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Crítica | Heartstopper: Este Inverno, de Alice Oseman

Ah, o Natal em família...

por Luiz Santiago
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Este Inverno se passa algumas semanas depois da saída de Charlie da clínica de tratamento e recuperação para pessoas com distúrbios alimentares, no volume 4 da série em quadrinhos. Como o título já nos indica, a trama se passa no final do ano, mais especificamente durante o Natal, e o leitor deve se preparar para uma grande dose de clichês extremamente realistas — notem que eu falo isso da forma mais positiva possível — e uma narrativa construída a partir de pontos de vista que é parte de todo o charme do livro — como comentei na crítica de Nick e Charlie, esse modelo de escrita é uma das bases da obra de Alice Oseman, que parece aperfeiçoar o uso a cada nova obra.

Este modelo de construção literária torna a obra ainda mais dinâmica ao tratar um determinado evento a partir de um ponto de vista mais distanciado, ou seja, é um princípio perfeito para esse tipo de história porque faz com que ela vire uma crônica, e os pontos de vista, por terem uma certa caraterística de diário (mental ou verdadeiramente escrito) acaba aproximando o leitor muito mais rapidamente dos personagens e da problemática estabelecida. Além disso, a autora conseguiu, através dessa estrutura, fazer umas das melhores representações de troca de mensagens por celular que eu já vi na literatura recente. Quem costuma ler bastante literatura contemporânea sabe o quão irritante é acompanhar alguns autores expondo mensagens por redes sociais ou até mesmo por e-mails em seus livros. Chega a ser engraçado, de tão tragicamente ruim.

Aqui, esse problema não existe, porque Alice Oseman sabe não apenas como mostrar uma troca de mensagens de maneira interessante (e já vimos que nos quadrinhos também!), mas também fazê-la com real sentido dramático para a história. Não se trata apenas de uma troca de mensagens porque os personagens são jovens. Há um sentido orgânico e lógico na narrativa que cobra esse tipo de comunicação, que não é feita, aliás, de modo indiscriminado, o que também é outra coisa que outros autores parecem não entender: a hora de parar. Pois muito bem, começamos esse dia de Natal com o fofíssimo Oliver acordando Tori e Charlie, e toda a primeira cena do livro consiste em uma adorável sequência de convivência entre os irmãos. É um dos meus momentos favoritos do livro, perdendo apenas para o absurdamente fofo ponto de vista do próprio Oliver, que fecha o volume.

Não é de hoje que o Natal é uma data popularmente representada na ficção com seus “momentos de brigas familiares“. No caso da família de Nick, porém, tirando o odioso irmão, todo mundo parece ser gente boa, lidando bem com a sexualidade do garoto e muito curiosos para conhecer Charlie. Já no caso da família de Charlie, tirando os seus adoráveis irmãos, sempre parece haver algum ponto de conflito. E não é como se houvesse ali pontos de homofobia (bem, não sabemos dos avós dele, porque até esse momento, ele ainda não se assumiu para os avós). Mas o relacionamento constantemente conflituoso com a mãe, os parentes sem noção perguntando coisas absurdas sobre a clínica e sobre o estado de saúde de Charlie… tudo isso vai deixando o menino no limite e atingindo justamente o ponto que é um problema para ele — claramente maximizado no Natal, que é uma data de muita fartura, muita comida e tradicionalmente de muitas refeições compartilhadas.

O enredo, com essa mudança constante de visões, mostra como Charlie, Nick, Tori e Oliver presenciaram diferentes emoções nesse dia de Natal. Das festas familiares às muitas citações a Doctor Who, vemos o dia avançar, os ânimos se acirrarem e então um certo impulso natalino empurrar a maioria dos personagens para um campo menos beligerante e mais harmonioso. É um livro que incomoda porque a gente vê o sofrimento de Charlie, o desconforto grande de Nick, Tori e Oliver e a forma como os adultos ao redor deles reagem, tentam diminuir ou mesmo contribuem para aumentar o problema. É uma narrativa curta, mas muito intensa, e que mais uma vez expõe a lindeza do relacionamento amoroso dos protagonistas e mostra a montanha-russa de emoções que uma festividade tão intensa como o Natal pode trazer para uma pessoa num processo de recuperação de alguma coisa. Haja coração!

Heartstopper: Este Inverno (Heartstopper: This Winter) — Reino Unido, 5 de novembro de 2015
Autora: Alice Oseman
Edição lida para esta crítica: HarperCollins (quando da republicação com ilustrações em 06/08/2020)
144 páginas

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