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Crítica | “Hold the Girl” – Rina Sawayama

Uma reencontro pessoal grandioso.

por Matheus Camargo
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“All my life, I’ve felt out of place

All my life, I’ve been saving face

Well, all these minor feelings

Are majorly breaking me down”

O primeiro momento que escutei Rina Sawayama, há cerca de cinco anos, quando tive contato com seu primeiro EP, RINA, foi marcante. O som vibrante e cativante que mostrou, recheado de referências, mas ainda soando novo e suas ondas de frescor moduladas em um electropop sem receios de explorar e experimentar. Era apenas o início da sua ascensão, que tomou força com o lançamento do SAWAYAMA, um verdadeiro titã musical, que expandiu as qualidades iniciais e preencheu todas as brechas com coragem, ímpeto e honestidade, percorrendo os mais diversos gêneros musicais e sendo excelente em cada um deles. 

Após dois dos melhores trabalhos de seus respectivos anos, o anúncio de Hold The Girl criou uma antecipação misteriosa, na expectativa de que as subversões continuariam se tornando cada vez mais densas e impactantes e que a versatilidade, seu ponto mais forte, continuaria sendo desvendada. Rina, na verdade, seguiu o próprio caminho, se distanciando dessas pressões e trilhando uma estrada que deságua de vez na imagem da popstar, e, ao se aproximar do mainstream, nos resta observar quais das características que a tornava única acabam sendo sacrificadas. Felizmente, ao escutar Minor Feelings, uma certa calmaria se instaura. A forma que a artista destrincha suas tão conhecidas inseguranças, o peso histórico e identitário, o tom que define o disco, logo de primeira, é poderosamente promissor. 

Transitando para a faixa-título, a grandiosidade que conhecemos anteriormente se difunde numa própria epopeia, que grita “épico” a cada subir e descer de seu instrumental, que mistura elementos eletrônicos com torções de violino, envolvida em vocais sobressalentes e contando uma história de reconciliação consigo mesma. This Hell continua a investir com toda a força num hino pop que não tem medo de gritar e abraçar as suas inspirações, da letra à produção, munida de uma ironia e escárnio ao se divertir com o ódio que a religião despejou contra a sua vida. Catch Me In The Air é cristalina, sincera, sonhadora, repassando a própria história e demonstrando como o apoio mútuo entre ela e sua mãe foi fundamental para que a mesma chegasse até aqui, com um belo e direto “Mama, look at me now / I’m flying”.

Ao chegar até aqui, as três faixas já mostram a intenção de ser um álbum monumental. E Forgiveness continua a remar nesse mesmo mar turbulento, onde construções e viradas imponentes fazem parte até mesmo dos momentos mais intimistas do trabalho. O problema é que assim o faz, soando colossal sem que seu esplendor realmente acrescente algo de interessante ou diferente, crescendo pelo prazer de crescer, enchendo o ambiente com uma previsibilidade cansativa. Holy (Til You Let Me Go), pelo contrário, deixa ser consumida por um dark-pop eletrônico, toma o próprio tempo para construir e desconstruir seu próprio apocalipse enquanto descreve, numa de suas melhores letras, a experiência traumática e libertadora de se desvencilhar dos olhos julgadores que a consideram pecadora por ser quem ela é. 

Your Age mergulha de vez no caos, trazendo, num ímpeto, as experimentações que Rina mostra não ter deixado de lado, com uma letra ácida, desconcertante, furiosa, passada através das quebras instrumentais ao fim. Imagining, logo em seguida, é uma cacofonia deliciosa, uma faixa que toma novas formas a cada segundo, passando o sentimento desafiador de “Tem muita coisa acontecendo aqui”. Uma jornada por si só, que te desafia a desbravar as cavernas dolorosas da auto-sabotagem. E, caso você não queira, tudo bem. Também serve como uma faixa eletrônica brutal e apaixonante. Fechando o que considero ser a trindade do álbum, Frankestein retorna ao tão apreciado rock mostrado diversas vezes por Sawayama de forma monstruosa e cruel, misturando raiva, guitarra, angústia metalizada, um amargor do qual senti falta.

Hurricanes utiliza do pop-rock de forma mais branda. Um retrogosto sentido outra vez, de que, talvez, todas essas explosões também cansem, percam fôlego ao parecerem mais  estouros coordenados que estampidos incontroláveis, de dentro, catárticos. Não deixa de ser uma boa faixa, mas parece dar alguns passos para trás, contra a sua vontade, quando tudo que você quer é continuar indo em frente. Send My Love To John marca uma mudança de tom bem-vinda. Nessa balada acústica (e devastadora), conta a história da mãe de um amigo próximo que se desculpa por todos os anos negando amor ao filho, por não aceitar a sua sexualidade. Paralisada pelas suas crenças, o máximo de aceitação que a mesma consegue expressar é terminar as suas ligações com um breve “Mande meu amor para o John”, no caso, o namorado de seu filho. 

Por fim, Phantom, o meu single favorito dos que haviam saído antes do álbum, é a balada definitiva do trabalho, num melodrama imponente, é possível enxergar as diversas faces de Rina se encontrando aqui. Para a narrativa do álbum, é o reencontro final, a epifania de perceber que você passou toda a sua vida se curvando aos desejos dos outros e abandonando pequenas partes de si mesmo. É um resgate muito bonito, orquestrado, sincero. Faz sentido que To Be Alive, uma canção de puro contentamento com a própria jornada, feche o disco. Ao mesmo tempo, é uma pena que se resume a essa euforia roteirizada, falhando em transparecer a emoção autêntica que as duas últimas faixas vestiram com excelência. 

Hold The Girl cumpre com o papel proposto, sendo um grandioso álbum pop. Constrói a sua imagem em cima de cada momento épico, em cima de cada refrão viciante, em cima de cada demonstração de que Rina Sawayama tem esse poder mágico de construir instantes de puro ápice, ainda que alguns deles sejam menos viscerais, mais conformistas. Sua narrativa é o seu ponto mais forte, uma história de crescimento coesa, uma sessão de terapia ambiciosa, que conclui que o seu lugar de pertencimento é definido por você, e não pelos outros. E, bem, ainda que não sejam tão subversivos ou inovadores, os planetas que Sawayama constrói para pertencer certamente se tornam palpáveis e convidativos através da música. Confesso que passarei um bom tempo visitando cada um deles e dando novos significados aos meus. 

Aumenta!: Imagining
Diminui!: To Be Alive
Minha canção favorita do álbum: Send My Love to John

Hold the Girl
Artista: Rina Sawayama
País: Reino Unido
Lançamento: 16 de Setembro de 2022
Gravadora: Dirty Hit
Estilo: Pop-Rock, Dance, Eletrônica.

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