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Crítica | História de um Casamento

por Roberto Honorato
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Enquanto alguns dos melhores filmes desse ano se destacam por sua virtuosidade técnica, comentário político ou reunião de grandes nomes no elenco, é reconfortante ver como Noah Baumbach continua escrevendo obras com a proposta básica de explorar o que há de mais íntimo em seu público (e nele mesmo), o que pode não soar tão “relevante” para alguns, mas poucos temas são tão universais e complexos quanto as relações humanas. 

História de um Casamento é inspirado, na maior parte, em um processo de divórcio que o diretor precisou passar. Essa não é a primeira vez que escreve sobre o assunto, já que abordou a separação de seus pais no longa de 2005, A Lula e a Baleia. Estrelado por Adam Driver e Scarlett Johansson, interpretando Charlie e Nicole, respectivamente, História de um Casamento traz o ponto de vista de um casal que tenta fazer o máximo que pode para que o divórcio não acabe com tudo que construíram no caminho, como trabalho e um filho. 

Noah tenta apresentar um longa sobre a força do amor, mesmo que pelas lentes de um divórcio. Ainda que sua direção seja detalhada e minimalista, dando destaque para pequenos momentos do cotidiano, como a maneira como um personagem tira um sapato ou passa o dedo por uma caneca, o verdadeiro triunfo da obra está em seu roteiro, carregado de naturalidade por conta de excelentes diálogos, combinado com a belíssima música de Randy Newman, que evoca uma inocência mesmo em algumas das cenas mais melancólicas. 

Logo na cena de abertura, somos introduzidos ao casal por meio de uma carta que descreve as suas melhores características, uma decisão inteligente para entregar informação sem soar descritivo demais. Ao longo da obra, Noah não nos deixa esquecer cada uma das colocações da carta, mas inserindo, aos poucos, trejeitos que complementam as descrições da abertura, o que evidencia a execução do roteiro ser tão boa ao ponto de acharmos que tudo foi improvisado – isso acaba se ligando, de algum jeito, à natureza da direção.

É difícil manter algum tipo de imparcialidade entre Charlie e Nicole por parte de Baumbach, que está se espelhando no primeiro, até certo ponto (muitos dos eventos foram alterados ou até criados para favorecer o enredo), mas há uma clara narrativa envolvendo ascensão e a queda, quase representada visualmente por um dos personagens caindo aos prantos em uma longa e poderosa sequência onde o casal precisa ser brutalmente honesto. 

Por conta da premissa, é esperado um filme mais dramático, mas há bastante espaço para alívio cômico, principalmente comédia física, brincando com os atores, como Julie Hagerty e Wallace Shawn, ou o movimento de câmera e o cenário, como se estivéssemos assistindo uma peça. Não é à toa que Charlie tem uma carreira como diretor em sua própria companhia teatral, e o filme tem algumas referências e elementos que nos lembram disso, chegando ao ponto de colocar Adam Driver cantando Being Alive, uma das músicas de Steven Sondheim, em um momento essencial para a trama. 

Voltando a falar do elenco, temos o retorno de Ray Liotta, que não tem mostrado o rosto no cinema há alguns anos, interpretando um advogado de cabeça quente que combina muito bem com o ator. Do outro lado, Laura Dern (impecável e sem defeitos, como sempre) é um tubarão do poder judiciário, mas nunca deixa de ser elegante e carismática. Mas é claro que o destaque aqui são Scarlett Johansson e Adam Driver, dois atores com um nome bastante conhecido em grandes franquias (de monopólio) como Vingadores ou Star Wars, mas possuem uma carreira sólida de interpretações mais dramáticas em obras menores, como Sob a Pele, pelo qual Scarlett merecia muito mais reconhecimento; ou Paterson, protagonizado por Driver. 

O que os dois fazem aqui pode ser facilmente considerado a atuação de suas carreiras, entregando tanto com pouca expressão, exaltando seus pontos positivos e negativos em um trabalho mais contido que fica ainda mais impressionante considerando como o filme se aproveitou de cada segundo dos atores em sequências sem corte envolvendo apenas longos monólogos. Sensível até no meio de toda a burocracia, História de um Casamento é facilmente um dos melhores, se não o melhor trabalho de Noah Baumbach, arriscando explorar um dos episódios mais delicados de qualquer relacionamento, sem deixar de lado a importância do afeto e da empatia quando lidamos de assuntos como esse.

História de um Casamento (Marriage Story) — EUA, 2019
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach
Elenco: Scarlett Johansson, Adam Driver, Merritt Wever, Laura Dern, Ray Liotta, Julie Hagerty, Mark O’Brien, Wallace Shawn, Alan Alda, Kyle Bornheimer, Mickey Sumner, Azhy Robertson, Matthew Maher, Robert Smigel, Ayden Mayeri
Duração: 136 min.

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