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Crítica | Homens Brancos Não Sabem Enterrar (1992)

Basquete, amizade e uma boa dose de brigas e humor.

por Luiz Santiago
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Quando escreveu e dirigiu a comédia esportiva Homens Brancos Não Sabem Enterrar, que estreou nos Estados Unidos em março de 1992, Ron Shelton só tinha dois títulos no currículo como diretor: Sorte no Amor (1988), com Kevin Costner e Susan Sarandon e Blaze, o Escândalo (1989),com  Paul Newman. Embora tivesse chamado a atenção com suas obras anteriores, nada se compara ao impacto que White Men Can’t Jump teve em termos de público e crítica, servindo para abrir algumas portas para o cineasta e para catapultar a carreira da sensacional dupla protagonista. Ambos os atores entregam uma interpretação leve, divertida e de qualidade, sendo esta parte dramatúrgica a melhor coisa de todo o filme. 

Billy Hoyle (Woody Harrelson) e Sidney Deane (Wesley Snipes) é uma improvável dupla de jogadores de basquete de rua que se unem para vencer os desafios pessoais (tanto vícios e desejos quanto financeiros) e driblar seus próprios preconceitos. Uma das principais leituras críticas comuns à obra é a abordagem da temática racial, explorada com sutileza através do humor típico dos anos 90, o que pode trazer algum desconforto para determinados espectadores contemporâneos. Através da dinâmica entre Billy, um homem branco que se considera superior aos jogadores negros de rua (não racialmente, mas no esporte, só para deixar claro), e Sidney, um talentoso jogador negro, o filme acaba explorando estereótipos e conceitos raciais e sociais que podem ser entendidos por qualquer tipo de público. Essa abordagem, integrada à trama de forma positiva, permite uma reflexão sobre as questões raciais sem perder o tom leve e divertido da narrativa.

O filme foi lançado em um momento em que a cultura do basquete estava se popularizando. O sucesso da NBA e o carisma de jogadores icônicos, como Michael Jordan e Magic Johnson também influenciaram o marketing do longa e o chamado do público para as salas de cinema. Além disso, a escolha de um elenco diversificado e com protagonistas talentosos ajudou a criar uma dinâmica autêntica entre os personagens e a trazer uma representação mais realista da cultura do basquete de rua. As gírias, as “piadas de mãe” e toda a dinâmica de provocação e controlada agressividade entre os jogadores dá o tom necessário de proximidade com o público. O fato de estar na rua, em bairros populares, e ter uma camada de lutas financeiras ou busca por melhores condições de vida no enredo, também ajuda a fortalecer essa conexão. 

O roteiro só não conseguiu relacionar o núcleo central (ligado ao basquete) aos eventos paralelos a ele, principalmente a linha dos irmãos Stucci, mafiosos de quem Billy e sua namorada Gloria (Rosie Pérez) estão fugindo, por terem uma dívida de jogo que não conseguem pagar. Tudo relacionado a esses mafiosos soa falso, e esse mesmo problema acaba se estendendo para o relacionamento de Billy e Gloria (porque está constantemente ligado os irmãos Stucci, sobre os quais ninguém se importa) e, em maior grau, para o “evento Jeopardy”, que a edição definitivamente não conseguiu evitar que fosse um balde de água fria no ritmo do filme. 

Quando falamos da edição e da direção nos momentos de jogos, porém, a situação é completamente diferente. As cenas de basquete são filmadas com a agilidade e o dinamismo necessários e esperados, capturando a energia e a emoção que os filmes de esporte deveriam transmitir. O equilíbrio narrativo só se perde quando nos deparamos com uma alteração desses momentos ágeis para sequências mais contemplativas e dramas íntimos que parecem intrusos, recebendo zero cuidado do diretor, por motivos óbvios. O problema é que essa falta de cuidado acaba deixando as cenas amorosas e familiares, que num outro tipo de enredo poderiam servir de contexto para a exploração da vida dos protagonistas, em inúteis empecilhos no desenvolvimento fluido do filme.

Mas quem não tropeça de jeito nenhum aqui é a icônica trilha sonora, que sempre me surpreendeu. Ela desempenha um papel fundamental na atmosfera da fita, com uma seleção cuidadosa de músicas que complementam as cenas de forma imbatível e muitas vezes conseguem contextualizar bem mais a passagem de um bloco para outro, se comparada ao que o diretor está mostrando na tela. A música é o cimento de diversas relações aqui, tanto as amorosas quanto as fraternas. E a despeito do conflito que há entre Billy e Sidney, é clara a expansão da amizade entre os dois, que culmina até em alguns sacrifícios que um faz pelo outro, dadas as dificuldades que enfrentam em suas vidas particulares. A evolução emocional desses personagens é outro acerto do roteiro de Ron Shelton, que termina com uma relação de lealdade e respeito.

Os passos em falso do diretor em Homens Brancos Não Sabem Enterrar não impedem que o público aproveite o filme e se divirta com o que acontece em seu principal bloco narrativo. A cultura do basquete em quadras públicas, as questões raciais e de classe e o lado malandro e humano de times e jogadores dão ao filme uma grande capacidade de ligação com sua audiência. O bom desempenho dos protagonistas coroa a película com algo ainda mais envolvente, e o filme se vende bem como uma celebração ao basquete popular e um retrato do esporte fora de seu âmbito glamouroso e televisivo, mostrando como também pode ser uma ponte para unir indivíduos de diferentes contextos sociais através da amizade facilitada pelo esporte e pela competição. 

Homens Brancos Não Sabem Enterrar (White Men Can’t Jump) – EUA, 1992
Direção: Ron Shelton
Roteiro: Ron Shelton
Elenco: Wesley Snipes, Woody Harrelson, Rosie Perez, Tyra Ferrell, Cylk Cozart, Kadeem Hardison, Ernest Harden Jr., John Marshall Jones, Marques Johnson, David Roberson, Kevin Benton, Nigel Miguel, Duane Martin, Bill Henderson, Sonny Craver, Jon Hendricks
Duração: 115 min.

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