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Crítica | “HOLY FVCK” – Demi Lovato

Vislumbres catárticos em meio a uma névoa traumática.

por Matheus Camargo
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“Like a serpent in the garden

I am truth and I am darkness

I’m an angel, I’m a demon

Just depends on what you’re feeling”

Escutar que Demi Lovato voltaria ao que eu considero sua era de ouro, feita do pop-rock descontraído mas recheado da angústia adolescente de Here We Go Again, foi capaz de gerar uma animação nostálgica, num primeiro momento. Mas quanto mais escutava, em entrevistas da própria artista, sobre o processo de criação do disco, mais percebia que não há mais espaço para essa amargura morna dos tempos da Disney, e que a única opção viável seria radicalizar esse sentimento. Isso sim gerou uma animação diferente, esperançosa. Lovato passou por muita coisa, mas o que considero o maior defeito de seu último álbum, Dancing With The Devil… The Art Of Starting Over, é não conseguir enxergar a intensidade dessa dor em sua música. Dessa subversão contra uma falsa calmaria que surge HOLY FVCK, revestido de ódio, brutalidade e que, antes de buscar cura, busca, primeiro, catarse, desafogar os tumultos internos. 

A primeira faixa, FREAK, com participação de YUNGBLUD, é uma boa introdução para um álbum que vem acompanhado desse peso. Musicalmente, consegue surpreender e vestir o próprio título, cantando sobre o pesadelo que foi e é ter seus demônios sempre expostos sob os holofotes. É possível escutar, logo de começo, o quão libertador está sendo para a artista abraçar os seus desajustes e falhas, como se encontrasse força em finalmente deixar a busca pelo que é “certo” para os outros. Apesar de ter gostado de SKIN OF MY TEETH como abertura dessa era, sinto que se tornou melhor dando sequência ao tema anterior. O mesmo acontece com SUBSTANCE, que considero o melhor single do álbum, curtas e sinceras, ambas se estruturam para encontrar um clímax violento e convincente em suas pontes.

Como se essa trindade, logo de começo, não fosse impactante o suficiente, o melhor retrato dessa fúria não conformista se encontra em EAT ME, visceral de uma forma que eu nunca havia visto em seu trabalho. É puro êxtase porque, pela primeira vez, é possível enxergar Demi explorando novos caminhos, e todos eles soam genuínos, sua imagem se torna mais e mais clara a cada “I can’t spoon-feed you anymore!”. A faixa-título mantém o mesmo peso, com a melhor composição até aqui e um solo de guitarra grandioso, e quando toda essa densidade sonora começa a cansar, a artista sabe jogar o próprio jogo, dando espaço para um lado mais vulnerável com 29.

Os problemas carregados desde muito cedo e a forma que cada um deles arrancou a sua inocência, aqui, com foco numa relação tida já durante a fama, enquanto tinha dezessete anos, e o outro lado, vinte e nove. É uma adição muito bem vinda, que adiciona camadas de uma sensibilidade menos destrutiva e necessária, contando com uma performance vocal incrível (o que não é surpresa para uma vocalista como Lovato). Junto com HAPPY ENDING, que parece ser uma continuação, agora mais madura, sobre a sua eterna busca pela felicidade, por um final feliz que nunca é realmente sólido, e desaba sempre que parece se firmar. 

Até então, todas as músicas possuem o seu valor, acrescentam algo, contam histórias que, mesmo já conhecidas, possuem sua própria tração emocional. E, infelizmente, é a partir daqui que começa a se formar uma massa de canções que se repetem e se repetem e se reiteram, sem renovações temáticas ou sonoras interessantes. HEAVEN se difunde com certa ironia, enfrentando os conflitos de lados antagônicos da sua persona, mas é musicalmente imprecisa, sem potência. Já CITY OF ANGELS soa superficial, com um duplo sentido e uma letra quase jovem demais para estar aqui, depois de sermos introduzidos tão bem, com a consciência de que existe espaço para mais profundidade que um caricato “Got me screamin’, “Ayo” (Ayo) / On Rodeo (‘Deo)”.

BONES começa com mais energia, e é até possível encontrar certo potencial, facilmente perdido entre os dois minutos que se esvaem sem muita substância e, dentre essa sequência, WASTED tem mais a dizer, expondo as dúvidas que a perturbaram e  continuam a perseguindo no processo diário que é se manter sóbria. Apesar disso, tanto ela quanto COME TOGETHER se prendem a uma fórmula incapaz de cativar o ouvinte, e que ainda ecoa mais alto do que o fantasma ingrato da Demi “Rock da Disney”. Exaustivamente, DEAD FRIENDS é o auge desse pop-rock raso e engessado, de um jeito que chega a atrapalhar e tentar apagar os altos que o trabalho apresentou de início. Toda essa jornada começa a se esvair num borrão cada vez mais barulhento apenas pelo prazer de ser barulhento e incapaz de passar qualquer tipo de fragilidade ou autenticidade. 

Nessa corda bamba, HELP ME gera certo incômodo. Tenho a impressão de que as partes faladas por Dead Sara interrompem excessivamente, tropeçando sempre que começa a pegar algum ritmo. Felizmente, nem tudo está perdido. As duas baladas que fecham o álbum são ótimas, e recuperam o sentimento de estar frente a algo honesto. FEED possui uma das melhores composições do disco e faz sentido porque representa um respirar lúcido, após toda dor e desespero, o reconhecimento do quão poderoso é estar no controle. Entretanto, a minha citação como favorita precisa ser 4 EVER 4 ME, que já se consagra como uma das melhores canções da carreira da artista. Há certa magia em seu arranjo, em sua construção, nas descidas e crescendos fortalecidos pela voz de Lovato, como um lembrete de que ainda há amor – pela música, por alguém, e, principalmente, após tanta busca por compreensão, por si mesma.

Apesar de terminar em uma nota agridoce, muitos outros sabores marcam essa experiência – e ainda bem. Não me oponho ao amargo, ao picante, ao ácido, pelo contrário, são esses momentos que mais marcaram este disco, que expressam sua personalidade, história e talento tão notáveis. O problema é que, entre essas tão intensas sensações, existe uma grande porção simplesmente insossa. HOLY FVCK poderia, facilmente, ser um ótimo álbum de dez faixas, recheadas de identidade, fúria, autoridade, com facetas distintas, mas coesas, que não escondem suas inspirações e ainda soam originais. Quando a artista se dá a liberdade de apostar nos extremos – da raiva ou da sensibilidade, ela acerta em cheio, gerando ápices grandiosos ou emocionantes. Tudo isso você encontra aqui, mas diluído em alguns afluentes genéricos que demoram demais para voltar a desaguar. E, ainda assim, isso não o impede de ser um acerto. Um renascimento que soa muito mais original e genuíno, que chega aos nossos ouvidos como Demi Lovato por Demi Lovato. Dessa vez, dona da própria história e dos seus aguardados rumos.

Aumenta!: EAT ME
Diminui!: DEAD FRIENDS
Minha canção favorita do álbum: 4 EVER 4 ME

HOLY FVCK
Artista: Demi Lovato
País: Estados Unidos
Lançamento: 19 de agosto de 2022
Gravadora: Interscope Records / Polydor Records
Estilo: Pop Rock, Pop Punk

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