Em suas histórias, a franquia Hellraiser, desenvolvida com base nos personagens e argumentos de Clive Barker, mesmo em suas tramas medianas, ou então, aquelas que de tão ruins, são ofensivas, nos oferece uma análise profunda sobre a relação entre dor e transcendência. Por meio dos suplícios enfrentados por seus personagens, as tramas nos apresentam a dor não apenas como uma forma de sofrimento, mas como um caminho para a evolução e transformação. Em muitas situações, a dor psicológica também entra em cena, transtornando a vida daqueles que ousam mexer na configuração dos lamentos. Filosoficamente falando, os cenobitas e suas ligações com a dor servem como metáforas para as complexidades da experiência humana, lembrando-nos que, embora a dor possa ser uma força devastadora, também possui o potencial de nos libertar, desafiando-nos a buscar um sentido mais profundo em nossas vidas. Ao confrontar a dor, os personagens de Hellraiser nos inspiram a refletir sobre nossas próprias batalhas e as formas como podemos transcender nossas limitações, abraçando essa sensação como um passo necessário para a verdadeira libertação. O que acontece é que, na maioria dos desfechos, as figuras ficcionais não conseguem se desassociar na confusão em que se meteram, destroçando suas vidas, tragados pela perspectiva infernal de suas jornadas.
No quarto filme da série, Hellraiser: A Herança Maldita, temos a última participação de Clive Barker como membro dos bastidores. Dirigido por Kevin Yagher (e contribuições de Joe Chappelle, não creditadas), o filme foi lançado em 1996 e ao longo de seus 86 minutos, tem uma estrutura dramática que se desdobra através de diferentes períodos temporais, abordando a origem da Caixa Lemarchand, um artefato que possibilita a abertura dos portões do inferno. Situando-se no século XVIII na França, nos anos 1990 em Nova Iorque e, finalmente, no século XXII em uma estação espacial, a trama explora como as tentativas da família do fabricante da caixa e seus descendentes ao longo dos séculos buscam destruir os cenobitas, seres demoníacos que representam uma ameaça constante à humanidade. A abordagem do filme revela uma conflituosa luta intergeracional e o impacto contínuo da Caixa Lemarchand ao longo da história de todos aqueles que, em algum momento, gravitam em torno da sua existência.
O enredo destaca os dilemas enfrentados pela família envolvida na criação da caixa, cujo objetivo é proteger a humanidade, concomitante as linhas temporais que se entrelaçam, com figuras ficcionais constantemente em guerra com os tenebrosos cenobitas. Interessante essa perspectiva adotada pelo roteiro, numa interseção de épocas que reforça a ideia de que os horrores do “inferno” estão sempre à espreita, enquanto a obra se encerra em uma luta final pela salvação e pela tentativa de fechamento definitivo das portas que conectam os dois mundos. Em sua perspectiva “extraterrestre”, a trama se desenrola em 2127, na Base Espacial Minos, onde o Dr. Paul Merchant, um cientista interpretado por Bruce Ramsay, sequestra uma nave que projetou e tenta invocar o demônio Pinhead, o icônico líder dos cenobitas, presente em poucas cenas desta sequência, com Doug Bradley em seu costumeiro traje assustador. Durante esse ato, ele é confrontado por uma equipe de segurança composta por cinco policiais que o interrogam e ouvem sua história familiar marcada por uma maldição perpétua ligada à missão de impedir a ascensão dos cenobitas entre os humanos. Noutro momento, a narrativa retrocede para o mencionado século XVIII, na França, onde o ancestral de Paul, Phillip L’Merchant (também interpretado por Ramsay), é um mestre fabricante de brinquedos.
Ele é abordado por um ocultista enigmático que o persuade a criar uma caixa que se transforma na Configuração dos Lamentos, capaz de abrir portais para o inferno. Nesse contexto, Jacques, assistente do mágico, chama uma prostituta, que se torna a hospedeira de um demônio após ser possuída, adotando o nome de Angelique (Valentina Vargas), numa trama que entrelaça temas como herança, o mal e a conexão entre passado e presente, enquanto revela os horrores que surgem da curiosidade humana pelo oculto. Na perspectiva dos anos 1990, acompanhamos o arquiteto John Merchant (Ramsay), um homem que vive em Nova York com sua esposa e filho Jack. Sua vida se torna um pesadelo com a chegada de Angelique, que busca impedir John de construir uma caixa destinada a eliminar a Configuração dos Lamentos. Esse projeto complexo está ligado aos instintos ancestrais de sua família, que, inadvertidamente, deu origem aos cenobitas, criaturas aterrorizantes que ameaçam sua vida. Com trilha sonora de Daniel Licht, textura que evoca pontos da obra-prima de Christopher Young para o primeiro filme da franquia, Hellraiser 4: A Herança Maldita conta com uma razoável direção de fotografia sombria, assinada por Gerry Lively, mas não chega a ser um grande filme, ficando na zona do razoável.
Hellraiser 4: Herança Maldita (Hellraiser: Bloodline, EUA – 1996)
Direção: Kevin Yagher
Roteiro: Peter Atkins
Elenco: Ashley Laurence, Doug Bradley, Bruce Ramsay, Christine Harnos, Kevin Bernhardt, Adam Scott, David L. Lander
Duração: 86 min.