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Crítica | Homem-Aranha: Através do Aranhaverso

Uma superabundância de Aranhas.

por Ritter Fan
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Exatamente como no ótimo primeiro filme animado sobre o Aranhaverso, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma montanha-russa tanto de estilo e técnica de animação quanto de frenéticas e destruidoras sequências de ação que tem Miles Morales (voz de Shameik Moore), o Aracnídeo da Terra-1610, e Gwen Stacy (Hailee Steinfeld), a Mulher-Aranha ou Aranha-Gwen ou Aranha Fantasma da Terra-65, podem escolher, como foco narrativo em meio a uma infindável superabundância – aqui vale o pleonasmo – de versões do Homem-Aranha, incluindo versões em que o personagem sequer é humano e outras em que o lado artrópode nem é lá muito saliente. Usando sem pudor a maior quantidade possível de referências aos quadrinhos e às versões animadas e live-action do personagem, além de conexões diretas com os eventos do longa original, a continuação é um bombardeio sensorial muito divertido, mas não sem seus problemas.

O maior ponto positivo da obra dirigida por Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson é que o roteiro da mesma trinca original formada por Phil Lord, Christopher Miller e Dave Callaham jamais perde de vista seus co-protagonistas, iniciando com o drama pessoal de Gwen Stacy e, em seguida, levando-a a uma excelente luta contra uma espetacular variante renascentista do Abutre (Jorma Taccone) em que ela acaba conhecendo Miguel O’Hara (Oscar Isaac), o Homem-Aranha 2099 e, por seu intermédio, a existência da Sociedade-Aranha, que ele comanda e que tem como objetivo manter o multiverso em ordem (se alguém lembrou da Autoridade de Variância Temporal da série solo de Loki, é bem por aí). Esse evento, então, catapulta a narrativa indiretamente para Miles Morales lidando com os seus próprios problemas para equilibrar a vida super-heróica com a vida estudantil, tendo que manter seus pais ignorantes de sua identidade aracnídea e, sem perder o ritmo, passa a manter Morales como ponto focal na medida em que ele precisa enfrentar seu autointitulado nêmeses Mancha (Jason Schwartzman) que, de um estabanado vilão, se torna uma ameaça de respeito em pouco tempo.

As bases do roteiro para usar o primeiro filme como catalisador dos eventos do segundo capítulo e a forma como a narrativa vai organicamente encaixando um evento na medida em que a telona é inundada de variantes do Homem-Aranha e como tudo informa e faz Miles Morales e também Gwen Stacy crescerem como personagens são excelentes trunfos da produção, com as diferentes técnicas de animação fundidas em uma – como por exemplo os “rabiscos” retirados diretamente dos quadrinhos para dar vida ao Punk-Aranha (Daniel Kaluuya) – funcionando também às mil maravilhas para todo mundo que não tiver tendência a episódios epilépticos, pois, se tem um filme que precisaria ter esse tipo de aviso em letras garrafais logo no início e não tem, é esse. Mas os problemas começam a acontecer quando o filme não acaba e, depois, ironicamente, quando acaba.

Há um evidente e hipnotizante crescendo narrativo em Através do Aranhaverso, mas ele só vai até o ponto em que a história consegue permanecer fresca. Em determinada altura de sua avantajada duração, diria que lá pelo final da ação caótica em Mumbattan, o longa alcança seu cume e, então, ele começa a ratear e a andar de lado, com o roteiro pecando em longos textos expositivos que são inorgânicos dentro da narrativa, mesmo considerando uma revelação relevante sobre a origem de Miles Morales, e com a trinca de diretores não sabendo fazer confluir ação e explicação, fazendo com que a obra comece a andar de maneira espasmódica. Pelo menos a ação é prevalente em relação aos momentos mais morosos em que basicamente tudo para e uma lousa parece descer do nada para que alguém elucide algum ponto potencialmente enevoado (ou complexo demais no julgamento da produção que sempre teve e continua tendo a tendência de subestimar o espectador).

E, então, o filme acaba abruptamente. Sim, eu sempre soube que a história de Através do Aranhaverso seria contada em dois longas, mas existem diversas maneiras de se acabar uma obra que necessariamente terá continuação. A pior e mais preguiçosa delas é como é feito aqui, que parece vir diretamente daquela atrocidade que Peter Jackson fez em A Desolação de Smaug ao basicamente transformar seu filme em um episódio de série de TV em que cliffhangers desse tipo são infelizmente comuns. Na verdade, se pararmos para pensar, não há nenhuma necessidade de se criar ganchos explícitos de um filme para o outro, algo que, inclusive, Homem-Aranha no Aranhaverso não faz e, mesmo assim, houve um aproveitamento orgânico dos eventos que lá aconteceram. Não encerrar um arco narrativo depois de 2h20′ de projeção é aquele artifício barato e frustrante de uma produção que simplesmente não precisava recorrer a isso, pois é improvável que alguém que tenha assistido a segunda parte deixará de voltar para a terceira com ou sem final do tipo “nossa, o que será que acontecerá?” a que a produção recorre. Isso tira o peso do drama e escancara aquele lado mercantilista que todo mundo sabe que existe em toda produção hollywoodiana, mas que justamente por isso não precisava ser escancarada. E, claro, fica aquela dúvida se essa história essencialmente básica de Através do Aranhaverso realmente precisa de algo como quase cinco horas para ser contada…

No entanto, como disse, o filme é inegavelmente divertido, contando com uma boa construção da dupla principal de personagens, um trabalho eficiente na criação da motivação do Mancha e também de Miguel O’Hara para eles fazerem o que fazem e performances de voz uniformemente ótimas, valendo destaque, claro, para Moore e Steinfeld, além dos novos entrantes Oscar Isaac, Jason Schwartzman e Daniel Kaluuya. Através do Aranhaverso só não precisava ser tão inchado como é e muito menos acabar do jeito displicente e, em última análise, bobo que acabou.

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (Spider-Man: Across the Spiderverse – EUA, 2023)
Direção: Joaquim Dos Santos, Kemp Powers, Justin K. Thompson
Roteiro: Phil Lord, Christopher Miller, Dave Callaham
Elenco: Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Brian Tyree Henry, Luna Lauren Vélez, Jake Johnson, Jason Schwartzman, Issa Rae, Karan Soni, Daniel Kaluuya, Oscar Isaac, Greta Lee, Rachel Dratch, Jorma Taccone, Shea Whigham, Andy Samberg, Amandla Stenberg, Mahershala Ali
Duração: 140 min.

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