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Crítica | Homem-Aranha: Novas Formas de Morrer

por Giba Hoffmann
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Contém spoilers referentes ao arco!

Embora possa-se dizer isso sobre praticamente qualquer arco de quadrinhos contemporâneo, é especialmente difícil ler Novas Formas de Morrer sem levar em conta o contexto de sua publicação original. Trata-se de um arco que serve como climax da fase inicial de Um Novo Dia, processo de soft-reboot sofrido pelo personagem a partir do famigerado Um Dia a Mais. Parece contrasensual chamar de experimental a iniciativa, que tentou “consertar” o problema chamado “desenvolvimento de personagem” com um belo reset na vida de Peter Parker, em busca de recriar algo próximo à fase dos anos 70, com nosso protagonista já adulto porém solteiro e imaturo o suficiente para agradar o perfil do que os editores da Marvel consideram um personagem relatável.

Porém, se olharmos de perto e com a distância necessária dos quase já 10 anos desde sua publicação original, observaremos que sim, tratou-se de um projeto experimental – o que não significa dizer que foi algo ousado. Um “experimento em jogar seguro”, se quiserem. A reestruturação consistiu na abolição de todas as revistas-satélite do herói em favor da carro-chefe The Amazing Spider-Man, que passou a ser lançada com periodicidade quase semanal, com lançamentos em três semanas por mês. Para dar conta do recado, quem assumiu a cadeira de J. Michael Straczynski foi um time de roteiristas formado por Dan Slott, Marc Guggenheim, Mark Waid e Bob Gale. Trata-se de um time de respeito, excetuando talvez a presença inusitada de Gale, mais conhecido pela co-produção em De Volta Para o Futuro. Porém, no desenrolar dos primeiros meses da nova fase da publicação, fica evidente ao leitor  toda essa força criativa se encontra em grande parte canalizada por decisões editoriais ao invés de decisões internas da equipe.

Buscando recriar, de forma abrupta e grosseira (com uma “mini-Crise” gerada por um pacto de nosso protagonista com Mefisto), aquilo que os editores julgaram ser o essencial para o personagem, temos uma versão totalmente renovada do elenco de apoio como Gwen Stacy Carlie Cooper, Mary Jane Watson Lily Hollister, J. Jonah Jameson Dexter Bennett e um Harry Osborn de volta dos mortos sem cerimônia ou explicação. Também temos a decisão, já tentada anteriormente por Straczynski completamente inédita, inovadora e inesperada, de deixar de lado temporariamente a galeria de vilões clássicos do herói em favor de novas criações, tendo como carros-chefe o Senhor Negativo (que deu as caras no trailer do aguardadíssimo game do Homem-Aranha sendo produzido pela Insomniac Games) e o novo membro da família Duende, o infame Ameaça.

Novas Formas de Morrer tem a árdua tarefa de promover o primeiro encontro entre essa “nova” cronologia (até então relativamente isolada) do herói, e elementos da longa (e agora profundamente transformada) história do personagem, na forma do retorno de Eddie Brock e do confronto contra os Thunderbolts de Norman Osborn, ao mesmo tempo em que equilibra subtramas relativas ao vindouro arco Assassinato de um Personagem. Mais do que isso, o arco o faz em uma agenda apertada de lançamentos (e, consequentemente, de prazos), o que parece refletir na escrita de Dan Slott e nos desenhos de John Romita Jr. de forma marcadamente negativa. Sendo assim, que o arco simplesmente funcione e cumpra ao menos em parte a premissa de representar uma espécie de “mid-season finale” ao primeiro ano de Um Novo Dia, que no geral conseguiu manter um patamar de boa qualidade, já é em si um cumprimento e um elogio à capacidade da equipe criativa. Porém, é difícil evitar a impressão de que a história consegue no máximo lançar ideias interessantes que, por meio de uma execução desajeitada, acabam caindo por terra.

A trama se inicia em torno da disputa pela prefeitura de Nova York. O vilão duendesco Ameaça tem atacado sistematicamente a campanha do candidato Bill Hollister, pai de Lily, namorada do recém-ressuscitado Harry e amiga de Peter. Em um desses ataques, durante um embate com o Homem-Aranha, a explosão de uma construção revela um sweatshop em pleno centro da cidade, que desencadeia um escândalo que leva diretamente à figura de Randall Crowne, ninguém menos que o oponente de Hollister na eleição. Em desespero pela retomada de sua imagem, Crowne aciona a força de tarefa dos Thunderbolts, liderada por Norman Osborn, e que, sob a S.H.I.E.L.D. de Tony Stark e com a recém-aprovada Lei de Registro operando a todo vapor, opera com orçamento e estrutura fantásticos, além de jurisdição absoluta para caçarem vigilantes não-registrados (categoria que engloba, por exemplo, um certo herói aracnídeo).

