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Crítica | High Flying Bird

por Gabriel Carvalho
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“Eu amo o Senhor e todos os seus filhos negros.”

Quem está com o poder nas mãos? Quem controla o jogo? Steven Soderbergh recorre novamente ao uso do Iphone, curioso experimento que iniciou em Distúrbio e que já virou moda na cena, para explorar novos caminhos cinematográficos. Contudo, o cineasta aqui lança o seu mais novo longa-metragem através da Netflix, uma reiteração do quão suscetível a metamorfoses Soderbergh é. Com temática esportiva, High Flying Bird também é um projeto mais pessoal seu. Anos atrás, o diretor estava envolvido com a produção de Moneyball – O Homem Que Mudou o Jogo, porém, acabou sendo despejado do cargo por questões internas. Soderbergh não possuía o controle em suas mãos, não comandou o jogo e perdeu feio. Agora, o cenário é outro, pois as regras mudaram.

Esse é, portanto, um longa-metragem sobre os bastidores – relacionados ao basquetebol – comandado por um artista com muitos problemas de bastidores – relacionados ao cinema. O que está sendo discutido entre empresários brancos enquanto jogadores negros ficam sem jogar e sem faturar? Pois a metalinguagem surpassa a camada em que Ray (André Holland), agente de jogares de basquete, cita a Netflix nominalmente. Quando uma greve ameaça o seu emprego e o futuro de jogadores próximos a si, Ray precisa mudar o jogo, envolver-se nos casos, nem que seja por um pequeno momento. Soderbergh cria uma obra sobre a inversão do poder, acerca de quem possui a bola nas mãos e quem não, estando à mercê de outros. Hoje, essa pessoa é justamente o próprio.

Verdade que o projeto não possui muito interesse no basquetebol como sendo um esporte dentro das quadras. No entanto, a obra contempla o valor do jogo enquanto esse permanece inserido no coração dos jogadores. Quando apresenta trechos documentários, com entrevistas a personalidades reais, Soderbergh ressignifica sobre quem é a sua obra: os esportistas e não os engravatados. High Flying Bird urge a necessidade para que esses pássaros saíam das suas gaiolas e consigam ditar suas próprias regras. O mundo afora é cruel demais para que esses “meninos” – um termo recorrentemente usado com muita sapiência por parte do texto – continuem se enxergando como meninos. É a emancipação do atleta mostrando ser imensamente necessária.

E, acima de qualquer outra coisa, Ray Burke é um grande personagem para guiar essa narrativa de desconstrução das amarras. High Flying Bird nunca tenta diminuir a grandeza de caráter do seu protagonista, pois, pelo contrário, engrandecimento é a única coisa que cresce ao seu redor, além da sua enorme sagacidade. Justamente enquanto o longa-metragem enfoca-se na jornada de um cliente do protagonista chamado Erick (Melvin Gregg), Holland, que vive Ray, encarna um super-herói para o basquete que nem mesmo é bom no basquete. Certas motivações evidenciam-se como diminuições da complexidade em justificar o olhar mocinho a Ray, como é o caso do seu passado com o seu primo, jogado na trama. É a essência que se sustenta aos trancos e barrancos.

Steven Soderbergh ainda acrescenta uma outra camada, mais ácida, ao conjunto da fita. Depreende-se, com isso, a necessidade de Tarell Alvin McCraney, envolvido em Moonlight, assinar o roteiro. Um viés metafórico tão óbvio quanto pungente, embasado no passado escravocrata dos Estados Unidos, é consolidado por várias passagens. São setenta e cinco porcento de jogadores negros, dentro os de basquete, sendo controlados por homens brancos. E esses donos da liga, em impasse com o sindicato, são seres transformados, no enredo, em uma amálgama interpretada por Kyle MacLachlan. O caráter vilanesco mora nos seus olhos. Dado o antagonismo óbvio e o significado de adquirir o poder, mesmo brevemente, certas vitórias se concretizam dramaticamente.

Mas se chega a ser complicado compreender certos meandros das negociações é porque a narrativa engasga-se constantemente. Aproximadamente meia hora é o que demora para High Flying Bird pegar jeito, guinando as suas intenções com mais clareza, especialmente por ser o momento em que o protagonista toma controle dos seus próximos passos. Um agente que até mesmo se propõe a sacrifícios para retirar a bola do adversário. O protagonismo é muito concreto, assim como o envolvimento do espectador com o cerne emocional do conjunto. Nos termos técnicos, os dribles são como as jogadas de câmera, em ângulos muitas vezes estratégicos, que podem ser vistos como preciosismos gratuitos, mas reforçam a atmosfera competitiva do basquete.

High Flying Bird – EUA, 2019
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Tarell Alvin McCraney
Elenco: André Holland, Zazie Beetz, Melvin Gregg, Jeryl Prescott, Kyle MacLachlan, Caleb McLaughlin, Zachary Quinto, Michelle Ang, Farah Bala, Bobbi A Bordley, Bill Duke
Duração: 90 min.

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