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Crítica | Homeland – 5ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 4

Obs: Leia aqui as críticas das demais temporadas. Há spoilers

Tendo ficado sucessiva e positivamente surpreso com a qualidade das três primeiras temporadas de Homeland, que trabalharam um longo arco de 36 episódios focado na interação entre a agente bipolar da C.I.A. Carrie Mathison (Claire Danes) e o ex-soldado e herói nacional transformado em traidor e depois agente duplo Nicholas Brody (Damian Lewis), a série enveredou por águas novas e não testadas ao tentar uma narrativa curta, auto-contida apenas na quarta temporada, mas que acabou não trazendo a energia e vigor do que veio antes. Agora, na quinta temporada, outra história auto-contida é tentada, desta vez deslocando a ação para Berlim, na Alemanha, com resultados sensivelmente melhores, ainda que problemáticos.

Dois aspectos preliminares, porém, merecem ser abordados. O primeiro deles é, talvez, o que mais tenha me chamado atenção: a história da 5ª temporada, para minha surpresa, é completamente desconectada da história da 4ª. Com isso, não vemos qualquer sombra de desfecho para a caçada a Haissam Haqqani (Numan Acar), que vemos fazendo um acordo com Dar Adal (F. Murray Abraham) ao final da temporada anterior e que, nesta, ganha apenas uma breve menção, exatamente para distanciá-lo de Carrie, tornando-a alguém sobre quem ele nem mesmo mais pensa, nem sequer como uma perturbação passada. Ok, entendo perfeitamente que foi uma escolha da produção e dos showrunners e que a história de Haqqani pode sim ser considerada encerrada. Mas fica aquela leve insatisfação de não ver um final definitivo para o terrorista, o que certamente foi a intenção, ou seja, deixar o espectador com aquele incômodo de algo sem resolução, emulando o “mundo real”.

A outra questão é que Homeland, apesar de lidar com assuntos cada vez mais relevantes sob o ponto de vista geopolítico mundial, parece estar caminhando para ser ela mesmo irrelevante. Incongruência minha? Sim e não ao mesmo tempo.

Sim, porque o que antes era diferente e especial – uma agente bipolar lidando com um ex-soldado americano infiltrado nos EUA por terroristas – agora tornou-se um tanto mais banal. É um caso novo por temporada que não tem usado mais o potencial narrativo que faz de Carrie ser o que ela é. De certa forma, é como perceber muito claramente que Homeland não tem mais o que contar e poderia já ter sido encerrada.

Não, pois a atuação de Claire Danes é constantemente magnífica (se dependesse de mim, ela levaria o Emmy e Globo de Ouro de melhor atriz de série dramática todo ano) e, como disse, as questões tratadas na série são atualíssimas, com a câmera funcionando com nossos próprios olhos “de espião” dentro da intricada estrutura de uma entidade como a C.I.A. e outras parecidas como a russa e a alemã, além de células terroristas islâmicas. Além disso, esta 5ª temporada soube curar problemas que assolaram a anterior. Portanto, fico pessoalmente naquele meio termo inquieto entre ao mesmo tempo querer e não querer que a série acabe.

Mas voltando à temporada, como mencionei, a ação é quase toda ela situada em Berlim, com Carrie e seu mentor Saul Berenson (Mandy Patinkin) invertendo os papéis da temporada anterior: ele, agora, está de volta à C.I.A. e ela saiu de lá, enveredando para a iniciativa privada como diretora de segurança de uma ONG patrocinada por Otto Düring (Sebastian Koch), bilionário alemão que usa seu braço filantropo para cuidar de campos de refugiados ao redor do mundo. Quando a temporada começa, Carrie vive uma vida de sonho com o advogado Jonas Hollander (Alexander Fehling e sua filha. Ela não tem nenhuma preocupação maior do que o dia-a-dia profissional que um emprego desses exige até que Düring decide que precisa visitar um campo de refugiados na Síria controlado pelo Hezbollah para fazer uma generosa doação e usar sua imagem para fazer com que outros bilionários também façam o mesmo. Contrária à viagem, Carrie é obrigada a entrar em contato diretamente com a célula berlinense dos terroristas islâmicos para negociar salvo conduto para o chefe, mas, ao chegar no local, um atentado ocorre mesmo assim e, para seu horror, ela acaba descobrindo que o alvo era ela mesmo e não Düring.

