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Crítica | Henrique V (1989)

por Sidnei Cassal
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Henrique V tinha como sua mais famosa versão para o cinema aquela dirigida por Laurence Olivier, na década de 50. Kenneth Branagh, inglês como Olivier, e também vindo dos palcos londrinos, onde atuou em algumas peças shakesperianas, mudou isso em 1989. É provável que o grande ator inglês tenha servido de modelo e inspiração para o jovem Branagh se lançar em sua primeira empreitada como diretor (e também protagonista) de sua versão de Henrique V.

A primeira vez que vi este Henrique V foi na época de seu lançamento, e nunca mais. Eu era bastante jovem na época e confesso que não lembrava quase nada do filme. Agora, para escrever sobre ele, tive que assisti-lo novamente – como sempre faço. Confesso que não tinha na lembrança as qualidades como cinema deste primeiro filme de Branagh na direção. Também me chamou a atenção a estreia de outro colaborador de Branagh nesta empreitada: o compositor Patrick Doyle, cuja trilha original é muito boa. Ambos surpreendem pela consistência de seus trabalhos, em se tratando de estreantes.

Para quem não conhece a história, pretendo fazer um breve resumo: estamos na época da Guerra dos Cem Anos, e Henrique V, rei da Inglaterra, reclama para si terras e a própria coroa da França, por entender que ela lhe é de direito, tendo sido usurpada de seu pai pelo atual ocupante, o rei Carlos VI. Após se sentir insultado pela resposta recebida à sua demanda, decide enfurecidamente invadir a França e tomar à força o que lhe é de direito.

Henrique V, o filme, começa de uma forma bastante original. O coro presente nos antigos dramas gregos, foi substituído por Shakespeare, nesta peça, pela figura de um narrador. Um personagem que surge para ligar as cenas e descrever aquilo que não pode ser encenado nos palcos. Branagh manteve este narrador (interpretado por Derek Jacobi), mas no filme decidiu tratá-lo como um contemporâneo nosso, e não um contemporâneo de Henrique V. Então, na cena inicial, Jacobi inicia seu pequeno monólogo naquilo que parece um estúdio de cinema, com objetos de cena que lembram a época retratada no filme, para apresentar a história que iremos acompanhar. Ao longo do filme, ele surgirá novamente, agora inserido nas locações em que as personagens da história atuam.

Além desta inovação, ao contrário da versão de Laurence Olivier, Branagh trouxe a ação para locações externas, dando o realismo cinematográfico necessário. Mas como Olivier, guardou para si o papel principal. Pareceria um trabalho demasiadamente sobrecarregado para um diretor estreante ser também o protagonista da história. Mas ele mostra que deu conta do recado. Sua interpretação de Henrique V é tão vigorosa e apaixonada quanto a personagem que retrata. Além disso, como diretor, soube muito bem escalar seu elenco de apoio. E mesmo que tenha mantido a maioria dos diálogos da peça, Branagh demonstra que tinha em mente todo o tempo que o filme funcionasse como cinema, evitando uma impressão de simples teatro filmado, o que justifica que tenha suprimido e acrescentado cenas e diálogos que não estão na peça.

Tanto que toda a explanação inicial para que o público entenda o contexto da história parece na verdade um prólogo e uma preparação das personagens para a batalha final, transformada no filme na sequência mais importante. É nela que Branagh efetivamente demonstra um insuspeito talento para o cinema. Sua Batalha de Agincourt é filmada com raro realismo, mas sem uma exaltação heroica da vitória dos ingleses. É uma cena melancólica na verdade, onde se tem a impressão de em cada cena ouvir-se o lamento da perda de tantas vidas. Embora triste e pungente, ela é desafortunadamente bela. Ao final da batalha, segue-se outra cena antológica, ainda nos campos de batalha, onde a retirada dos mortos é acompanhada pelo entoar do Non Nobis.

Branagh dirigiu até hoje 13 filmes, incluindo recentemente o primeiro capítulo da franquia Thor, mas é curioso que foi sempre melhor sucedido quando adaptou Shakespeare, parecendo ser esta sua verdadeira vocação.

Henrique V (Henry V, Inglaterra, 1989)
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Kenneth Branagh
Elenco: Derek Jacobi, Kenneth Branagh, Simon Shepherd, James Larkin, Brian Blessed, James Simmons, Paul Gregory, Charles Kay, Alec McCowen, Fabian Cartwright, Stephen Simms, Jay Villiers, Edward Jewesbury, Ian Holm
Duração: 137 minutos

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