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Crítica | Heartstopper – Vol.1: Dois Garotos, Um Encontro

Coração aquecido.

por Luiz Santiago
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Tudo começou com uma webcomic no Tumblr e Tapas, por volta de 2016. Foi assim, para milhões de pessoas na internet, que a prolífica e jovem autora britânica Alice Oseman deu início à série de HQs Heartstopper, que foi conquistando os corações ao redor do mundo (aqui no Brasil, o primeiro volume chegou em 2021, pela Editora Seguinte). Oseman iniciou a sua carreira literária em 2014, com o livro Solitaire, e foi ali que ela encontrou dois personagens por quem tinha um carinho muitíssimo especial: Charlie Spring e Nick Nelson. Tendo-os como destaque e criando uma espécie de spin-off de Solitaire, a autora escreveu duas novelas: Nick e Charlie (publicada em julho de 2015) e Este Inverno (publicada em novembro de 2015) expandindo esse relacionamento antes mesmo de mostrar as suas origens, nos quadrinhos que publicaria mais adiante.

Em 2016 e 2017, versões iniciais e curtas, com uma história em quadrinhos protagonizada por Nick e Charlie (Heartstopper) chegaram ao público, mas foi apenas em 2018, com uma versão independente vinda de uma campanha no Kickstarter, que o primeiro volume da série, aqui no Brasil intitulado Dois Garotos, Um Encontro, ganhou a sua primeira publicação oficial e completa, com edições realizadas posteriormente pela Hachette Children’s Group. Na história, os protagonistas são estudantes da Truham Grammar School for Boys, onde se conhecem no início no início de um ano letivo (o 1º ano para Charlie, e o 2º ano, para Nick) e em pouco tempo, se apaixonam. Trata-se, portanto, de uma história de amor com um sabor bem diferente daquele que a gente está acostumado em romances LGBT, especialmente os que envolvem personagens mais jovens.

Alice Oseman é extremamente delicada ao escrever sobre a vida desses dois meninos. Sua narrativa gráfica é divertida, visualmente inventiva e cheia de boas interferências artísticas, com boas brincadeiras na diagramação de páginas, no estilo de letras utilizadas para situações específicas, e principalmente no uso de redes sociais na narrativa, algo que sempre precisa de muito cuidado quando representado nas HQs ou no cinema ou TV para não se tornar uma coisa chata ou deixar que atrapalhe o andamento do enredo. Essa estrutura dinâmica torna a trama cada vez mais gostosa de se acompanhar, ou seja, junta-se à história dos meninos protagonistas e às pessoas em torno deles em nível de qualidade. Nesse primeiro volume, conhecemos relativamente bem o cenário do colégio e dos lares desses meninos, além de seus amigos, que possuem um papel coadjuvante na narrativa — aqui, eu queria que aparecessem um pouco mais.

A relação entre Nick e Charlie é uma das mais fofas relações LGBT que eu já vi retratada em um quadrinho para um público jovem. A proposta é realmente a de um romance inocente, sensível, açucarado e, muitas vezes, bobinho. E essa é a melhor parte aqui. Assumir essa leveza, onde a felicidade é a tônica de tudo, mas as exigências da vida e os seus problemas e tristezas também passam para fazer uma visita, de vez em quando, não é algo comum em enredos homoafetivos, quase que unicamente marcados por tragédias, tristezas infindáveis, sofrimento atrás de sofrimento e um acúmulo grande de problemas sociais que todo mundo sabe que existe aos montes, mas que também não são a única coisa na vida de uma pessoa. E a autora de Heartstopper entende isso.

A descoberta da sexualidade pessoal, a vida no mundinho e na cabeça de um adolescente, suas primeiras visões sobre o amor e o contato com alguém novo é que ganham destaque nessas páginas, uma estratégia de roteiro que procura olhar a vida de forma leve, o que não quer dizer “alienada“. Problemas como bullying e homofobia são tratados neste primeiro volume, por exemplo, assim como uma relação tóxica entre dois adolescentes, onde um é publicamente assumido gay e outro não — mas às escondidas, que continuar dando uns beijos no garoto gay, enquanto fingindo não conhecê-lo na frente das outras pessoas. A discussão que Oseman faz dessa questão é excelente. Ela mostra como as pessoas podem ser honestas em relação aos seus gostos, comportamentos e essência (ou seja, guardar sua sexualidade para si mesma) sem diminuir ou ferir o outro, seja de maneira física, verbal ou emocional.

A maneira como Charlie e Nick se aproximam é bela e cheia de um realismo que falta em obras de romances LGBT entre jovens. Sim, é verdade que muitas cabeças e corpos de adolescentes e jovens, hoje em dia, já estão muito além do flerte e dos beijinhos, mas essa é apenas uma faceta da descoberta da sexualidade e, aqui, está muitíssimo bem representada. Heartstopper mostra um dos muitos lados possíveis dessa fase da vida, um lado que talvez seja “ultrapassado” para alguns, mas com o cuidado com que é narrado, nos captura e nos traz momentos de grande felicidade, simplicidade e muita, muita fofura. Heartstopper é uma obra sobre encontrar algo novo em uma vida cheia de obstáculos. É um sorriso do Universo em um entorno que não parece muito propício a sorrir. E só por isso, ela já é uma obra que merece ser conhecida. Porque de horror e derrotismo o mundo já está repleto, inclusive nas ficções. Toda dose de genuíno e inocente amor, riso e esperança, portanto, são muitíssimo bem vindas.

Heartstopper – Vol.1: Dois Garotos, Um Encontro (Heartstopper: Volume One) — Reino Unido
Roteiro:
Alice Oseman
Arte: Alice Oseman
Datas de publicação originais: 2016 – onwards (data de lançamento). 13 de outubro de 2017 (mini comics zine). 2018 (Edição Kickstarter — esta é considerada a Edição Original do volume!). 07 de Fevereiro de 2019 (Retail Edition Volume One). 11 de julho de 2019 (Retail Edition Volume Two). 6 de Fevereiro de 2020 (Retail Rdition Volume Three).
No Brasil: Editora Seguinte, 2021
288 páginas

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