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Crítica | Homicídio – 1X01: Gone for Goode

Realismo policial tem nome: David Simon.

por Ritter Fan
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 07
Número de episódios: 122
Período de exibição: 31 de janeiro de 1993 a 21 de maio de 1999
Há continuação ou reboot?: Não, mas um telefilme, Homicide: The Movie, foi ao ar em 13 de fevereiro de 2000, servindo como encerramento da série. Além disso, o personagem John Munch, de Richard Belzer, migrou para Law & Order: Special Victims Unit, aparecendo ou sendo citado também em diversas outras séries de TV ao longo das décadas.

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David Simon, certamente mais conhecido por criar The Wire, a melhor série de TV já feita (e qualquer opinião em contrário é automaticamente inválida), trabalhou por 12 anos como repórter do The Baltimore Sun e foi essa sua larga experiência nas ruas de uma das mais violentas cidades dos Estados Unidos que moldou toda sua carreira literária e audiovisual. Seu primeiro grande passo para fora do puro jornalismo foi quando ele transformou sua permanência diária de um ano na divisão de homicídios do Departamento de Polícia de Baltimore no livro Homicide: A Year on the Killing Streets, publicado em 1991.

Considerando o sucesso de séries televisivas policiais de cunho mais realista do começo dos anos 90 capitaneado por Law & Order, sua premiada obra foi adquirida pela NBC, lar da citada criação de Dick Wolf, e adaptada em série por Paul Attanasio depois que Barry Levinson, envolvido na produção pelo próprio David Simon que mandou o livro para ele na esperança que o diretor se interessasse em fazer um filme, o pinçou dentre os roteiristas com quem tinha mais contato. Nascia, então, uma série policial realmente diferenciada por sua pegada mais crua, fria e quase documental, que durou impressionantes sete temporadas e 122 episódios mantendo quase o mesmo elenco e revelando nomes como Andre Braugher (o Capitão Holt de Brooklyn Nine-Nine) e Richard Belzer (no seu literalmente eterno papel de John Munch que ele transportaria diretamente para Law & Order: Special Victims Unit, além de, por incrível que pareça, participações especiais em outras oito séries), além de contar com Ned Beatty (nas três primeiras temporadas), Melissa Leo (cinco temporadas) e Yaphet Kotto (todas as temporadas).

Gone for Goode, o episódio piloto, teve lançamento VIP na TV americana, pois foi transmitido em seguida ao Super Bowl, o que, ao mesmo tempo, mostrou a segurança da NBC com o material e arriscou o futuro da série, já que a audiência foi abaixo do esperado, com ela sendo salva por uma combinação de premiações no Emmy (incluindo a direção do piloto por Levinson e o sucesso de NYPD Blue, outra série policial, só que transmitida pela ABC, em setembro do mesmo ano). A audiência baixa é perfeitamente compreensível e arriscaria dizer que o mesmo aconteceria hoje em dia – talvez especialmente hoje em dia -, pois o piloto não tem ação alguma, não tem sequer um tiro. Aliás, não aparece uma arma sequer fora do coldre.

E é esse o grande trunfo de Homicídio (milagroso título simples, de uma palavra, que recebeu por aqui), pois o que vemos são pessoas normais que são policiais e não gênios da dedução que são capazes de sherlockianamente deduzir o que aconteceu ao ver um corpo estendido na rua. Além disso, a divisão de homicídios do Departamento de Polícia de Baltimore – uma versão fictícia, mas muito próxima da realidade que Simon descreve em seu livro) parece uma reunião de pequenos feudos de duplas de policiais, cada qual com seu estilo. Em outras palavras, pelo menos no episódio piloto, o que se vê não é a costumeira narrativa coesa, mas sim diversos casos sendo tratados simultânea, mas separadamente, com o quadro branco de casos abertos (em vermelho) e encerrados (em preto) servindo como ponto de convergência entre eles e tendo apenas o tenente Al Giardello (Kotto) servindo de “pessoa em comum”.

É, decididamente, uma abordagem ousada do roteiro de Attanasio que Levinson costura em um episódio sem dúvida coerente, mas que não perde sua composição fragmentada característica. Como se isso não bastasse, Homícidio é uma das raras obras policiais cujas investigações são realmente baseadas em provas concretas e em confissões, que são muito – mas muito – mais comuns do que complexas e por diversas vezes milagrosas técnicas investigativas de políciais envolvidos emocionalmente com seus casos. Gone for Goode deixa isso muito claro, com os interrogatórios ganhando uma montagem picotada interessante e eficiente que lembra o jump cut popularizado na Nouvelle Vague. E todas as atuações são com pé no chão, com o novato Tim Bayliss (Kyle Secor), egresso da segurança da prefeitura da cidade, servindo de guia inicial por todos os demais membro da equipe e funcionamento da delegacia.

Com um piloto sólido que falhou em capturar a audiência no começo, mas que, ao longo prazo, funcionou muito bem para marcar todo um estilo diferente, Homicídio mostrou que série policial realista tem nome e ele começa com David e acaba com Simon. Todo o resto é invencionice. Pena que, no momento em que escrevo a presente crítica, a obra seja tão difícil de achar, pois ela merece todo o prestígio.

Homicídio – 1X01: Gone for Goode (Homicidee: Life on the Street – EUA, 31 de janeiro de 1993)
Criação:
Paul Attanasio (baseado em obra de David Simon)
Direção: Barry Levinson
Roteiro: Paul Attanasio
Elenco: Clark Johnson, Jon Polito, Ned Beatty, Richard Belzer, Melissa Leo, Daniel Baldwin, Andre Braugher, Kyle Secor, Yaphet Kotto
Duração: 48 min.

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