Ou seja, temos Norman Osborn recebendo dinheiro e recursos públicos graúdos para empreender uma caçada ao Homem-Aranha em Nova York, em nome da lei. É o tipo de situação irônica onde a “sorte dos Parker” tem tudo pra se fazer presente ao mostrar Peter nas situações mais desastrosas, colocar seu senso de dever heroico à prova e ao limite. Essa proposta em si  já empolga o suficiente, e é ainda melhor se levada em conta no contexto de que a equipe de vilões supostamente reformados passa por uma fase interessantíssima na mensal Thunderbolts, sob a batuta de Warren Ellis. Atrelado ao escândalo político  e ao combate iminente temos o que é para nós o primeiro reencontro de Norman com seu filho (recém revivido por Mefisto, porém sem que ninguém exceto o leitor saiba disso), que comprou o Grão de Café e tenta fazer dele uma franquia para provar seu valor.

Porém, não satisfeito com essa premissa, o roteirista Dan Slott coloca na mistura o retorno de Eddie Brock, que atualmente reside no abrigo do Projeto F.E.S.T.A. de Martin Li (secretamente o Senhor Negativo) e onde tia May trabalha como voluntária. Em meio à caçada ao Aranha, o membro dos Thunderbolts Mac Gargan, antigo Escorpião e atual Venom, vê-se impelido pelo simbionte a localizar Brock, o que motiva um ataque ao abrigo. Do confronto entre Venom e Eddie Brock, recém curado de seu câncer pelos poderes do Senhor Negativo, surge um novo simbionte formado dos anticorpos de Eddie carregados com o poder negativo, o Anti-Venom. Possuindo todas as habilidades do simbionte original somadas à capacidade de “curar” qualquer organismo vivo de uma infecção, o Anti-Venom detona seu nêmese e passa a ajudar um desagradado Aranha a lidar com a perseguição dos Thunderbolts. A história ainda encontra tempo para inserir um novo traje de Venom-Escorpião para Mac Gargan, e um veneno extremamente letal criado por Norman em um laboratório em que este faz uso do vilão Monstro como sintetizador de drogas, nos levando ao lema da farmacêutica Oscorp que dá título ao arco: para cada vida salva, um milhão de novas formas de morrer.

A inserção de Anti-Venom na história, anti-herói que recebe uma origem interessante aqui (apesar de cair na categoria de “mais um simbionte”), acaba por representar uma inesperada mudança no jogo de forças, já que é ele em grande parte quem cuida de garantir a vitória contra os vilões nas duas batalhas. Se isso por um lado nos rouba da possibilidade de ver o Aranha ter que lidar sozinho com a crise (uma perspectiva certamente mais interessante), por outro lado libera o herói para o confronto pessoal com Norman Osborn. Porém, aqui temos Harry roubando os holofotes, em boas sequências que exploram de forma interessante sua missão pessoal de superar a relação doentia com seu pai, às custas de jogar Peter novamente para escanteio. Temos boas cenas com Norman também, em especial no ataque de Ameaça, com o derivativo confrontando o Duende original a respeito de suas prioridades e conseguindo atingir em cheio o suposto coração do psicopata. O diálogo é muito significativo quando visto sob a perspectiva dos desdobramentos futuros para Norman (na saga Reinado Sombrio), bem como de sua relação com a pessoa por trás da fantasia de Ameaça – de uma forma que chega até a nos fazer ter a ilusão de que essas coisas talvez sejam mais bem planejadas do que de fato são.

