adolescente, que sugeriu que o terror era muito mais interessante quando visto de uma perspectiva infantil que não necessariamente precisava fazer sentido, Obayashi partiu para uma abordagem completamente diferente daquela proposta pela Toho. Após o roteiro ficar pronto, a Toho aprovou o projeto, mas nenhum diretor da produtora queria assumir o filme, vendo-o como um destruidor de careira. Após dois anos no limbo, o próprio Obayashi resolveu assumir a direção do filme, dando origem a Hausu, um clássico surrealista do cinema de terror japonês.

Na trama, Gorgeous (Kimiko Ikegami) é uma jovem estudante que não conseguindo aceitar a nova namorada do pai, resolve não viajar com ele nas férias, indo ao invés disso para a casa de sua tia (Yôko Minamida), que não vê há anos. Na companhia das amigas Fantasy (Kumiko ôba), Kung Fu (Miki Jinbo), Professora (Ai Matsubara), Melody (Eriko Tanaka), Sweet (Masayo Miyako) e Mac (Mieko Satô), Gorgeous vai para a casa da tia, mas logo após a chegada das meninas, coisas bizarras começam a acontecer. Uma força misteriosa na casa, que parece intimamente ligada ao gato da tia, começa a perseguir as garotas uma a uma, e agora elas devem lutar para sair da casa se quiserem sobreviver.

Escrito por Chiho Katsura a partir do argumento de Obayashi, Hausu estabelece a sua aura fabular desde o momento em que assumidamente limita os seus personagens principais a tipos básicos através de seus nomes. Assim, a garota que passa boa parte do tempo sonhando acordada é chamada de Fantasy; a menina que tenta resolver tudo na porrada e adora artes marciais é conhecida como Kung Fu; a que vê tudo sob uma perspectiva lógica é a Professora, e assim por diante. O texto de Katsura, entretanto, tem plena consciência dessa tipificação de suas protagonistas, utilizando isso não só para construir o ar lúdico que a narrativa claramente persegue, mas também um forte senso de absurdo sardônico de uma trama que não tem intenção nenhuma de ser levada á sério. Mesmo com toda essa despretensão narrativa, percebe-se na história diferentes formas de exploração do medo, desde os medos infantis mais simples, passando pelo medo do amadurecimento, até os traumas da II Guerra tão marcados para os japoneses.

A direção de Obayashi confere ao filme a atmosfera absurda e surrealista proposta pelo roteiro. O diretor persegue uma aura muitas vezes teatral, onde o terror atinge níveis tão absurdos que se torna cômico. Para atingir esse objetivo, o cineasta se vale dos mais variados recursos, desde os cenários exagerados e propositalmente artificiais; passando pela direção de atores (em um elenco formado em sua gigantesca maioria por atrizes iniciantes) que valoriza o Overacting, até os figurinos exuberantes e provocantes, enquadramentos fora do padrão e uma montagem cheia de cortes abruptos, que antecipa em anos a linguagem do videoclipe. Todos os departamentos trabalham em conjunto para criar uma experiência fílmica desorientadora e desconcertante.

Obayashi também utiliza uma série de transições de tom que colaboram com a constante sensação de estranhamento perseguida pela obra. Se em um momento, acompanhamos uma sequência musical que não ficaria fora de lugar em um episódio de Sítio do Pica-Pau Amarelo, onde acompanhamos a jornada das protagonistas para a casa da tia, em outro trecho, assistimos a uma garota ser devorada de maneira brutal por um piano, remetendo à violência escatológica com litros de sangue que remetem diretamente ao que diretores como Sam Raimi e Peter Jackson trariam ao gênero anos depois. Há também uma mescla interessante entre efeitos práticos, Chroma Key e até mesmo animação 2D, que mesmo bem artificiais, casam perfeitamente com o universo proposto pelo longa.

É importante observar que embora tenha uma premissa simples e o roteiro até desenhe um arco dramático bastante típico de histórias de terror, onde o evento terrorífico surge como um reflexo do fim da inocência (uma das personagens é totalmente corrompida ao deixar de se ver como uma menina para se ver como uma mulher) Hausu é decididamente uma experiência muito mais sensorial do que narrativa. O filme de Obayashi aposta na força de suas imagens bizarras, e em sua montagem agressiva cheia de cortes rápidos para imagens oníricas que surgem de forma abrupta, para criar uma atmosfera de pesadelo que pode ser tanto horrível quanto hilária. 

É importante frisar, entretanto, que Hausu está longe de ser um filme para todos os gostos. O projeto está tão comprometido com seu exercício estilístico que não está preocupado em nos fazer criar qualquer tipo de relação com os personagens que façam com que nos importemos com eles de alguma forma. Os arcos narrativos, quando aparecem, estão a serviço do estilo, e não o contrário. Essa opção pode afastar alguns, ou como no meu caso específico, atrapalhar a imersão, pois na maior parte das vezes preciso me importar minimamente com os personagens para que isso ocorra, e esta não é a meta desse longa-metragem. Ainda assim, é preciso reconhecer que o filme entrega uma experiência cinematográfica extremamente criativa e influente, à qual é impossível ficar indiferente, algo que poucas produções podem se orgulhar de dizer. 

Hausu- Japão, 1977
Direção: Nobuhiko Obayashi
Roteiro: Chiho Katsura
Elenco: Kimiko Ikegami, Kumiko Ôba, Miki Jinbo, Ai Matsubara, Eriko Tanaka, Masayo Myiako, Mieko Satô, Yôko Minamida, Kiyohiko Ozaki, Saho Sasazawa, Haruko Wanibushi, Asei Kobayashi, Tomokazu Miura, Kiyoko Tsuji, Shôichi Hirose, Fumi Dan, Mitsutoshi Ishigami, Yasumaso Ônishi, Chiho Katsura
Duração: 88 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais