Home FilmesCríticas Crítica | Homens Brancos Não Sabem Enterrar (2023)

Crítica | Homens Brancos Não Sabem Enterrar (2023)

Novos parâmetros, novos problemas.

por Luiz Santiago
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A refilmagem de 2023 para o marco noventista Homens Brancos Não Sabem Enterrar é aquela continuação que ninguém pediu, que é majoritariamente mal recebida, mas que acaba se equiparando, em qualidade, ao original, sofrendo de outros problemas, claro. Trata-se do segundo longa-metragem de Calmatic, que já tem experiência com o formato de videoclipe desde 2011, e que agora chega ao cinema trazendo, no mesmo ano, a comédia Uma Festa de Arromba (House Party) e o remake de uma das comédias esportivas mais lembradas e queridas do grande público. A produção da fita começou em 2017, mas desapareceu rapidamente do radar da imprensa. Só em novembro de 2021 é que as notícias sobre o projeto voltaram a circular, com o anúncio de que Calmatic assumiria a direção; e nos meses de março de abril do ano seguinte, com o anúncio de Jack Harlow e Sinqua Walls como os protagonistas.

É claro que uma das maiores dificuldades desse novo White Men Can’t Jump é pelo menos igualar-se ao legado deixado pelo filme original no quesito “relação entre os protagonistas”. A dinâmica entre Woody Harrelson e Wesley Snipes no longa de 1992 foi tão icônica, que sua recriação se torna uma tarefa ingrata. Me parece, porém, que Calmatic e os roteiristas Kenya Barris e Doug Hall não investiram energia criativa em copiar os melhores momentos e forçar uma equiparação entre a nova e a antiga geração. O enredo, em linhas gerais, segue a mesma linha estabelecida por Ron Shelton, mas os responsáveis estão claramente cientes que a questão não é imitar ou tentar repetir aquilo que o público dos anos 90 achou incrível, elogiou e quis ver no cinema. Nesse aspecto, o filme entrega algo impressionante. Toda a construção segue o caminho destinado a uma plateia deste novo século, tanto na relação entre Kamal (Sinqua Walls) e Jeremy (Jack Harlow), quanto nos dramas para além dessa relação.  

O diretor se esforça para manter a essência do original, especialmente nos momentos de confronto entre os dois amigos nos jogos de basquete, e consegue fazer isso sem transformar ambos em mímicas de Billy e Sidney. Nessa versão, entram em cena os problemas familiares e comportamentais, devidamente discutidos; as relações fraternas vistas por um outro ângulo de masculinidade (mais leve, menos estereotipada) e relações amorosas dos protagonistas com suas mulheres a partir de um viés de entendimento e de valorização de ambas as partes no decorrer do filme – valendo dizer que esta obra conserta quase todo o problema que tivemos no longa anterior com os blocos dramáticos fora das quadras. A família é bem trabalhada e a passagem entre os diferentes núcleos realmente faz sentido. Mesmo que o texto ainda peque no desenvolvimento interno desses blocos, há ao menos uma interação fluida entre eles e aquilo que interessa: os jogos de basquete, as intrigas entre a dupla central e o ímpeto competitivo. 

É justamente nesse ponto que a obra de 2023 deixa de crescer. Se por um lado temos um roteiro com diálogos infinitamente melhores que o original, assim como os dramas paralelos ao núcleo da fita, a presente refilmagem não chega aos pés da produção de 1992 quando se trata de qualidade de direção e construção de atmosfera nos jogos de basquete. Aqui, os embates transmitem uma emoção engessada e toda a articulação para os jogos e até mesmo as brigas entre os jogadores parecem insossas, não possuem a força necessária. A edição também não consegue criar algo intenso por bastante tempo, e isso se dá até mesmo no jogo decisivo. Chega a ser frustrante o fato de que a obra tinha muito para dar certo, mas acaba falhando justamente na construção da alma do projeto. Aí fica difícil defender.   

Temas e comportamentos característicos de nossos tempos são bem levantados aqui. É outra geração de homens apaixonados por basquete, e isso está posto na forma como o esporte integra a vida desses personagens e na personalidade de cada um deles. O basquete não deixa de ser a estrela nessa versão. O problema é que essa estrela não brilha muito, principalmente nos momentos decisivos. Calmatic não consegue filmar boas cenas sequenciais de passagem de bola ou de cestas sendo feitas, e até o uso da câmera lenta aqui é inferior ao original, uma vez que não há muita coisa interessante para que o movimento seja destacado.  

Quanto ao papel do elenco em tudo isso, Jack Harlow surpreende em compor com muito charme a faceta do típico “desconstruidão natureba”, com suas manias, hipocrisia e grande coração. Já Sinqua Walls não consegue se elevar tanto como um contraste a Jack Harlow. Sua interpretação parece não demonstrar a dureza que a descrição de seu personagem diz ter. Apenas o lado introspectivo é bem representado, mas ainda falta algo. Embora não seja uma atuação ruim, é da parte dele que vem o tom de desequilíbrio na linha principal de atuação. 

Homens Brancos Não Sabem Enterrar é uma revisitação que, embora acerte parcialmente e tente abordar questões sociais relevantes (o aspecto racial, por exemplo, é discutido de forma muitíssimo mais profunda, cômoda e inteligente – para padrões de uma comédia esportiva, claro), falha em entregar o que qualquer um poderia esperar desse filme: cenas contagiantes de partidas, todas temperadas com uma boa dose de discussões entre os atletas. A química entre os protagonistas é boa, mas também não se compara à do original, algo que também podemos falar da trilha sonora, que apesar das escolhas, possui uma mixagem de fazer vergonha a qualquer um. A obra oferece a oportunidade para uma nova geração se familiarizar com a história e as mensagens subjacentes do clássico de 1992, inclusive trabalhando muitos aspectos críticos de modo elogiável, mas é evidente que não consegue dar aquele salto vencedor para fazer a cesta que uma refilmagem não solicitada como esta tinha a obrigação de fazer.

Homens Brancos Não Sabem Enterrar (White Men Can’t Jump) – EUA, 2023
Direção: Calmatic
Roteiro: Kenya Barris, Doug Hall, Ron Shelton
Elenco: Sinqua Walls, Jack Harlow, Lance Reddick, Teyana Taylor, Laura Harrier, Myles Bullock, Vince Staples, Zak Steiner, J. Alphonse Nicholson, Aiden Shute, Bentley Green, Andrew Schulz, James Earl, Stan Verrett, Blake Griffin, Taylor Rooks, Tyler Herro, Dazeran Jones, Arturo Castro, Tristen J. Winger, Paris Nicole
Duração: 101 min.

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