De boas e más intenções, o inferno está cheio, algo que a franquia, por sinal, já nos mostrou demasiadamente. Em diálogo com pessoas admiradoras de Pinhead e seus cenobitas, certa vez, alguém disse, “poxa, mas ao menos eles tentaram”. Pois é. Tentativa e erro. Mas a cada nova tentativa, mais erros, num ciclo de dor estética e narrativa sem fim. Assim é Hellraiser: Julgamento, lançado em 2018, décimo filme da longa e emblemática franquia que um dia já foi mais interessante. Dirigida por Gary J. Tunnicliffe, a produção busca revitalizar a série, ao nos colocar diante de elementos de suspense policial em conexão com o horror sobrenatural característico da franquia, tentativa melhor conduzida em Hellraiser: Inferno, mesmo que ainda cambaleante. Mais uma vez, o enredo mergulha na exploração dos pecados humanos e na busca pelo julgamento “sobrenatural” pelos cenobitas, numa proposta que expande o universo infernal ao apresentar novos cenobitas, cada um representando diferentes aspectos da maldade humana. É, em linhas gerais, uma história instigante, mas conduzida sem firmeza, com desempenhos dramáticos irregulares do elenco e estética abaixo do esperado para um filme deste universo.
A trama segue uma dupla de detetives investigando uma série de assassinatos ritualísticos. À medida que a investigação se desenrola, os personagens são confrontados com a presença do infernal Pinhead, interpretado Paul T. Taylor, num visual e desempenho interessante, ao meu olhar e, para o disparate dos fãs lendo, no nível do icônico Doug Bradley. A trama, como mencionado, introduz cenobitas inéditos e explora uma dimensão mais ampla da punição sobrenatural. Mas, tal como a maioria dos seus antecessores depois da primeira trilogia, peca pela falta de coesão. A direção de fotografia de Samuel Calvin até que é interessante e o design dos cenobitas consegue manter a estética visual característica da série, mas a trilha sonora de Mike Wandmacher, caso fosse um pouco mais inspirada, teria colaborado para a construção de uma atmosfera mais sinistra ao longo de seus breves 81 minutos de enredo.
Aqui, ao expandir o universo da franquia e introduzir uma nova facção do inferno chamada Inquisição Stígia, que, enquanto os Cenobitas oferecem prazeres sadomasoquistas, processam as almas dos pecadores. No inferno, Pinhead, chefe da seita Cenobita, e o Auditor da Inquisição discutem a necessidade de adaptar suas abordagens para a coleta de almas, considerando o avanço da tecnologia humana que ameaça a utilização das Configurações como portais para o inferno. Na Terra, os mencionados detetives estão em busca de um assassino em série conhecido como Preceptor, que comete crimes inspirados nos Dez Mandamentos. A investigação os leva a um criminoso desaparecido. E, entre idas e vindas de situações infernais, a verdade é revelada próxima ao desfecho e descobrimos que o portal que divide as forças sobrenaturais e a vida na terra está praticamente escancarado.
O novo Pinhead apresenta uma voz impactante e uma expressão que respeita a essência do personagem, contrastando com a representação pouco convincente de Stephan Smith Collins em Hellraiser: Revelações. Apesar dessa interpretação mais respeitosa, o roteiro fraco prejudica o desenvolvimento do personagem, que acaba não oferecendo muito além de uma presença marcante. Ademais, os outros cenobitas que compõem o filme são esquecíveis, o que diminui ainda mais o potencial da obra. Embora o filme tente referenciar e até reimaginar cenas do clássico de 1987, estas tentativas não conseguem resgatar a profundidade e a força do original, resultando em uma experiência que deixa a desejar para os fãs da franquia. Após seis anos sem nada neste universo, os direitos do filme foram para a Dimension Films, que precisava produzir mais uma sequência, apesar do desinteresse por novas produções. Contudo, Gary J. Tunnicliffe, conhecido por seu trabalho em maquiagem e efeitos práticos desde o terceiro filme, viu a oportunidade de finalmente dirigir seu próprio trabalho, algo que desejava fazer há mais de 25 anos. Como disse na abertura: de boas intenções o inferno está cheio.
Depois dessa entrada, um novo filme só surgiria em 2022, reboot com Pinhead numa versão feminina, para dialogar com os novos tempos e revitalizar a franquia. Será que deu certo?
Hellraiser: Julgamento (Hellraiser: Judgment, EUA – 2018)
Direção: Gary J. Tunnicliffe
Roteiro: Gary J. Tunnicliffe
Elenco: Paul T. Taylor, Ashley Lawrence, Randy Wayne, Heather Langenkamp, Jonger D. Dexter, Matt Biedel, Claire Fanni
Duração: 81 min.