Com isso, os alicerces razoavelmente estáveis cultivados por Carrie nos últimos dois anos (é o intervalo entre uma temporada e outra na cronologia da série) começam a ruir, com a protagonista temendo por sua vida e, mais do que isso, pela vida de sua filha. Os showrunners, então, passam a explorar o doloroso processo pelo qual a ex-agente passa, tendo que cobrar favores, mandar a filha embora, disfarçar-se e esconder-se para tentar entender o que está acontecendo. E, ainda que aparentemente desconectado, os eventos do início da temporada, a inadvertida obtenção de documentos secretíssimos da C.I.A. sobre a colaboração ilegal entre a Alemanha e os EUA na vigilância de cidadãos alemãs por um hacker islâmico e seu vazamento para uma repórter da ONG de Düring, começa a tomar corpo e a unificar a narrativa, que não perde tempo com reapresentações além do básico necessário sobre Carrie, Saul e os novos personagens, especialmente Allison Carr (Miranda Otto), chefe da estação berlinense da C.I.A., amiga de Carrie e amante de Saul, e logo parte para a ação, com uma forte pegada de thriller, com um crescendo de suspense muito eficiente que traga para a narrativa o agente black ops Peter Quinn (Rupert Friend).

Aliás, Miranda Otto constrói um novo personagem espetacular, capaz de, por vezes, rivalizar com a Carrie de Claire Danes. Apesar de um começo “padrão”, em que somos apresentados a ela da maneira mais discreta possível, apenas como alguém que Carrie procura para pedir um favor, os roteiros vão em um crescendo interessantíssimo que realmente consegue pegar de surpresa o espectador, ao revelar que ela é uma agente co-optada pelos russos para se infiltrar na C.I.A. E Otto não se faz de rogada e torna crível sua jornada, demonstrando frieza, mas também desespero quase em partes iguais, revelando a dificuldade psicológica que uma agente dupla como ela deve passar na vida real. Seu lado humano ganha credibilidade quando ela se mostra genuinamente preocupada com seus pares – de um lado e de outro – e toma atitudes vacilantes em alguns momentos, culminando com sua explosão magnífica no banheiro do quarto de hotel de Saul. Trata-se de uma personagem que mereceria até mesmo mais desenvolvimento, talvez até em uma temporada seguinte se o encerramento da 5ª não tivesse sido tão definitivo em relação a ela.

Até exatamente metade da temporada, devo dizer que o trabalho dos showrunners é espetacular, com apenas uma exceção. A narrativa é eficiente, engajante e fluida, com uma boa quantidade de reviravoltas que fazem sentido e que não estão por lá apenas por estar e sim para impulsionar de maneira coerente a narrativa principal. Cada personagem novo obedece uma função narrativa intrigante e são bens construídos, particularmente Düring que nutre um misto de frieza suspeita com uma indisfarçada admiração por Carrie, admiração essa que se revela como mais do que isso ao final. Laura Sutton (Sarah Sokolovic), a repórter americana exilada na Alemanha que trabalha para Düring representa a liberdade de expressão, a luta contra atos escusos de agências agindo à margem da lei, mas seu personagem nunca é óbvio e sua conduta nunca é facilmente sancionada pelos roteiros. Vemos os dois lados. Vemos o que representa libertar potenciais terroristas em razão de provas que teriam sido obtidas ilegalmente. Além disso, percebemos um lado pouco altruísta da repórter, que quase se vangloria de sua capacidade de desmascarar agentes secretos sem efetivamente medir as consequências globais. Há uma crítica interessante ao “caso Snowden” aqui, em que os dois lados são estudados e balanceados apropriadamente.