Enquanto que o vasto elenco de apoio recebe bons momentos de desenvolvimento, a participação de nosso protagonista encontra-se centrada nas cenas de ação. Um dos pontos altos é a invasão à Mansão Osborn, que infelizmente é interrompida em seu ápice pelo ataque ao Abrigo do F.E.S.T.A., com nosso herói abandonando tudo para salvar a Tia May, como não poderia deixar de ser. O combate contra o Mercenário e as tropas de Osborn e o próprio confronto contra o Duende Verde também merecem destaque. Embora sejam batalhas bem roteirizadas e com elementos inovadores (a “ajuda” malquista de Anti-Venom que, embora muito poderoso, tem o efeito colateral de anular os poderes de Peter a curtas distâncias; Norman criando uma forma de se aproveitar do sistema de focalização da câmera de Peter para criar armamentos teleguiados), a arte deixa a desejar em diversos momentos, ao ponto de se tornar um distrativo ao bom aproveitamento de tais cenas.

A palavra que melhor define a arte deste arco é: inconsistência. O traço de John Romita Jr. é, no geral, inferior ao apresentado pelo mesmo artista anteriormente, como por exemplo em De Volta ao Lar. Algumas páginas e cenas nos fazem lembrar dos momentos de brilhantismo do desenhista, enquanto que outras deixam confuso o leitor acostumado a esperar um alto nível de seu trabalho. A arte final de Klaus Janson e a colorização de Dean White apenas agravam o problema, com uma inconsistência de estilo tamanha que faz a coisa toda ficar com um aspecto franksteiniano. Uma mesma cena se inicia com uma arte-finalização pendendo ao fotorrealista, passa para um estilo mais tradicional e complementar à arte de JRJ e termina com um cartunesco saturado. A arte-final em muitos pontos favorece os desenhos menos apurados de Romitinha, às custas de anular o estilo próprio do artista, com preenchimentos suaves e com poucas linhas, enquanto que em outros momentos parecemos presenciar um rascunho colorido às pressas no computador. A inconsistência incomoda e faz os problemas da arte se tornarem gritantes, o que prejudica o fluir da história como um todo.

Mesmo guiado pelas cenas de ação e apoiado na presença de personagens interessantes envolvidos em subtramas promissoras, o leitor acaba conduzido a um desfecho final desprovido de impacto. O combate entre o Venom-Escorpião e o Anti-Venom consiste em poucos quadros retratando os simbiontes se agarrando com um traço bastante aquém do que o momento poderia sugerir, se resumindo em uma repetição menos empolgante do primeiro combate. Por sua vez, a luta entre o Homem-Aranha e o Duende Verde é rápida e agressiva, embora não traga nada de necessariamente novo, tendo como ponto mais significativo a presença de Harry e um rompante de raiva não muito bem justificado por parte de Peter. O arco, que se inicia com uma portentosa narração de Peter a respeito de sua história como o Homem-Aranha e se desenvolve através de uma sequência empolgante de cliffhangers, acaba se resolvendo com uma pancadaria apenas regular, jogando para o canto grande parte dos temas que levanta e deixando o leitor com a impressão de um build up inconsequente.

Com um excesso marcado de personagens e um verdadeiro malabarismo de subtramas que funciona apenas de maneira relativa, Novas Formas de Morrer é um conjunto de boas ideias estruturadas de forma falha, a nível tanto de roteiro quanto de arte. A trama patina entre ideias diversas sem se aprofundar de forma satisfatória em nenhuma, dando a impressão de se preparar ao longo de seis edições para uma série de desfechos que nunca chega a acontecer. Mesmo os momentos mais interessantes acabam sabotados por uma arte abaixo dos padrões e inconstante, de forma que mesmo as promissoras cenas de ação acabam por atingir um resultado que beira ao inexpressivo. Para cada boa ideia de Dan Slott, temos pelo menos três novas formas de ferrar com tudo, criando mais simbiontes e reaquecendo Duendes enquanto esquece-se que o coração da revista é aquele cara que passou essas seis edições sem ter muito o que dizer, o tal do Homem-Aranha.

Homem-Aranha: Novas Formas de Morrer (Amazing Spider-Man: New Ways to Die)
Nos EUA: Amazing Spider-Man (v1) #568 – #573 (Agosto/2008 até Outubro/2008)
No Brasil:
 Homem-Aranha (Primeira Série, Panini) #92-#94 (Agosto/2009 até Setembro/2009)
Roteiro: Dan Slott
Arte: John Romita Jr.
Arte-final: Klaus Janson
Cores: Dean White
Letras: VC’s Cory Petit (EUA) Marcos Valério (Brasil)
Capa: John Romita Jr., Klaus Janson & Dean White
Editoria: Stephen Wacker
Páginas: 192

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