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Crítica | Heartstopper: Nick e Charlie, de Alice Oseman

A necessidade de uma conversa.

por Luiz Santiago
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Quando lançou Nick e Charlie, em julho de 2015, Alice Oseman ainda não tinha lançado as sementes do que se tornaria o seu maior sucesso de vendas. À época sequer existia a webcomic intitulada Heartstopper, que na verdade só seria criada no ano seguinte, justamente por conta de muitos pedidos de seus fãs para que ela mostrasse o início do relacionamento dos protagonistas. Fica então a pergunta: o que motivou a escrita de um livro como Nick e Charlie? Bem, tudo começou em julho de 2014, quando a autora publicou o seu primeiro YA (young adult), Um Ano Solitário. Nessa trama, acompanhamos Tori Spring em um momento de sua vida em que não aguenta mais o Colégio e não tem muita paciência para as coisas. Ao longo da história acabamos conhecendo também o seu irmão Charlie e o namorado dele, Nick. Pois bem, foram esses personagens que, um ano depois do lançamento de Solitaire, ganharam o seu próprio livro.

Em termos de continuidade, esta obra se passa no último ano de Nick no Colégio, e basicamente acompanha a sua jornada de preparação para a Universidade (ou seja, se passa depois de Solitaire e depois de tudo aquilo que temos nos quadrinhos da série). Aqui, a relação dos dois já está bastante desenvolvida. Nick já dirige, eles já transam e há preocupações muito mais maduras e ajustes para o ingresso na vida adulta. No entanto, ainda estamos falando de dois jovens de 17 e 18 anos, de modo que é normal esperarmos comportamentos que às vezes indicam grande maturidade em relação ao que vemos na 1ª Temporada da série ou em Dois Garotos, Um Encontro; e outros comportamentos que às vezes deixam claro que ainda estamos diante de pessoas que estão crescendo, aprendendo e amadurecendo.

A dupla agora precisa lidar com o fato de que vão morar longe um do outro, o que imediatamente transforma o seu namoro em um “relacionamento à distância“. E a partir desse rótulo é que a autora começa a desenvolver de verdade a história. Nick está muito contente e ao mesmo tempo apreensivo com essa mudança. Mas ele não aguenta mais o Colégio e não vê a hora de mudar de cidade, começar a trabalhar, começar a viver como um adulto. Ao mesmo tempo, tem em mente o quanto será difícil viver longe de Charlie, embora isso seja algo que ele tem certeza que irá conseguir contornar. O que ele não esperava é que a insegurança e grande medo do namorado mais a sua impaciência com pouca ou nenhuma informação sobre o que estava acontecendo com Charlie levará os dois para uma grande briga.

A obra é escrita em formato de diário e de narrativas de pontos de vista (o POV é uma das marcas literárias de Alice Oseman, por sinal), ou seja, a essência de Nick e Charlie é a de uma crônica expositiva de eventos em torno de grandes mudanças. A cada bloco cênico mudamos a leitura de Nick para Charlie, e essa mudança cria uma interessante forma de olhar para a situação, pois conhecemos o que cada um dos meninos pensa; quais são os seus temores, desejos e expectativas em relação ao outro. E é evidente que isso torna a leitura angustiante, porque os personagens não sabem dessas informações todas. E como há um sério problema de comunicação entre o casal nesse livro (o que gera comportamentos irritantes e problemáticos vindos de Charlie, embora o contexto nos permita entendê-los — ou seja: não é uma chatice gratuita!), imaginamos que a coisa realmente irá se encaminhar para uma tragédia, e daquelas bem idiotas, onde as duas partes deveriam sentar para conversar, desde o princípio, e resolver facilmente toda a questão.

Em oposição ao pensamento otimista de Nick em relação à sua nova fase de vida, temos a visão amargurada de Charlie, que acredita que o relacionamento à distância irá afastar Nick dele para sempre. É um medo que Charlie vai guardando para si, tentando disfarçar, mas à medida que avançamos nas páginas, percebemos que sua paciência e tolerância vão minando, até chegar o dia em que, muito irritado e bêbado, ele coloca parte desses temores para fora. Nick não entende nada o que está acontecendo, claro. Eles brigam. Muitas coisas são ditas pela metade, outras não são ditas, outras são mal compreendidas ou mal expostas (de novo: Charlie estava bêbado) e as portas para algo muito triste se abrem.

O realismo típico dos textos de Oseman está presente aqui do começo ao fim, e é impressionante o fato de que esta foi a primeira coisa que ela escreveu sobre Nick e Charlie, pois a quantidade de detalhes e coisas interessantes que só entendemos com riqueza porque conhecemos as histórias que cronologicamente seriam publicadas depois, é imensa. A maneira como o casal resolve o problema, aqui, é típica de pessoas de 17/18 anos, e confesso que me vi, nesse momento do livro, nessa mesma idade, terminando uma briga que parecia “ser o fim de tudo” exatamente da mesma forma. O sentimento e o sofrimento que a autora explora neste livro mostram que, até nas melhores relações, um momento onde a comunicação falha e onde uma das partes deixa fermentar um mal sentimento pode gerar situações drásticas, evoluindo como eventos que, uma vez iniciados, dificilmente podem ser parados. Esta história que começou como “uma novela de Solitaire” e hoje é “uma novela de Heartstopper” é essencial para os leitores conhecerem um pouco sobre como será o relacionamento desses dois adoráveis meninos alguns anos mais à frente. E alerta de spoiler: eles continuam imensamente fofos.

Heartstopper: Nick e Charlie (Heartstopper: Nick and Charlie) — Reino Unido, 16 de julho de 2015
Autora: Alice Oseman
Edição lida para esta crítica: HarperCollins (quando da republicação com ilustrações em 06/08/2020)
176 páginas

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