O único momento nesta primeira metade que realmente não funciona é quando Carrie decide parar de tomar seus medicamentos para sua condição psiquiátrica usando como base o fato que ela parece racionar melhor quando está no limiar entre o fim dos efeitos dos remédios e o “início” de sua bipolaridade. Ainda que isso faça sentido e possa ser verdade (não posso afirmar nem uma coisa nem outra com certeza), a questão é que esses momentos de insanidade da personagem acabam sendo completamente mal utilizados, sem nenhuma verdadeira função dentro da história que não seja lembrar muito claramente os espectadores que ela é bipolar. Muito sinceramente, isso não era necessário tanto dramática, quanto narrativamente. De toda forma, não é algo que detraia do todo, com o bônus de ainda podermos ver Claire Danes demonstrando toda sua latitude como atriz.

A questão que, porém, realmente prejudicou a temporada foi justamente a parada e a virada que acontece com Peter Quinn no início do sexto episódio. Ele está para se matar de forma a manter o segredo de Carrie escondido quando literalmente do nada um médico muçulmano o encontra e o leva para sua clínica clandestina para tratar de seu ferimento. Com isso, ele não só recebe os cuidados que precisa, mas convenientemente passa a conviver em um prédio onde um terrorista recém-libertado (graças ao vazamento de documentos por Laura) volta a planejar um ataque em Berlim em reuniões secretas que de secretas não têm nada. A partir deste ponto, Quinn ganha uma história paralela que, mais para a frente, volta a se “encaixar” na narrativa  principal, mas o encaixe é marretado, como se os showrunners estivessem tentando colocar um círculo em um triângulo. As coincidências necessárias para que tudo funcione são um exagero que exigem demais da suspensão da descrença do espectador. Não só temos que aceitar que o moribundo Quinn é achado por um médico e que este o leva para um local onde está sendo planejado o maior ataque terrorista desde o 11 de Setembro, como também precisamos acreditar que não só o médico como também o primo do terrorista principal passam a ficar ferrenhamente do lado de Quinn em sua cruzada anti-terrorista. E, em cima disso tudo, ainda é necessário crer que essa trama se torna particularmente importante para a agência de espionagem russa que tem Allison como agente infiltrada na C.I.A.

O resultado é que todo o drama humano passa a ser entrecortado por uma escolha narrativa equivocada que só não azeda os esforços dos showrunners, pois o suspense trabalhado ao longo da temporada e as atuações de todo o elenco são de se tirar o chapéu. Teria sido bem mais interessante deixar pelo menos uma das pontas soltas para resolução na temporada seguinte, já que não havia necessidade de correria para fechar a narrativa completamente. Allison poderia continuar como agente infiltrada ou Quinn poderia enfronhar-se ainda mais na célula terrorista berlinense, permitindo mais fluidez à história sem depender fortemente de sucessivas coincidências.

Homeland tem se tornado uma série complicada de se julgar. A 5ª temporada mostrou que realmente há material para ótimos thrillers, mesmo que haja perda de foco e conveniências narrativas irritantes aqui e ali. Carrie Mathison continua sendo uma personagem sólida que dá vontade de acompanhar independente de qualquer outra consideração, mas talvez fosse o caso de a série acabar no ponto alto e não ser estendida para sempre em tramas cada vez mais mirabolantes.

Homeland – 5ª Temporada (EUA, 04 de outubro a 20 de dezembro de 2015)
Showrunner:
Howard Gordon, Alex Gansa (baseada em série israelita criada por Gideon Raff)
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Claire Danes, Rupert Friend, Sebastian Koch, Miranda Otto, Alexander Fehling, F. Murray Abraham, Sarah Sokolovic, Mandy Patinkin, Atheer Adel, Nina Hoss, Mark Ivanir
Produtora: Showtime
Disponibilização no Brasil (à época da elaboração da crítica): FX
Duração: 585 min. (12 episódios)

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